Hoje saímos de férias. Trabalhos encaminhados, providências tomadas, tudo organizado. Malas prontas, filhos banhados e alimentados. Tudo certo. Já na porta, resolvo dar o último carinho pra gata. Tem água, comida. Mais um carinho. Vai ter gente pra cuidar dela. Mas não seremos nós. Tô nessas divagações, uma lagriminha quase caindo. Ouço um murmúrio que evolui rapidamente pra um dos prantos mais sofridos que já ouvi:
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Vou sentir saudades da Titaaaaaaaaaaa… A seguir, outra voz dilacerada se soma: vou sentir saudades da Titaaaaaaaaaaaaa! Os dois meninos se olham, olham pra gata que já havia pressentido o que estava por vir e, ao mesmo tempo: vou sentir saudades da Tiiiiiiitaaaaaaaaa!
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Ficamos, meu marido e eu, explicando que estava tudo bem, que ela seria bem cuidada. O choro continua cada vez mais forte. Muito mais forte e mais sentido. Lembrei dos meus bichinhos de estimação da infância. Era um amor imenso. A morte deles era algo dilacerante.
Hoje meus filhotes se deram conta da dor da separação. Tão com os olhinhos inchados e num funga-funga de dar dó. Me impressionei com o quanto ficaram sentidos. Achei bonito o carinho e respeito que tiveram pela gata. Eles vão sentir saudades da Titaaaaaaaa. Eu também.
No julgamento de Lula, temos um vencedor: o próprio Lula
Igor Natusch
24 de janeiro de 2018
Escrevo na noite anterior ao julgamento em segunda instância do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, realizado no TRF-4, em Porto Alegre. Não sei, portanto, qual foi a decisão dos três desembargadores – embora, neste momento, pouca ou nenhuma dúvida haja de que Lula será condenado. É o cenário, e muito dificilmente cenários urdidos durante tanto tempo se desfazem assim, em questão de poucas horas.
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Mesmo assim há algo que, penso eu, pode ser dito com bastante segurança, sem muito medo de errar: em sua estratégia, Lula venceu
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Mesmo que seja efetivamente declarado culpado. Mesmo que fique de fato inelegível, não podendo concorrer (e muito possivelmente vencer) em outubro deste ano. Mesmo que acabe atrás das grades, símbolo final de um discurso que atribui ao governo petista nível nunca antes vistos de corrupção e crime organizado. Ou, quem sabe, seja justamente a partir desses elementos que a vitória do discurso de Lula, já garantida, se tornará ainda mais definitiva
Desde o impeachment de Dilma Rousseff, e até antes disso, tudo tem se tratado de um confronto entre narrativas. A que retrata a ex-presidente Dilma como uma injustiçada, pessoa íntegra condenada por criminosos sem ter cometido crime algum, teve considerável sucesso – mas nem se compara ao enredo em torno de Lula, herói dos pobres brasileiros, caçado pelos poderosos e corruptos de sempre e que agora armam para neutralizá-lo, enquanto se atropelam para destruir o legado que o bom homem deixou. Defendê-lo, injustiçado que é, torna-se algo além de sua própria figura, embora sem nunca apagá-la: agora, trata-se de defender a própria democracia brasileira, assaltada por gananciosos e perversos em um grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo.
Foi uma construção insistente, desgastante até em certos momentos, erguida a partir de uma disposição inabalável e do poder inegável de uma oratória singular. Pouco importa nosso grau de adesão a essa narrativa: o fato é que ela foi bem-sucedida. Colou. E muito.
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Não são poucos os que verão justiça, total ou parcial, na condenação pelo TRF-4. Mas é quase inescapável a sensação coletiva de que Lula não teve um julgamento justo, de que no mínimo gente muito pior conspirou contra ele e continua aí, livre e sem medo de punição
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Uma pessoa que se crê presa injustamente, mesmo atrás das grades, não se vê manchada pelo veredito. Ao contrário: no olhar de fora, são os algozes que ficam marcados pela injustiça cometida
Todos sabem disso, inclusive – e talvez especialmente – seus oponentes políticos. Se temos visto diferentes adversários de Lula – de Michel Temer a João Dória, passando por Fernando Henrique Cardoso – dizendo que seria melhor Lula passar pelo dito julgamento das urnas, sem perder seus direitos políticos, certamente não é por caridade, muito menos por convicção. Na verdade, esse cálculo não faz muito esforço para esconder seu principal subtexto: ninguém quer pagar a conta de ser associado a um eventual impedimento do ex-presidente.
