Tô ficando repetitiva, eu sei, mas tenho pensado muito nisso. A gente sempre quer o melhor pra os filhos, sempre, mas o que é esse melhor?
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Nossa, como é difícil criar filhos!
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Porque pra mim é importante ter rotina com meus filhos. Eles ficam seguros. Eu fico segura, nos organizamos melhor. Para outra pessoa, a rotina é ruim. Aprisiona, incomoda. Quem de nós está certa? As duas. Ou nenhuma. Cada família tem o seu funcionamento. Às vezes o funcionamento é caótico, mas pra eles, funciona. Minha mãe sempre me dizia: o que seria do azul se não existisse o amarelo? Quando era pequena isso não me fazia muito sentido. Mas como era a mãe falando, sabia que devia ser coisa importante.
Com meus dois filhos, percebo que precisamos mesmo ter o azul e o amarelo. E o roxo, o preto, o rosa, o vermelho… Os dois recebem o mesmo carinho, o mesmo tratamento, a mesma educação. E cada um reage de um jeito. Água e vinho. É incrível como podem ser tão semelhantes e tão distintos ao mesmo tempo. Então, se na minha casa é assim, imagina no mundo? Se na tua casa é assim, imagina no mundo? Tenho procurado ter menos certezas no mundo. Isso tira um pouco do peso. Me permite observar mais, tentar mais. Avançar e recuar, sempre tendo em vista que estamos lidando com pessoas. E que nós somos pessoas também. Erros, acertos, azul, amarelo.
Isolado pelas próprias discórdias, Marchezan coloca em risco o seu governo
Igor Natusch
23 de novembro de 2017
“Se esse tipo de impasse permanecer, em 2018, ele se inviabiliza como chefe do Executivo”
A advertência – dura, incisiva, sem nenhum esforço de diplomacia – não é de um esquerdista raivoso em oposição radical contra o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior: vem de Valter Nagelstein, vereador eleito pelo PMDB, partido de centro e que chegou a ensaiar movimentos para, mesmo derrotado nas urnas, entrar na base do atual prefeito na Câmara Municipal.
Não é uma frase leviana, diga-se. Poderia parecer um exagero em outras circunstâncias. Mas o fato é que Marchezan, com seu gênio cada vez mais intratável e seu personagem público gerando cada vez menos simpatia, começa a tornar plausível algo que, com menos de um ano de governo e em um cenário ideologicamente favorável, não era para fazer nenhum sentido.
Atuando de forma divisiva em todas as frentes, o prefeito de Porto Alegre vai inviabilizando o próprio governo, tanto no ideário quanto na prática
Um dos pontos mais bem sucedidos da campanha que elegeu Marchezan foi a imagem de político jovem, incisivo e, acima de tudo, dinâmico. Enquanto os concorrentes faziam falas estáticas em estúdios, ou gravavam todas as suas intervenções em áreas centrais da cidade, Marchezan aparecia sempre em movimento, dentro dos cenários que mencionava, da Restinga à Cidade Baixa, no Quarto Distrito e na Vila Mário Quintana.
Era a imagem de um homem que andava pela cidade, que a conhecia e, portanto, sabia como agir a respeito. E essa imagem vem sendo derrubada pelo próprio Marchezan, que não consegue melhorar a situação de abandono da cidade
Com essa sensação de paralisia, e com elogios a tomadas para celular em pontos de ônibus caindo aos pedaços, o prefeito dá sinal contrário ao desejado: o de alguém que não conhece a cidade, não enxerga seus problemas e está distante de solucioná-los.
A fala sobre políticos cagões pode ter arrancado aplausos dos jovens moralistas e superficiais do MBL, mas não poderia vir em pior hora para quem está cada vez mais ausente de aliados institucionais. Partidos aliados, como o PP, não mais se constrangem em votar contra os interesses do prefeito. Ex-líder de governo e pessoa influente dentro da Câmara, Claudio Janta acaba de chamar Marchezan de “bunda-mole” – sinal tanto da degradação de relações entre Executivo e Legislativo, quanto da disposição crescente de enfrentar de forma direta a postura do prefeito.
Para governar, um chefe de Executivo brasileiro precisa de acordo com o parlamento e/ou de suporte popular. Com as duas coisas, suas ideias irão longe; sem nenhum desses elementos, está condenado ao imobilismo ou coisa pior. Marchezan nunca chegou a ter ampla segurança nesses aspectos, mas está cada vez mais fragilizado, de um lado e de outro. E insiste em fórmulas que estão claramente erradas, independente de espectro político
Com pelo menos quinze baixas em pouco mais de dez meses de governo, em clima de guerra com seu influente ex-líder de bancada e com sua falta de diálogo criticada por aliados e opositores sem distinção, Marchezan planta discórdia onde precisa de tranquilidade, e essa colheita não tem como ser positiva.
