ECOO

10 momentos em que minha mãe foi ecologicamente correta sem saber

Geórgia Santos
14 de maio de 2017

Não fui criada com uma intenção de ser ecologicamente correta. E falo de intenção porque há famílias em que ensinam isso pra os filhos desde muito cedo ou sempre. Lá em casa, não era parte da conversa ou da rotina. Isso não significa que meus pais não são conscientes. E eu não estou falando de reciclagem de lixo, falo de medidas bastante importantes.

Na casa dos meus pais há duas claraboias que iluminam as áreas de convivência, o que elimina a necessidade de usar lâmpadas durante o dia. Além disso, o aquecimento da água da casa e da piscina é solar. Bacana, né? Mas a minha mãe é mais consciente do que ela imagina.

10 momentos em que minha mãe foi ecologicamente correta sem saber – ou sem perceber

1 “Vai a pé”

 

2 “Rápido nesse banho, Geórgia. Tu tá aí há quase uma hora, a água do planeta vai acabar”

 

3 “Apaga a luz quando tu for pra cama”

 

4 “Come a sobra de ontem, não precisa fazer mais comida”

 

5 “Usa açúcar pra esfoliar a cara, é mais barato. Ou farinha de milho”

 

6 “Vai a pé”

 

7 “Vai caminhando ou de bici”

 

8 “Deve ter na horta do vô”

 

9 “Para de fumar”

 

10 “Vai à pé”

Guia de Viagem

Lisboa – A cidade favorita da minha mãe

Geórgia Santos
13 de maio de 2017

Eu vivi em Lisboa por um ano e, de fato, poderia escrever por horas sobre os lugares que conheci em Portugal, sobre o que comi e, claro, sobre os deliciosos obstáculos que encontrei pelo caminho. Mas neste final de semana, só importa o que ela tem a dizer sobre Lisboa. Ela quem? Dona Gertrudes, a Tude, também conhecida como minha querida e adorada mãe.

Mamãe e eu damos um pulinho em Fátima. A gente não gostou nem um pouquinho, mas não conta pra ninguém =P

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Lisboa é a cidade favorita da minha mãe apesar de, como não poderia deixar de ser com membros da família, muita coisa ter dado errado. Muita coisa

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A Tude visitou Lisboa três vezes. Na primeira vez, tudo correu de maneira tranquila (os problemas aconteceram em Madri, Barcelona e Sevilha, que visitamos na sequência). Na segunda eu já morava por lá e, ah, ela não imaginava o que estava a sua espera. Dois dias antes de voltar pra casa, meu pai teve febre e começou a tossir de maneira bastante assustadora, algo como um pastor alemão tentando falar. Insistimos pra que ele procurasse ajuda e uma médica foi até minha casa. Foi a vez de ela insistir pra que ele fosse ao hospital. Chegou lá e foi internado depois de dar respostas completamente sem nexo à médica que o atendia naquele momento. Ele estava com nada mais, nada menos, que Gripe A. Que evoluiu para pneumonia.

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Os dois ficaram duas semanas presos dentro do Hospital da Cruz Vermelha com meu pai delirando por falta de oxigênio e abstinência do cigarro

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Ele só foi liberado depois que eu garanti que ele teria oxigênio em casa e no transporte de volta pra casa. Sim, oxigênio no avião. E foi operado assim que chegou ao Brasil. Foi bizarro. A mãe pirou (com razão), mas isso não afetou o amor por Lisboa. Deixou ela morrendo de medo de voltar, é verdade, mas ela continuou amando a cidade

Depois de muita insistência, ela resolveu voltar. Quase um ano depois do fatídico episódio. Lisboa a esperava de braços abertos, como diz a musiquinha da TAP, mas não era só isso. Portugal a esperava também com mais um punhado de surpresas que renderiam, aproximadamente, uns 15 posts. Mas eu vou encurtar o lance e listar os episódios:

1. Saindo do El Corte Inglés, uma loja de departamentos, o alarme disparou. Dois seguranças correm na direção dela pra revistar as sacolas enquanto a gringa fica vermelha. Eu, do lado de fora fumando um cigarro, só ri. Ela, do lado de dentro, queria matar todo mundo. Foi uma comoção, de fato. Todo mundo olhando, aquele preconceito com as brasileiras que devem ter roubado uma mercadoria e tal. Deveríamos ter processado.

2. Numa bela noite, ela e minha madrinha saem pra ir ao supermercado. Minha prima e eu ficamos em casa. Nós sabíamos que havia lojas pelo caminho e que não seria uma tarefa de 15 minutos. Mesmo assim, elas estavam demorando demais, eu já estava preocupada. Umas duas horas depois elas aparecem encharcadas e morrendo (sério) de tanto rir, elas mal conseguiam respirar. Acontece que no caminho de casa, que ficava a duas quadras do lugar, elas conseguiram se perder. Só que era noite e um temporal desabava sobre a cidade. Elas começaram a dar voltar no centro comercial e, finalmente, foram para o lado errado. Nesse meio tempo, o chapéu da minha mãe sai voando pela rua alagada e a doida começa a correr atrás. Duas horas depois….

3. Num passeio ao Cabo da Roca, onde há penhascos deliciosos, ela se desequilibrou com o vento e levou um tombão. Longe dos penhascos.

4. Entediada em uma loja, resolveu esperar pela irmã do lado de fora. Pra passar o tempo, resolveu brincar de estátua viva com a sobrinha. Com direito a passar o chapéu e tudo. Eu amo minha mãe.