Tendo iniciado de fato sua campanha há mais de seis meses, liderando com folga em todos as pesquisas, o barbudo conseguiu transformar em problema não só a sua candidatura, mas também (e talvez mais ainda) as consequências de acabar com dela. Sem ele, ninguém sabe exatamente para onde esses votos possam ir – mas certamente não irão para quem é visto pelos seus eleitores como responsável por essa interdição. A bravata de que Lula pode ser derrotado no voto, mais que aposta, torna-se forma de negar que haja motivos para impedi-lo de candidatar-se.
O que temos, então, é uma ala contrária prestes a obter uma grande vitória, mas que se recusa a erguer a taça de seu triunfo. Enquanto o suposto derrotado discursa para mais de 50 mil pessoas às vésperas de sua suposta ruína, os guerreiros de verde e amarelo que inundaram as ruas contra Dilma agora contam-se nos dedos da mão. Alguém acha mesmo que, uma vez declarado culpado, Lula cairá imediatamente em vergonha pública, que cuspirão nele nas ruas, que todos o verão como corrupto e malfeitor?
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É claro que não.
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Se escapar da sentença, vira milagreiro e avança de forma quase irresistível para o triunfo nas urnas. Se for condenado, vira mártir, sem perder quase nada da imagem pública que agora ostenta. Mesmo perdendo, não sai derrotado. E a prisão do ex-presidente, que o lado oposto tentava vender como golpe final no maior esquema de corrupção que o País já viu, não ostenta mais boa parte de seu apelo inicial – esvaziando, nesse processo, a própria narrativa que a sustenta
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Essa vitória é poderosíssima, e frisá-la nunca será demais. Lula, uma vez mais, reafirma-se como gênio das massas e uma das figuras mais importantes da história política do Brasil – desta vez, em um cenário hostil como poucas vezes alguém terá enfrentado, seja aqui ou em qualquer outro lugar. Não é preciso gostar dele (ou desejá-lo presidente no ano que vem) para reconhecê-lo.
Fomos assistir ao novo filme do Touro Ferdinando na semana passada. Fomos em família. Cléber, os sobrinhos Tom e Benjamin e eu. O clima era de sangue doce e diversão, com os pequenos pedindo chocolate antes de o filme começar e os tios cedendo, estragando as crianças como deve ser. Eu estava empolgada, sempre gostei daquele bovino com grandes cílios e cara querida, que parava para cheirar as flores e se recusava a seguir a natureza taurina da boa briga.
Ferdinando é um touro gigante que vive na Espanha e, diferente de todos os outros de sua espécie, não tem o desejo de participar de touradas. Prefere viver em paz com a natureza, feliz em meio às flores.
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Não se trata de medo, ele simplesmente não entende o apelo da briga, não compreende a razão pela qual deva bater cabeça com outros touros e toureiros. Sem motivo algum
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A história foi escrita em 1936 pelo autor americano Munro Leaf a pedido do ilustrador Robert Lawson. Em 1938, a Disney adaptou o romance para o curta Ferdinand the Bull, que rendeu o Oscar aos estúdios e doces lembranças a quem assistiu.
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O filme novo é diferente. Ferdinando é maior, mais imponente. Já não pisca com longos cílios. Mas é uma superprodução, obviamente mais elaborada do que o curta de 80 anos atrás pelas facilidades tecnológicas do século 21. Além de ser muito divertido. Eu tive ataques de riso com os ouriços dançando macarena e os cavalos alemães trotando provocadores, efeminados e malvados. Mas quando a sessão terminou, não foi isso que ficou comigo. Eu só conseguia pensar em um diálogo específico que Ferdinando trava com a cabra Lupe. É mais ou menos assim:
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Ferdinando: Eles todos me odeiam
Lupe: É, eles TE odeiam, ME odeiam, SE odeiam. É muito ódio. Esmaga sua alma se você se permite pensar sobre o assunto.