Mantém a cidade em animação suspensa, mobiliza o forte sindicalismo municipário contra si, insiste em um série de quase insultos contra seus inimigos políticos e segue às turras com quem poderia defendê-lo quando isso tudo der errado. Em menos de um ano, Marchezan isolou-se. Talvez por vaidade, talvez por leitura equivocada de cenário, não parece nada disposto a mudar a rota. Vai transformando em possível um adágio que, no dia da posse, soaria como delírio: se seguir assim, talvez não termine o mandato mesmo, hein.
A gente sempre quer o melhor para os filhos. Uma boa escola, que seja bonito, inteligente, se dê bem com os amigos, que tenha uma profissão interessante, seja bem resolvido. Ih, tantos quereres.
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Daí tem a vida. E faz coisas que não são o que queremos. E a gente tem vontade de brigar. E tem vezes que a gente briga mesmo.
Só que
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Nossos filhos vão ter suas decepções. E não serão poucas. Como nós também temos. Não precisavam ser tantas, mas elas estão aí e continuarão por aí. Tenho pensado bastante nisso. O que me fez pensar mais, foi um fato que aconteceu há alguns dias. Organizei um evento num espaço privado. O espaço é pequeno. Tínhamos um número limitado de ingressos. Os ingressos foram vendidos antecipadamente e esgotaram antes do evento.
No dia, chegou uma família sem ingressos bem na hora que ia começar. Eu disse que não teria como deixá-los entrar, pois já estávamos com a capacidade máxima. Mas como era o início e as pessoas ainda estavam chegando, eles poderiam entrar, ficar uns 15 minutos e sair depois, sem custo. Pensei em suavizar um pouco, para não deixar a família e principalmente a criança, tão frustrados.
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A mãe ficou bem chateada. Me deixou bem claro que não tinha gostado e que não teria vontade de voltar outro dia. Fiquei chateada, pois queria que entrasse, não queria deixar a criança ir embora frustada… Foram
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Um tempo depois chegaram mais duas famílias. Mesma situação. Pressão. Aí a festa já havia começado e a casa estava bem cheia. Expliquei. Não adiantou. Expliquei de novo. Nada. A mãe das crianças me disse que eram só duas crianças. Expliquei que antes dos filhos dela, já havia dito não para vários outros e que seria injusto deixaá-los entrar, já que outros também não entraram. E todos que ficaram de fora não entraram apenas porque não tinha lugar.
Expliquei que quem havia comprado seu ingresso deveria estar seguro e confortável, que deveria ter lugar para as pessoas aproveitassem o evento. Que é claro que eu queria atender o maior número de pessoas, afina, isso divulga meu trabalho, é renda, é super positivo. Mas que eu tinha responsabilidade, que precisava zelar pela segurança e pelo conforto de quem já estava.
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Ela me ouviu. Pegou seu celular e começou a tirar fotos dizendo que ia falar mal, que havia sido barrada. Isso durou em torno de 40 minutos. As crianças assistindo
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Me passaram tantas coisas pela cabeça. O que estamos ensinando para nossos filhos? Como lidar com a frustração? O que fazer se o mundo não parar porque tu quer? O que fazer se acabou o sorvete de morango e só tem o de chocolate? Ou o contrário? Ou? Ou? Problemas vamos ter sempre. O que nos faz crescer é a forma de lidar com eles.
Ontem assisti um episódio de Charlie e Lola, um desenho que adoramos. A Lola estava muito frustrada porque não conseguiu entrar no cinema para assistir o “Super gato”e a sessão estava lotada. Adivinha do que lembrei?
Violência urbana: um conto sobre icebergs e toalhas
Igor Natusch
15 de novembro de 2017
Não sou bom desenhista, mas vamos lá.
A violência é um iceberg. Gigante, daqueles que a gente nem consegue olhar de tão enorme que é. Um iceberg, todos sabemos, é feito de gelo?—?e sendo gelo, está sempre derretendo um pouquinho, fazendo um pouco de água, por menos que a gente perceba. Sempre houve, portanto, a necessidade primordial e incontornável de enxugá-lo. Às vezes pouco, às vezes muito, mas não adianta: estamos sempre enxugando o gelo do iceberg, desde que o mundo é mundo, desde que seres humanos somos e percebemos que há um iceberg a enxugar.
