No espírito da Páscoa, flagrei a mim pensando em Jesus Cristo. Mentira, foi em chocolate. Mas não é o que parece. Pensei em como foi difícil descobrir que eu não era feita de chocolate. Ou seja, lembrei de quando percebi que nem todo mundo gostava de mim e que isso não ia mudar.
Nunca pensei que fosse tão atraente quanto cacau – e não falo do sentido físico, mas em termos de queridismo –, nem quando era criança. Mas por muito anos eu acreditei que se não fizesse mal a ninguém, as pessoas não teriam motivo pra não gostar de mim. Ledo engano.
Ainda na adolescência descobri que as pessoas podem não gostar umas das outras simplesmente porque sim
Fundamentalmente, não vejo problema nisso. Se eu vasculhar minha memória, vou encontrar pessoas de quem eu não gosto sem motivo pra não gostar. O lance é o impacto que isso causa nas nossas vidas. No meu caso, foram anos tentando desesperadamente agradar a todos.
Eu tentava ser a melhor aluna porque assim os professores gostariam de mim; falava bobagem com os meninos porque assim eu não seria uma menininha entediante; falava sobre meninices com as gurias porque assim eu seria uma amiga muito tri; me esforçava no vôlei pra ser escolhida na aula de educação física, e por aí vai. Eu sempre gostei do fato de as pessoas gostarem de mim. E nem sabia do que eu gostava mais.
O problema é que ao longo da vida isso foi ficando cada vez menos saudável – e mais submisso
Na faculdade era só uma versão crescida do colégio; na vida social, precisava emagrecer pra me acharem bonita; no trabalho, aceitava qualquer empreitada não pra “crescer na firma”, mas pra gostarem de mim. O resultado disso foi assédio moral e uma tremenda crise de identidade.
Eu não sabia mais quem eu queria ser
Talvez eu esteja exagerando um pouco afinal, carrego comigo essa tendência hiperbólica. Mas não é o que todos fazemos até certo ponto? A maioria de nós passa a vida tentando ser chocolate.
Me libertar disso foi muito interessante. Redescobri quem eu queria ser e virei esse sonho de cabeça pra baixo. Algumas pessoas me odeiam com razão e outras não tem motivo, e eu já não me importo com a segunda categoria. Dependendo da pessoa, acho até charmoso. É quase bom ser odiada por um mala.
Mas ei, nem Jesus era feito de chocolate, certo? Nem ele agradou a todos. E quanto aos pobres mortais, a gente vai conseguir ser, no máximo, uma barra de 70% cacau. Parece que é o melhor que há, charmosa, interessante, intensa e saborosa. Mas amarga pra alguns paladares.
Fotografia de Nate Phillips