E não é que esmaga, mesmo
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Desde que saí do cinema, não paro de pensar sobre quão melhor seria o mundo se a gente simplesmente deixasse de odiar. É tanto ódio por nada. Ódio por futebol, ódio por partido político, ódio pela cor da pele, ódio pelo gênero, ódio por quem troca de gênero, ódio pela roupa, ódio pelo lugar em que vive, ódio pelo lugar em que os outros vivem. É muito ódio. Esmaga sua alma se você se permite pensar sobre o assunto.
Dói pensar que a nossa sociedade foi construída sobre um alicerce tão virulento, de intolerância e violência. E a história de Ferdinando é prova disso. Não me refiro ao enredo do romance, mas à história da publicação. No período em que o livro foi lançado, aliados do ditador espanhol Francisco Franco classificaram a obra como pacifista. Veja bem, não era um elogio, era um crime. Tanto que o livro foi proibido em muito países cujos regimes eram fascistas. Também por isso, a história de Ferdinando foi classificada como propaganda esquerdista.
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É tão irônico quanto trágico. Uma história que promove a paz é motivo para guerra. E olha que estamos falando de um tempo em que não havia redes sociais
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Mas ignoremos a política e tratemos de bom senso. O Touro Ferdinando pode salvar a humanidade. Se a humanidade quiser. O manual já está escrito, basta sentar no meio da arena e cheirar as flores em vez de empunhar a espada e fazer sangrar.
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*O Touro Ferdinando é um filme da Blue Sky Studios dirigido por Carlos Saldanha, o diretor de “Rio”. É inspirado no livro “A História de Ferdinando”, de Munro Leaf e Robert Lawson.
Tem dias que a gente quer que não existam. Tem dias que a gente pensa que noutro dia vamos rir disso tudo. E tem dias em que chega mesmo o dia de rir do que passou!
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Resumo do dia 31/12/2017
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Nosso filho mais novo amanheceu com o olho inchado e picadas de mosquito na perna. Imaginamos que o olho deva ter tido uma reação alérgica. Tinha comprado espumante. Dia de folga, fomos na feira, bicicleta, almoço fora. Voltamos e coloquei o espumante pra gelar. A ideia era ir no super e beber na volta. No caminho, ponderei que não era bom beber, caso o olho piorasse… num impulso, resolvemos reorganizar a casa:
O nosso quarto virou dos guris. O que era do menor, sala de tv. O do maior, o nosso. O escritório, quarto de brinquedos. Cozinha e banheiro continuaram eles mesmos. No meio disso tudo, pensei, “ah, tá tudo bem!” Espumante aberto, só que congelado. Começou a vazar por tudo. Meu marido serviu 3 taças de vez. Ele não tomou nenhuma. Nisso foi quase meia garrafa. Aí o olho inchou. Resolvemos ir no Banco de olhos. Espumante ficou aberto. Banco de olhos cheio, muito tempo de espera.
Muito cheio. Postei num grupo de mães do facebook (obrigada, mulherada!!!) um pedido de socorro e todo mundo relatou casos parecidos. Fomos pra casa, pediatra disse que tá tudo bem. Dê-lhe homeopatia. Tinha brinquedo que não tinha dado no natal, evitando o consumismo exagerado. Dei hoje.
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Não tem coisa melhor pra acabar com posição ideológica que filho doente…
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Todas as peças da casa bagunçadas. Muito bagunçadas. Organizamos o quarto dos guris e o nosso. Lugar pra dormir e espaço pra pisar. Ficou ótimo. Dei um jeito na cozinha. O esqueleto da casa tá semi-estruturado. Os dois quartos mais bagunçados tiveram as portas fechadas. Talvez pra sempre. Guris no banho, aproveito pra dar mais uma arrumada. Dormiram. Marido fazendo um jantar. Fui pro banho. Lembrei do meio espumante. Tinha posto no congelador. Explodiu quase todo em mim. Banho de espumante, novo banho de chuveiro. Sentada agora no sofá, a taça restante de espumante comigo. Jantar pronto. Feliz ano novo!
Eu nunca tomo remédio. Nunca. Semana passada, ao acordar, chamei meu marido e, ainda deitada, implorei por um remédio para dor de cabeça. Ele trouxe um, eu queria 30. Realmente estava além do suportável. Isso foi só o dia começando. Dor no corpo, mal-estar, aquela função toda. Vontade de ficar deitada e sumir um pouco.