Feito de gelo que é, o iceberg derrete mais rápido na medida em que há mais calor. O nosso modelo de sociedade, talvez a gente possa compará-lo com o aquecimento global?—?mas aí a parábola fica muito ambientalista, não é bem a ideia nesse caso. Basta dizer que a sociedade, em si mesma, produz calor, seja lá como ela queira se organizar. Basta juntar pessoas para que a temperatura ambiente fique mais alta. E o iceberg, claro, derrete.
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O problema é que a gente inventou um jeito especialmente quente de ficarmos juntos, uma engrenagem social que faz um calor dos diabos, daqueles que a gente fica suando sem parar. Uma calefação, que tal?
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Isso aí, cercamos o nosso mundo (e o iceberg) com uma calefação desgraçada, que está ligada há muito tempo e que ninguém sabe, ou se lembra, ou se importa em saber como desligar. E se a gente acaba ensopando de suor, imagina o quanto que o iceberg não derrete nesse caso?
Antes, quando o iceberg não derretia tão rápido, a gente tinha inventado algumas formas, mais ou menos eficientes, de enxugá-lo. Ele nunca ficava totalmente seco, claro?—?mas a gente dava jeito de evitar que o chão ficasse encharcado, pelo menos. Jogava umas toalhas no chão, colocava uns avisos de piso escorregadio, cercava algumas áreas mais críticas e, bem ou mal, dava para ir levando.
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Só que o calor da nossa calefação maluca fez com que nossas antigas estratégias não deem mais conta de tanto gelo derretendo. Tá tudo úmido, escorregando, fazendo poças d’água, um horror. Daqui a pouco ninguém mais fica seco nessa vida. Aí, o que a gente faz?
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Convocamos enormes tropas de enxugadores de gelo, é claro!
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Milhares e milhares, ou melhor dizendo, milhões de enxugadores munidos de toalhas bem felpudas e altamente absorventes. Mostramos o problema, damos coordenadas, é melhor atacar o iceberg nesse ponto e tal. E lá vão eles, bravos e determinados, enxugar o iceberg que derrete mais e mais. De início, até parece que vai dar certo. Todos sorriem, aliviados, protegidos e relativamente secos.
O problema é que, como sabemos, o gelo nunca vai parar de derreter. E logo as tropas começam a perder a batalha?—?o que aumenta, em consequência, nossa urgência em enxugar o iceberg.
Antes, a gente treinava bem esses nobres soldados enxugadores; agora é água demais, gelo molhado demais, só dá tempo de jogar a toalha na mão dos recrutas e gritar vai lá, ser enxugador de gelo na vida. Alguns são determinados até demais, enxugam gelo com tanta fúria que acabam rasgando as toalhas, machucando pessoas em sua volta. Outros até tentam manter a calma, passar a toalha no iceberg do jeito e no ritmo que foram ensinados no treinamento. Nenhum deles tem muito sucesso. Eles enxugam, jogam longe as toalhas encharcadas e pegam novas toalhas secas sem parar.
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O iceberg, sendo o iceberg que é, segue derretendo. E o que a gente faz? Ficamos na ponta da sala, berrando: enxuguem mais! Mais rápido! Não tenham piedade do iceberg! Ninguém aguenta mais tanta água!
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Não ocorre a ninguém que a calefação, tão bonita e que nos manteve tão quentinhos em alguns meses mais frios, possa ser o problema.
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Desligar a calefação, então, nem se cogita. Alguns talvez até tenham cogitado, para falar a verdade, mas a ideia parece tão complexa e absurda que acabamos mandando esses desgarrados calarem a boca. Quem não enxuga que não atrapalhe, gritamos. Falar é fácil, quero ver segurar a toalha lá na frente!
Nesse cenário de pesadelo, onde o iceberg já começa a cair em pedaços e logo afogará todos nós com seu degelo, apenas um grupo de pessoas está se dando bem: os vendedores de toalhas. Esses aí estão bem felizes, ricos, poderosos e bem considerados pela sociedade tão assustada, tão dependente de toalhas para enxugar o iceberg sem fim. Se você prestar atenção, de vez em quando verá os vendedores de toalhas segurando seus megafones, subindo no ponto mais alto desse mundo de conto de fadas e gritando: o gelo está derretendo, pessoal. Alguém precisa fazer alguma coisa. Enxuguem mais, que tá pouco.