. Ouço vozes: mamãe, vamos brincar? Dois filhos sorrindo, aquele sorriso incomparável, irresistível E a mãe sem força
E como a gente faz?
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Não tem o que fazer. A gente cria forças, levanta e brinca. Poucas vezes fiquei doente a ponto de não dar conta de levantar e ser mãe. A sensação é tão ruim, tão ruim, pior que tomar suco de jenipapo. Deveríamos ter super poderes. É o desejo de toda mãe, ao ver o filho doente, que fosse ela no lugar dele. Mas já pensou se fôssemos atendidas nesse pedido? Não dá, realmente não dá.
Só sei que, nesse dia, virei paciente e fui cuidada por dois médicos. Os melhores. Quando voltou do trabalho, mais cedo que o normal para socorrer uma moribunda, meu marido perguntou como eu estava.
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Nosso filho mais novo respondeu: a mamãe não pode falar, ela tá muito fraca
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Ali relaxei, fiquei fraca e pude descansar. Por 30 minutos, pois os médicos queriam continuar o trabalho deles.
Os protestos contra as “fake news” foram muitos, além de uma verdadeira corrente-para-frente de passadores de pano. Mas, parafraseando os próprios apoiadores de Bolsonaro, eu diria: é melhor Jair se acostumando. Porque não é nada difícil prever que a carga sobre ele está só começando, e tende a ficar ainda mais cerrada daqui para frente
Entre tantas outras coisas, política é questão de timing – e isso vale tanto para o momento de tomar posição no cenário quanto, eventualmente, para atacar. Desde o fim do ano passado já é claro que setor significativo do poder financeiro e da mídia não quer Bolsonaro, desenhando o pré-candidato como um dos extremos a combater (o outro sendo Lula). Manobra que, por óbvio, abre a trilha para um terceiro nome, supostamente mais conciliador que ambos e capaz de unir as duas pontas e pacificar o país. É algo que tende a ganhar contornos mais visíveis daqui para frente – especialmente porque ninguém que faça diferença parece, no momento, disposto a divergir dessa estratégia e endossar Bolsonaro em sua empreitada presidencial.
Temos um paradoxo, aqui. Bolsonaro é o segundo nas intenções de voto, segundo as mais recentes pesquisas; mesmo assim, nenhuma grande figura política se aproxima ou busca articulação. O único até agora foi Onyx Lorenzoni, cujo destaque é apenas regional e que há tempos briga (sem sucesso) por supremacia dentro da própria sigla, o DEM. Praticamente ninguém que leva sua carreira política a sério no Brasil quer tocar a candidatura Bolsonaro, por um singelo motivo: porque sente que, ao menos no atual momento, ele é uma figura tóxica.
Quando falo em “tóxica”, não estou me referindo exatamente às ideias reacionárias e doentias, ao discurso odioso, ou mesmo à escancarada incompetência parlamentar do pré-candidato. Muito mais importante que isso é a falta absoluta de estofo no que de fato interessa. Bolsonaro é um ignorante total em economia – se duvida, basta assistir esse vídeo de uma entrevista com Mariana Godoy, onde a incapacidade dele fica impossível de contornar.
Suas tentativas de vender a si mesmo como alguém sintonizado com as necessidades dos investidores, aqui e lá fora, foram grandes fracassos. E não vai ser o raquítico fundo partidário do PSL, partido vampirizado da vez, que vai colocar na rua uma campanha eleitoral efetivamente capaz de vencer.
Aí está, em resumo, o ponto decisivo que faz a candidatura de Bolsonaro esfriar: ele não é, nunca foi e possivelmente não conseguirá ser o candidato do poder financeiro. E isso é mais que suficiente para inviabilizar todo o resto
Bolsonaro só tem a seu favor o potencial viral, o encanto do outsider. Não entende nada de um dos temas centrais do cenário brasileiro atual, e é intelectual e politicamente incapaz de articular com quem entende. Não deve ser menosprezado de forma alguma, mas tampouco deve ser alçado a um status de quase imbatível que ele, claramente, não foi capaz (ainda, pelo menos) de atingir. A pose que adota é a de um fenômeno irresistível, mas o fato é que Bolsonaro está bem menos forte do que gosta de dar a entender.