Em um vídeo que vazou na semana passada, o jornalista William Waack condenou determinado comportamento como “coisa de preto”, se referindo à toda a comunidade negra com um desprezo que se nota também em seus olhos, na expressão corporal. Ele foi afastado de suas funções pela Rede Globo e o episódio provocou, em um primeiro momento, a esperada e adequada indignação. Mas os defensores não demoraram a aparecer, alegando que era uma frase fora de contexto, que foi um comentário inocente fora do ar, que ele é o melhor jornalista do mundo – como se isso fosse relevante diante de um caso como esse. Ouviu-se, inclusive, que ele estava sendo perseguidos por abjetos da patrulha do politicamente correto. Que era coisa de esquerdopata. Enfim, que não era racismo.
Acontece que a frase não é aleatória e, assim como as defesas, revela muito sobre a forma como nossa sociedade é construída.
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O que William Waack disse não é deslize, é racismo
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É o mais cristalino reflexo de uma estrutura elitista e branca que invisibiliza os negros como ruídos de segunda categoria. O que William Waack disse também não é piada. É o que pensam aqueles que acreditam estar na Casa Grande, acima daqueles que consideram estorvos se não estão a seu serviço.
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E defender o que William Waack disse não é solidariedade, é dissimular o fato de que os brancos são o problema
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A onipresença do racismo
Eu nasci em uma cidade colonizada por italianos no interior do Rio Grande do Sul. Sou branca, assim como 99,9% da população de Paraí. Ouvi que algo era “coisa de preto” ainda quando criança. Não entendi o sentido, mesmo assim, em algum momento, reproduzi a frase em casa. Imediatamente meus pais conversaram comigo sobre o problema do preconceito, lembrando inclusive que tenho dois primos negros. E somente no momento daquela conversa percebi o que aquilo realmente significava. Mas não parou por aí, a cantilena se renova com o passar dos anos, frequentemente resumida a um “nigri, pó”. Uma expressão que simplesmente explica um erro com a palavra “negro” em italiano. E eu continuei testemunhando coisas do tipo em Porto Alegre, na faculdade, no trabalho, fora do Rio Grande do Sul, no exterior.
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Sempre contado como piada, como algo engraçado
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Isso mostra, mesmo que superficialmente, que as palavras de Waack não foram aleatórias. São parte de uma estrutura muito maior que, historicamente, oprime os negros no Brasil. Como disse Juremir Machado da Silva de maneira brilhante no espaço que ocupa no Correio do Povo, “o imaginário de William Waack vazou”. E com ele vazou o imaginário do branco brasileiro. Afinal de contas, o racismo também se encontra no silêncio. Paulo Sotero, interlocutor de William Waack no momento do comentário, foi cúmplice. Riu. Ajudou a perpetuar um estereótipo vil.
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E essa engrenagem cruel não vai parar a menos que cada um de nós reconheça o seu papel nessa estrutura pérfida e assuma que racismo é coisa de branco
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Com esse episódio, revisitei minha história apenas para concluir, dolorosamente, que eu faço parte dessa estrutura e que já me beneficiei dela inúmeras vezes. Não mais. Já passou da hora de o brasileiro admitir a existência do racismo e a sordidez da origem desse preconceito – assim como já passou da hora de fazer alguma coisa para mudar essa realidade. Afinal, não são os brancos desconfortáveis com o flagra que precisam ser respeitados.
O Justificando convidou a mestre em Filosofia Djamila Ribeiro para falar sobre o caso de William Waack. A autora do livro “O Que é Lugar de Fala” alerta para a importância de se refletir de maneira crítica sobre o racismo estrutural no Brasil, especialmente os brancos. Ela ressalta que é fundamental compreender que o “racismo é um sistema de opressão que nega direitos à população negra”.
Eu amo meus filhos. Mesmo. Mais que tudo. Bem clichê. Bem lugar comum. Sabe aquelas frases que todo mundo fala sobre os filhos? Que são a melhor coisa do mundo. Que não imagina a vida sem eles, é bem assim mesmo. Comercial de margarina. Só que hoje…
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Foi um tal de mãe, mãe, mamãe, mãe… me deu vontade de enfiar uma bolacha na boca de um e sentar o outro na frente da TV
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Nossa, que dia! Trabalhei no fim de semana, estamos nos recuperando de um mês de tosses por aqui, tive que planejar o trabalho do próximo fim de semana, alinhar equipe, pensar num cardápio saudável pra semana, pensar num jeito de fugir pra pelo menos um café com o marido. E cada tarefa sendo interrompida por pelo menos 7 ou 8 chamados de mamãe!