Não há como cravar coisa alguma no cenário atual, mas a tendência, hoje, é que candidatura chegue ao período eleitoral bem mais anêmica (política e financeiramente) do que precisaria, em um partido nanico e com setores significativos atuando concretamente para não oferecer a ela qualquer chance de sucesso
Pesquisas são importantes, mas não são apenas elas que decidem para onde a grana vai. São retrato de um momento, de possibilidades ainda não concretizadas; indicam, sim, mas não garantem nada. E se o homem que se destaca nelas é incapaz de garantir qualquer coisa a quem alavanca campanhas no Brasil, não é de se duvidar inclusive que sua corrida pelo Planalto acabe ficando só na promessa, trocada por um alvo mais fácil de atingir, como uma reeleição na Câmara ou um novo cargo no Senado. Afinal, sua pífia atuação parlamentar tem sido, há décadas, seu ganha-pão, e perder a Presidência não deve render muitas palestras e consultorias a alguém como Bolsonaro, se é que vocês me entendem.
Se o jogo é, como deduzo, delimitar dois radicais para surfar entre eles, Bolsonaro pode preparar o lombo. Lula já está emparedado; em poucas semanas, a tendência é de que se confirme sua condenação em segunda instância. Saindo o barbudo do combate, o radical a ser abatido passa a ser Bolsonaro. E suspeito que só a imagem de mito de redes sociais, sem qualquer suporte real e palpável por trás, pode ser insuficiente para segurar a onda.
75th ANNUAL GOLDEN GLOBE AWARDS -- Pictured: Oprah Winfrey, Winner, Cecil B. Demille Award at the 75th Annual Golden Globe Awards held at the Beverly Hilton Hotel on January 7, 2018 -- (Photo by: Paul Drinkwater/NBC)
Ontem, o Globo de Ouro foi mais do que entretenimento. Muito mais. E especialmente ontem. No tradicionalmente glamoroso tapete vermelho, todos usavam preto e ninguém se atrevia a perguntar a procedência da roupa, apenas o motivo. No tradicionalmente fútil tapete vermelho, todos usavam preto como forma de protesto contra os casos de assédio e abuso sexual da indústria cinematográfica. No tradicionalmente colorido tapete vermelho, todos usavam preto para declarar que acabou o tempo (#TIMESUP) em que as mulheres se calavam diante da injustiça.
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E Oprah Winfrey personificou, imaculada, cada gesto dessa luta
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Agraciada com o prêmio Cecil B. DeMille, a apresentadora (e mil coisas mais) e primeira mulher negra a receber a homenagem usou o palco para falar de injustiça, desigualdade e do movimento #MeToo. Ela usou o microfone para amplificar a reivindicação de dignidade em um dos discursos mais impactantes dos últimos tempos. Falou sobre protagonismo negro, empoderamento feminino e liberdade de imprensa.
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Se há homens poderosos que tentam objetificar a mulher em cada gesto e fala, há Oprahs para lembrar que somos humanas e fortes
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Leia o discurso de Oprah Winfrey na íntegra:
“Em 1964, eu era uma menina sentada no chão de linóleo da casa da minha mãe, em Milwaukee, assistindo Anne Brancoft apresentar o Oscar de melhor ator, na 36ª edição do prêmio. Ela abriu o envelope e disse cinco palavras que, literalmente, fizeram história: “O vencedor é Sidney Poitier”. O homem mais elegante que eu já havia visto subiu ao palco. Eu lembro que sua gravata era branca e sua pele era negra, e eu jamais havia visto um homem negro ser celebrado daquela forma. Eu tentei explicar, muitas e muitas vezes, o que um momento daqueles representa para uma menina, uma criança que assiste à mãe passar pela porta morta de cansaço de tanto limpar as casas de outras pessoas.
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Mas tudo o que eu posso fazer é citar as palavras de Sidney em Uma Voz nas Sombras (Lilies of the Field), “Amem, amem. Amem, amem.”