Sabe quando tu acha que vai explodir? Daí vem a gata (sim, eu tava achando pouco ter só dois filhos e resolvi dar a gata que eles tanto queriam) e derruba TODA a caixa de lego. E quando me preparo pra ter o maior chilique da história, meu filho menor me diz: mamãe, tu tá provocando a gata!
Não consigo não rir de mim, de nós, da gata é daqueles benditos legos pelo chão. Sim, tem dias que em que a vida é um imenso pisar em peças de Lego.
Comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (07), o texto da PEC 181/2015, que proíbe o aborto em qualquer circunstância. O texto impede a interrupção da gravidez inclusive em casos de estupro ou risco de morte para a mãe, duas situações previstas na legislação brasileira. O grupo era formado por 18 homens e apenas uma mulher, que deu o único voto contrário.
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18 homens decidiram sozinhos o que 105 milhões de mulheres devem fazer com seus corpos
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A sessão durou quase quatro horas, mas tinha seu destino traçado como a crônica de uma morte anunciada. A comissão especial era formada por 28 deputados. Destes, 21 homens e três mulheres eram publicamente contrários à legalização do aborto antes mesmo de começarem os trabalhos do grupo. Como se não bastasse, todos os especialistas ouvidos pelos deputados (em somente três audiências públicas) também eram contrários à descriminalização da prática.
Com essa pequena amostra, percebe-se que vivemos em uma democracia em que 513 deputados são eleitos para representar os 203,2 milhões de brasileiros, mas sofremos de dois sérios problemas de legitimidade.
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PROBLEMA 1
Apesar de a maioria da população ser formada por mulheres (51,6%), segundo o IBGE, nós ocupamos apenas 10% das cadeiras da Câmara dos Deputados. Isso significa que nós não temos a devida representação quando se trata de discutir qualquer tema que tenha relação com nossa existência feminina. E mesmo nos espaços em que esse percentual pode ser aumentado, como em comissões especiais, não há nenhum movimento de correção. E esse caso é exemplo de cartilha.
PROBLEMA 2
A religião passa a ditar as regras em um Estado laico. A decisão de proibir o aborto em casos de violência sexual não está baseada em conhecimento científico ou debates de ordem ética e moral, todos bem-vindos. Ela está centrada única e exclusivamente em uma crença religiosa, neste caso, majoritariamente evangélica.
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Vemos a reprodução de centenários e hipócritas padrões coloniais, em que o aborto clandestino serve para esconder deslizes dos senhores mas é um pecado diante do seu Deus
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Cavalo de Tróia
A PEC 181/2011 tem sido chamada de Cavalo de Troia porque, originalmente, o texto de autoria do senador Aécio Neves (PSDB-MG) tratava apenas da ampliação de direitos trabalhistas, como o aumento da licença-maternidade para mulheres com filhos prematuros. Mas em uma manobra digna dos gregos, a bancada religiosa da Câmara assumiu o protagonismo da discussão quando pressionou o presidente da casa, Rodrigo Maia, a instalar uma comissão para discutir a interrupção da gravidez. Isso logo após o Supremo Tribunal Federal (STF) descriminalizar o aborto no primeiro trimestre, algo que irritou profundamente as alas mais conservadoras do Congresso.
Assim, o deputado Tadeu Mudalen (DEM-SP) aproveitou o momento para incluir a expressão “desde a concepção” em dois artigos da Constituição. Ou seja, ele estabelece que o princípio da dignidade da pessoa humana e garantia de inviolabilidade do direito à vida devem ser respeitados “desde a concepção”, no momento em que o óvulo é fecundado pelo espermatozoide. Em entrevista à Rede Globo, o parlamentar não fez questão de dissimular e foi bastante claro quanto à intenção. “Essas duas palavras que colocamos é pra garantir a vida e porque somos contra o aborto”, explicou.
Com a alteração, os artigos 1º e 5º ficam com a seguinte redação:
Portanto, na prática, a interrupção da gravidez fica inviabilizada sob qualquer circunstância.
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Retirada de direitos
O que aconteceu ontem no Congresso não está em dissonância com o atual momento pelo qual o Brasil passa. É um reflexo quase óbvio do momento de intolerância pelo qual passamos. E não estou me referindo ao fato de haver parlamentares contra o aborto ou contra a legalização da prática – que são coisas diferentes, diga-se de passagem. O reflexo da intolerância é a falta de debate sério, a escassez de discussões produtivas, embasadas, intelectualmente honestas. O reflexo da intolerância é tratar o fanatismo como fato científico e base legislativa.