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Em 1982, Sidney recebeu, aqui no Globo de Ouro, o prêmio Cecil B. De Mille. E eu não esqueci que neste momento há muitas garotinhas assistindo enquanto eu me torno a primeira mulher negra a receber esse mesmo prêmio. É uma honra. É uma honra e é um privilégio compartilhar essa noite com todas elas e também com os homens e mulheres incríveis que me inspiraram, desafiaram, apoiaram e tornaram minha jornada até este palco possível. Dennis Swanson, que apostou em mim para o talk-show “A.M. Chicago”. Quincy Jones, que me viu no programa e disse a Steven Spielberg, “ela é Sophia em A Cor Púrpura”. Gayle, que tem sido a definição do que é uma amiga, e Stedman, que tem sido minha rocha. Apenas alguns para nomear.
Eu quero agradecer à Imprensa Internacional de Hollywood, porque nós todos sabemos que a imprensa está sob cerco fechado ultimamente. Mas nós também sabemos que é a insaciável dedicação para descobrir a verdade que nos impede de fazer vista grossa para a corrupção e a injustiça. A tiranos e vítimas, e segredos e mentiras. Eu quero dizer que eu valorizo a imprensa mais que nunca ao passo em que tentamos navegar por esses tempos complicados. O que me traz à isso.
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O que eu sei, com certeza, é que falar a nossa verdade é a ferramenta mais poderosa que todos nós temos
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Eu estou especialmente orgulhosa e inspirada por todas as mulheres que se sentiram fortes o suficiente e empoderadas o suficiente para falar e compartilhar suas histórias. Cada um de nós nesta sala é celebrado por causa das histórias que contamos, e neste ano nós nos tornamos a história.
Mas não é apenas a história que afeta a indústria do entretenimento. É uma que transcende qualquer cultura, geografia, raça, religião, política ou ambiente de trabalho. Por isso eu quero, nesta noite, expressar minha gratidão a todas as mulheres que suportaram anos de abuso e assédio porque elas, assim como minha mãe, tem filhos para alimentar e contas para pagar e sonhos para perseguir. Elas são as mulheres cujos nomes nós jamais saberemos. Elas são as trabalhadoras domésticas e agricultoras. Elas estão trabalhando em fábricas e restaurantes e elas estão na academia, na engenharia, medicina e ciência. Elas são parte do mundo da tecnologia e da política e dos negócios. Elas são nossas atletas na Olimpíadas e são nossas militares. E há mais alguém. Recy Taylor, um nome que eu sei e acho que você deveria saber também.
Em 1944, Recy Taylor era uma jovem esposa e mãe. Ela estava voltando para casa após celebração na igreja que frequentava em Abbeville, Alabama, quando foi sequestrada por seis homens brancos armados, estuprada e deixada no acostamento de uma estrada com uma venda nos olhos. Indo para casa, depois da igreja. Eles ameaçaram matá-la caso contasse a alguém, mas a história foi reportada a NAACP (Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor), onde uma jovem trabalhadora que respondia pelo nome de Rosa Parks se tornou a investigadora principal do seu caso e, juntas, elas buscaram justiça.
Os homens que tentaram destruí-la jamais foram processados. Recy Taylor morreu dez dias atrás, a poucos dias do seu aniversário de 98 anos. Ela viveu como todos nós temos vivido, anos demais em uma cultura destruída por homens poderosos e brutais.
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Por tempo demais, mulheres não tem sido ouvidas ou acreditadas quando ousam falar a verdade ao poder desses homens. Mas o tempo deles acabou. O tempo deles acabou
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E eu apenas espero, eu apenas espero que Recy Taylor tenha morrido sabendo que a sua verdade, assim com a verdade de tantas outras mulheres atormentadas naqueles anos, e que ainda são atormentadas, segue marchando.
Estava em algum lugar no coração de Rosa Parks, quase onze anos depois, quando ela tomou a decisão de permanecer sentada naquele ônibus em Montgomery, e está aqui com cada mulher que escolhe dizer “Eu também” (Metoo). E com cada homem, cada homem que escolhe escutar.
Na minha carreira, o que eu sempre tentei fazer de melhor , seja na televisão ou em filmes, é falar algo sobre a maneira como homens e mulheres realmente se comportam. Falar sobre como nós experienciamos a vergonha, como nós amamos e como nos enfurecemos, como nós falhamos, como nos retiramos, perseveramos e como superamos.
Eu entrevistei e retratei pessoas que resistiram a algumas das coisas mais terríveis que a vida pode oferecer, mas a qualidade que todos parecem compartilhar é a habilidade de manter a esperança de uma manhã mais clara, mesmo durante as noites mais sombrias.