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E o resultado dessa mixórdia de religião, machismo e desonestidade é a retirada de direitos conquistados há mais de 70 anos
O Código Penal brasileiro garante o aborto em caso de violência sexual ou risco à saúde da mãe desde 1940
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Esse tipo de movimento legislativo torna-se, portanto, um retrocesso literal; temporal e simbólico. Em que as mulheres sequer tem o direito à voz para que possam decidir sobre seu futuro e seu próprio corpo justamente em um momento em que os números sobre o aborto no Brasil são alarmantes.
Estima-se que uma em cada cinco mulheres já fez pelo menos um aborto antes dos 40 anos. Os números são da Pesquisa Nacional do Aborto, do Instituto Anis. Com isso, são realizados mais de um milhão de procedimentos ilegais e, em geral, inseguros por ano no Brasil. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), uma mulher morre a cada dois dias por complicações decorrentes do aborto ilegal.
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Aborto é uma questão de saúde pública
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Não me revolto com o resultado em si, afinal, tenho consciência de que nem todas as mulheres concordam com minhas opiniões e elas também precisam ser representadas. Eu inclusive não me revoltaria com a aprovação dessa PEC se ela tivesse sido discutida à exaustão, se tivesse havido equilíbrio de opiniões na comissão, se especialistas de ambos os lados tivessem sido ouvidos e, principalmente, se as mulheres tivessem decidido. Mas nada disso aconteceu. Então eu me revolto com o que nos foi negado.
E os 18 homens que negaram voz a 105 milhões de mulheres são estes:
Gilberto Nascimento (PSC-SP)
Leonardo Quintão (PMDB-MG)
Givaldo Carimbão (PHS-AL)
Mauro Pereira (PMDB-RS)
Alan Rick (DEM-AC)
Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ)
Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP)
Marcos Soares (DEM-RJ)
Pastor Eurico (PHS-PE)
Antônio Jácome (PODE-RN)
João Campos (PRB-GO)
Paulo Freire (PR-SP)
Jefferson Campos (PSD-SP)
Joaquim Passarinho (PSD-PA)
Eros Biondini (PROS-MG)
Flavinho (PSB-SP)
Evandro Gussi (PV-SP)
Diego Garcia (PHS-PR)
E deputada Érika Kokay (PT-DF), única mulher da votação, votou contra. Agora, a Proposta de Emenda Constitucional segue para o plenário da casa e deve ser apreciada em dois turnos. Ainda há tempo de reverter e ampliar o debate. Infelizmente, ainda seremos apenas 10% das vozes da Câmara. Ainda assim, serão homens a decidir nosso destino.
Para Marchezan, transporte público é despesa. Ele está errado
Igor Natusch
8 de novembro de 2017
Porto Alegre, RS 06/11/2017
Reunião com líderes dos taxistas
Fotos: Cesar Lopes/ PMPA
Segundo o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior, a Carris está com os dias contados. O termo foi usado por ele em uma entrevista à Rádio Guaíba e reproduzido pelo Jornal do Comércio. Para ele, ter R$ 60 milhões anuais com a empresa pública de ônibus da cidade é uma “despesa” que não se justifica, e que poderia ser repassada para áreas prioritárias, como saúde e educação. “Se vai ser privatização, extinção, licitação das linhas…”, lista Marchezan, mencionando alternativas que, todas elas, entregariam completamente a exploração e/ou fornecimento do serviço à iniciativa privada.
Evidente que o prefeito tem a prerrogativa de ver a administração da máquina pública como quiser. Se ele acha que o melhor caminho é entregar o máximo possível a empresários ligados ao setor, cabe a ele fazer o debate e defender sua leitura. Eu não concordo com ele, mas isso nem vem (tanto) ao caso.
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O que realmente incomoda, aqui, é tratar o dinheiro colocado na Carris como “despesa”
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Como assim, despesa? Pelo menos desde 2015, o transporte coletivo é reconhecido pela União, em forma de emenda constitucional, como direito social – igualado, inclusive, à saúde e educação que Marchezan menciona como áreas que supostamente têm menos dinheiro a partir da “despesa” com a Carris. Não é como se o município estivesse sangrando dinheiro em algo irrelevante, em peças publicitárias ou algo assim: ele está subsidiando o cumprimento adequado de um direito social. Investir em saúde, educação ou segurança não é queimar dinheiro – e, da mesma forma, colocar grana em transporte coletivo de qualidade também não é, como várias das cidades de melhores índices do mundo podem demonstrar.
Há mais. Qualquer consulta à população será capaz de comprovar que o serviço prestado pela Carris é visto como o mais qualificado em toda Porto Alegre. São os ônibus em melhores condições e os que cumprem com maior rigidez os horários. Além disso, atendem rotas consideradas importantes dentro do (escasso) planejamento de mobilidade urbana da cidade, e que as demais concessionárias hesitam ou recusam-se a atender, por não considerarem capazes de gerar a margem de lucro desejada.
A Carris serve tanto as rotas circulares no Centro estendido, que ajudam a desafogar o trânsito na região, quanto as linhas transversais que atravessam a cidade de ponta a ponta e ajudam multidões a ir e voltar com apenas uma passagem, todos os dias. A “despesa”, no caso, permite manter itinerários que ajudam a manter algum equilíbrio em todo o sistema, com um padrão de qualidade que deveria servir de padrão para as operadoras privadas – o que não é de modo algum o caso, como qualquer um que usa ônibus em Porto Alegre poderá facilmente constatar.
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Marchezan, ao que parece, não consegue conciliar-se com a ideia de que o transporte público é um direito básico do cidadão, não um cano quebrado vazando dinheiro dos cofres públicos
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Assinou texto extinguindo a segunda passagem gratuita – usada, como a lógica nos diz, pelos que moram mais distantes e mais precisam do transporte público, muitas vezes sem dispor de recursos para um deslocamento diário à região central. Para tal, passou por cima até da legalidade, pois o desconto estava previsto na licitação para explorar o serviço, e retirar o benefício seria dar um desconto às empresas, sem reverter em melhoria alguma ao usuário (ao contrário, aliás). Fala em retirar isenções de idosos e aumentar a vida útil dos veículos, além de limitar o acesso à meia passagem estudantil – propostas que buscam não a diminuição da tarifa, mas que ela “aumente menos” no próximo ano.
É um pensamento que enxerga no transporte coletivo despesas, números e cifrões, não pessoas que precisam se deslocar todos os dias para o trabalho, a aula ou mesmo para o lazer
As pessoas precisam ir e voltar. Não seria desejável para a saúde do trânsito, mesmo que isso fosse financeiramente possível, que todas o façam com veículos particulares – logo, é fundamental que tenhamos um serviço de ônibus que funcione, que tenha padrões de qualidade, que atenda o trabalhador que sai da periferia cedo de manhã e também o estudante que termina a aula na faculdade e vai encontrar amigos em um bar. As pessoas precisam disso tanto quanto precisam de professores bem remunerados e de postos de saúde em boas condições, porque (e isso Marchezan não parece entender) as pessoas não podem ausentar-se da cidade. Nem que quisessem.
Não é despesa, prefeito. É investimento na cidade e na população. E está entre os mais importantes investimentos que o senhor, como gestor público, pode fazer. Sugiro que essa determinação de acabar com a Carris seja repensada, pelo bem do povo que o elegeu.
Fizemos nossa primeira festa do pijama. Um encontro de amigos. Amigos de várias idades. Eles estavam exultantes. Mas duvido que alguém tenha aproveitado mais que eu!
Planejamos bastante. Cardápio, atividades, logística. Detalhe do detalhe. As crianças se conheciam. Alguns mais, outros menos. Um dos pais levou uma barraca imensa, daquelas de acampamento de verdade! Pronto, barraca ocupando uma sala inteira, sorriso ocupando meu rosto inteiro. E as crianças… nossa, euforia completa!
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Teve caça ao tesouro. Filme no projetor. Lanche gostoso. Bagunça generalizada. Felicidade irrestrita
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Me peguei vendo um a um dormir. Um gosta de dormir com um pouco de luz. Outro quer história. Outra quer música. Outra não quer dormir (e é mesmo a última a se entregar). Tão pequenos, tão lindos, tão decididos. Tão entregues a nós!
Fiquei pensando na confiança que esses pais tiveram em deixá-los conosco. Que linda experiência. Uma amizade selada, ainda mais confirmada. Não dormi mais que 35 minutos seguidos. E mês que vem quero outra!
Lula e Bolsonaro estão distantes. A quem interessa colocá-los como iguais?