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Por isso eu quero que todas as meninas que estão assistindo aqui, agora, saibam que um novo dia está no horizonte!
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E quando esse novo dia finalmente amanhecer, será por causa de muitas mulheres magníficas, muitas das quais estão aqui nesta sala esta noite, e alguns homens fenomenais, que estão lutando muito para garantir que se tornem os líderes que vão nos levar a um tempo em que ninguém mais precise dizer “Eu Também”.”
Foto: Divulgação. Paul Drinkwater / NBCPAUL DRINKWATER/NBC
Devíamos viver na primavera. Ai, não. Na primavera tem flores, pólen, espirros, rinite. Quem sabe o verão? Brotoeja e mosquitos, não, obrigada. E se tentarmos o inverno? Nariz escorrendo, tosse, febre. Nananinã. O outono? Não me vem nada de ruim pensando no outono.
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Quero viver no outono pra sempre
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Verão é bom pra quem tá na praia. Me diz que gosta do verão e te pergunto em que praia tu estás! Ou num ar condicionado eterno. Primavera é lindo. É mesmo. Até a primeira otite do filho. É tanta alergia, tanta secreção que tu esquece das flores. E o inverno? Ficamos mais charmosos, bem vestidos. E prontos pra correr qualquer maratona, porque vestir crianças no inverno é vencer uma maratona. Uma não, duas, no meu caso.
Então, realisticamente falando, só nos resta o outono. Aquela luz, o barulho dos pés nas folhas, a temperatura nem muito quente nem muito fria. Sim, esse é o mundo ideal. O inverno sempre foi minha estação preferida. Acho gostoso o frio na pele. Gosto do vinho no frio. Mas quando chegou o primeiro filho, o inverno virou meu inimigo. Feliz com chegada do verão, não fiquei mais tão feliz depois de ter que passar protetor solar naquele corpinho que vem junto com uma goela incrível ao ter contato com aquela coisa gosmenta, mas necessária. Então eu amava a pirmavera. Até ver a quantidade de lenços de papel tentando dar conta daquele pobre narizinho.
Resumindo, por ora, preciso viver num outono eterno. Alguém me diz onde?
O julgamento de Lula não vai acabar bem – e é isso que muita gente quer
Igor Natusch
4 de janeiro de 2018
O clima em torno do julgamento em segunda instância de Lula, que acontece no fim de janeiro em Porto Alegre, é tenso meio que de nascença. Que teremos enormes protestos e ruidosos antagonismos, isso até as formigas que andam no meio-fio em frente ao TRF-4 sabem. Mas é fácil constatar que nossas autoridades não trabalham no sentido de passar tranquilidade e mediar eventuais conflitos, mas sim de tensionar ainda mais a situação, criando algo próximo de uma preparação para a guerra civil.
Há um elemento específico no inesperado pedido de Marchezan, que se revela em suas próprias palavras, quando diz que assim procede devido às “manifestações de líderes políticos, que convocam uma invasão de Porto Alegre“. Lembrando que, quando das marchas em favor do impeachment de Dilma Rousseff, o próprio Marchezan participou abertamente, inclusive subindo ao carro de som para falar à massa. Como vem fazendo com frequência em seu governo, Marchezan fala a um público particular, que odeia e teme tudo que entende como petralha e/ou esquerdista, e faz uso de seu apoio imediato como um elemento de legitimação. Mas é possível ir além.
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Não é apenas Marchezan que deseja a cidade hostil a manifestações neste momento, não é só ele que age para impedir completamente o que seria um grande grito coletivo dos que se reúnem em torno de Lula
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São reações a algo mais concreto do que o medo de conflitos: há, como subtexto dessas iniciativas todas, uma vontade de deslegitimar a manifestação de um dos lados e, ao mesmo tempo, abrir a brecha para descer o sarrafo, caso ela ocorra. Incluindo aí a imprensa, que tem como dever profissional fazer a cobertura de tudo que acontecer dentro e fora do tribunal.
O clima para julgar Lula não tinha como ser agradável, é claro. Mas vivemos uma certeza de conflito, uma garantia de repressão brutal a qualquer manifestação favorável ao réu, que está longe de ser inevitável. Assim será porque a preocupação não é democrática, mas sim com a supremacia de uma teoria e a prevalência de uma ideia.