Igor Natusch
1 de novembro de 2017
Brasília - Eduardo Bolsonaro, e o pai, Jair Bolsonaro após o Conselho de Ética da Câmara arquivar duas representações (12/17 e 13/17) contra o deputado por quebra do decoro (Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agencia Brasil)
A mais recente pesquisa Ibope pintou um quadro favorável ao ex-presidente Lula. Líder em todos os cenários, o petista parece não sofrer grande desgaste junto a seu eleitorado cativo e até mesmo ganha gordura nesse momento desnorteante que vive a política brasileira. Na estimulada, tem 35% das intenções de voto, contra 13% do pré-candidato mais próximo, Jair Bolsonaro; na espontânea, de valor ainda mais acentuado nesse momento em que não há campanha eleitoral declarada, o resultado sorri ainda mais para o barbudo, com 26% dos consultados citando seu nome, quase o triplo dos 9% que citam Bolsonaro.
Cresce no imaginário do eleitorado a ideia de que temos dois extremos. À direita, como sabemos, surge o discurso odioso e tóxico de Bolsonaro; no córner esquerdo, o combatente é Lula. Mesmo que a pesquisa Ibope aponte o ex-presidente muito à frente do deputado, sinal claro de que não há, no momento, um embate cabeça a cabeça entre ambos.
Porque nos falam, então, de um confronto direto que os números não mostram?
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Embora o discurso do pré-candidato petista oscile entre promessas vagas de democratização da mídia e afagos surpreendentes naqueles que tiraram Dilma Rousseff do poder, materializar nele um dos extremos do rompimento político que vivemos é interessante para alguns setores. Para ele próprio, que vende a si mesmo como única chance de evitar a tragédia de um governo de extrema-direita; para Bolsonaro, que também se beneficia desse maniqueísmo nós-contra-eles; mas acima de tudo para quem quer emplacar uma terceira via, um candidato pacificador que não é radical nem por um lado, nem pelo outro. Uma opção de centro, mesmo que ela não seja tão centrista assim.
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Há uma desonestidade flagrante nessa construção de antagonismos
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Amando ou detestando Lula e sua visão de política, ninguém poderá negar que foi presidente de medidas significativas, cujos reflexos durarão ainda por muito tempo. É figura que já demonstrou grande capacidade de articulação, ainda recebe grande respeito internacional e, de qualquer modo, tem o triplo de intenções de voto de seu suposto antagonista. Bolsonaro, por sua vez, é um deputado federal de contribuição no máximo medíocre, com pouquíssimos projetos e que só se destaca pela desenvoltura com que vocifera discursos de ódio. Sua tentativa de se tornar mais palatável em uma viagem aos EUA foi um fracasso, e suas tentativas canhestras de aprofundar o discurso – como nas citações cheias de chutes e equívocos sobre o nióbio, antigo delírio dos ultranacionalistas – seriam cômicas, não indicassem profunda tragédia caso um despreparado desse quilate alcance mesmo a Presidência do Brasil.
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Bolsonaro, além de ser uma figura rasteira, ainda é uma incógnita do ponto de vista eleitoral
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No retrato de momento (que pode mudar, evidentemente, mas que no momento assim se materializa), está bem atrás de um Lula que não dá sinais de desgaste em seu carisma. Sem o petista, o Ibope indica um empate absoluto entre Bolsonaro e Marina Silva – ou seja, a confiar no levantamento, nem em um cenário teoricamente mais favorável o deputado se destaca na multidão. Alçado à condição de atual nome forte na batalha contra tudo de supostamente horrível que a esquerda traz em si, Bolsonaro ganha um protagonismo superior ao indicado por sua intenção atual de voto. E não precisa ser gênio para perceber que o potencial de criar um círculo vicioso a partir daí não é nada desprezível.
Se a aposta de certos setores é cindir o cenário político como quem separa o Mar Vermelho e, no corredor criado, lançar o suposto pacificador da vez (seja Dória, Huck, Alckmin ou qualquer outro), podemos dizer que é uma aposta de risco considerável.
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Talvez a única coisa que aproxime de fato Lula e Bolsonaro seja estarem simbolicamente do lado de fora da política atual, um por ser outsider, outro por ser perseguido por ela
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Para que esse mesmo núcleo político, tão rejeitado, consiga vender um de seus apadrinhados como opção razoável em um cenário de tempestade, vai precisar conjurar essa mesma aula de distanciamento – o que será, ao mesmo tempo, um esforço de mago e de camaleão. Não é inviável, mas não é fácil.
Enquanto isso, para vender a imagem de que Lula é batível tanto como candidato quanto – e talvez principalmente – como entidade, vamos legitimando alguém que traz um discurso venenoso capaz de inviabilizar de vez qualquer tipo de saúde política no país. Pelo jeito, a tempestade não é mesmo para chegar ao fim.