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O gesto desastrado de Marchezan (mais um de uma longa lista, vamos combinar) é mais um sintoma de como a prefeitura de Porto Alegre está mergulhada em uma disputa ideológica que a ela deveria dizer pouco respeito, mas martelar demais em cima disso me parece, para usar o termo técnico, chutar cachorro morto
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Ele acaba sendo, seja por oportunismo ou falta de traquejo político, mais um sintoma de algo maior e, sinceramente, bem mais grave
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A beligerância e a intolerância são estratégias. Protestos pacíficos, como sabemos, só se agradam aos poderes estabelecidos e/ou as conveniências de momento. Assim era no próprio governo de Dilma Rousseff, que editou a esdrúxula lei antiterrorismo e reprimiu com gosto as manifestações durante a Copa do Mundo, para citar só um exemplo. No momento, os partidários de Dilma estão do lado que se prefere que fique quieto, mas o que deve ser protegido aqui não é a posição que defende Lula como um injustiçado, mas sim os alicerces mais básicos da livre manifestação. Não se justifica jogar tudo para o alto em nome de um alegado clima de guerra insuflado pelos mesmos setores que tratarão depois de, supostamente, debelá-lo. A democracia, amigas e amigos, vai muito mal no Brasil, e fica cada vez mais claro quem, no fundo, nunca deu a ela tanto valor assim.
Foto: Guilherme Santos/Sul21. A realização de imagens como esta foi a “atitude suspeita” que levou à abordagem, de arma em punho, por integrantes da Brigada Militar, no começo desta semana
Quando alguém começa a contagem regressiva e a mãe puxa aquela música cafona do “Adeus ano velho”, eu olho pra baixo e vejo, escorrendo pelo meu corpo, 365 dias de energias pesadas que frequentaram os mesmos lugares que eu e viram as mesmas pessoas e coisas que eu vi. Aos meus pés, uma poça daquele líquido imaginário, ácido e ao mesmo tempo extremamente amargo, corre em direção a um bueiro, espero eu, distante.
Finalmente, à meia noite, olho para cima. E o que acontece a partir daí é quase sobrenatural. Meu sorriso fica distendido, sorvo um ansioso gole de espumante e, em um colapso, não controlo o choro que vem de uma vereda familiar.
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É o universo que, em um rompante de generosidade, não somente permite que eu continue existindo como me oferece a oportunidade de viver mais doce, em um ano mais doce
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E assim, bem assim, os abraços e beijos trocados transformam-se em prova irrefutável de que tudo vai ficar bem. E vale qualquer disparate para a acidez que a falta de otimismo possa anunciar. Escolhe-se cuidadosamente a cor da roupa íntima, da roupa, das fitas, não se come galinha porque o bicho anda para trás, lentilha dá dinheiro, e por aí vai. Há quem pule ondas do mar ou use folhas de louro na carteira para dar sorte. Outros comem três grãos de uva. Ou sete. Essa é a minha preferida. A uva. Como três. Como sete. Bebo espumante. Bebo vinho. Ai, a uva. Docinha.
Acho que é uma daquelas coisas que nos levam à melhor lembrança da melhor idade. Quando eu era criança, o melhor de tudo traduzia-se em uva. Eu só comia uva e sorvete de uva, ou picolé de uva. Bebia suco de uva, Fanta uva – e beberia vinho se não fosse a pouca idade. Preferia as roupas roxas e nas festinhas de aniversário, só queria os balões cor-de-uva. Uvada, torta de uva, vinho doce, chiclete de uva.
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Ai, mas o sorvete
“Sorvete de uva, sorvete de uva, sorvete de uva”
É quase uma oração
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Na minha concepção, o que havia de melhor no mundo só poderia ter vindo de uma parreira. E o melhor melhor do mundo era o produto da parreira congelado e cremoso.
Desejo, então, do fundo da minha infância, um ano novo de uva. Ou de sorvete de uva. Desejo que peguem uma colher e façam uma bolinha. Pode ser no copinho ou casquinha. Vale até pingar na roupa. Só não deixem derreter. Aproveitem o sabor do universo e tenham um 2018 mais doce.