Eu passaria o dia escrevendo sobre a as aventura da Tude, mas vocês já entenderam, né? Então dá uma olhada no que ver e o que fazer em Lisboa. Claro, os lugares favoritos da mãe. Não é um guia definitivo, mas é o roteiro perfeito pra ela.

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Lugares pra ver

A mãe adora passear por Lisboa, bater perna, mesmo. Felizmente, é uma cidade perfeita pra isso, mesmo com as lombas.

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Chiado

É um dos bairros mais charmosos da cidade. Perfeito para caminhadas, também abriga algumas das lojas e cafés mais interessantes de Lisboa, como o Café à Brasileira, famoso pela estátua de Fernando Pessoa. Mas também é onde se pode observar alguns dos pontos turísticos mais importantes de Lisboa, como o Museu do Carmo e o Elevador de Santa Justa. Se caminhar um pouquinho além do convento, há um mirante espetacular. E se quiser subir umas lombas, aproveita pra explorar o Bairro Alto.

Rossio/Baixa

Perfeito para bater perna e descobrir as lojinhas e lojonas das ruas do entorno do centro da cidade. Vale caminhar até a Praça do Comércio, que fica à beira do Tejo.

Belém

É uma região mais afastada do centro da cidade, mas é uma das bonitas de Lisboa. Tem jardins lindos além de uma feira de antiguidades incrível aos domingos. Sem falar da possibilidade de caminhadas deliciosas à beira do Tejo. Alguns dos pontos turísticos mais legais estão por lá, como a Torre de Belém, o Padrão dos Descobrimentos e o Mosteiro dos Jerônimos. Ah, e é onde se come o famoso Pastel de Belém.

Onde comer

A mãe é malinha pra comida, mas em Lisboa não encontrou qualquer problema. É tudo uma delícia.

Os Jerônimos

Do ladinho dos famosos pastéis de Belém tem um restaurante minúsculo e nada glamouroso, mas que serve um peixe dos deuses e por um preço bastante honesto. E o gerente (ou dono, não sei) é uma figura. Fala mil idiomas e vai fazer de tudo pra que todos se sintam à vontade. Sugestão da Tude: prove os carapaus, dois peixes grelhados na brasa com azeite e alho e umas batatas ao murro. Hm!

Café Royale

É um café e restaurante que serve uma comida maravilhosa ao estilo bistrô e por um preço convidativo. Sem falar do terraço nos fundos da propriedade. Escolha perfeita pra o verão.

Solar dos Presuntos

Uma ótima escolha pra quem tiver grana pra gastar. As paredes forradas com fotos de celebridades dão o atestado. A comida é gostosa de verdade, mas é caro.

Como se movimentar

Lisboa é perfeita para andar à pé, mas não deixe de andar com os famosos elétricos, os bondes amarelos da cidade. A mãe não só adora como recomenda. Táxi também ajuda e é bem barato.

Geórgia Santos

Uma ode a Belchior – Amar e mudar as coisas, me interessa mais

Geórgia Santos
1 de maio de 2017

Toda vez que eu ligo o computador, sem exceção, leio algo que me deixa devastada. Pode ser uma notícia, um tuíte aleatório de uma pessoa errática, ou o comentário em um portal de hardnews que, de maneira quase sádica, eu insisto em ler.

A minha alucinação, é, de fato, suportar o dia-a-dia. E o meu delírio é a experiência com coisas reais quando já parece que não pertenço a esse mundo

 

Não posso pertencer a um mundo em que o ódio é a gênese do que se acredita ser raciocínio lógico; em que existe origem certa ou errada; em que mulher é sinônimo de nada; em que ditadores são aclamados. Eu não posso pertencer a um mundo em que um rapaz delicado e alegre, que canta e requebra, seja ridicularizado e em que o amar é pecado.

Às vezes eu simplesmente sinto que o sinal está fechado pra nós, que somos jovens. Parece exagero, eu sei. Pior ainda, soa como reprise, como o desespero que era moda em 76. Mas ando mesmo descontente e quero que esse canto torto ecoe e, feito faca, corte a carne de vocês.

Nós não podemos amar o passado e viver como nossos pais, precisamos evoluir. Precisamos acordar e fazer o destino com o suor das nossas mãos. Aproveitar o momento em que nossa voz resiste e, por isso, podemos cantar muito mais.

Me assusta que meus horrores não assustem a todos. Confesso. E me assusta porque ao vivo é muito pior

 

Meninos de 14 anos acham que estupro é culpa da menina que usa saia curta. Adolescentes acham que ser gay é errado. Crianças rejeitam o colega diferente. Jovens gritam, a plenos pulmões, que comunistas tem que morrer.

Ainda assim, acredito nos bons ventos do futuro. Que uma nova mudança, em breve, vai acontecer e que o passado de preconceitos é uma roupa que não nos serve mais. E a minha parte eu faço, amando e mudando. Tenho ouvido muitos discos, conversado com pessoas, caminhado meu caminho. Porque amar e mudar as coisas, me interessa mais.

Musico Belchior em 1977. FOTO DIVULGAÇÃO.

Obrigada, Belchior, por me emprestar as palavras deste texto e algumas ideias. Obrigada, Belchior, por me permitir cantar política e a sociedade com a melodia de quem fala de amor. 

ECOO

Planeta ou lucro, o que é mais importante?

Geórgia Santos
30 de abril de 2017

Parece uma pregunta idiota, e é. É uma pergunta extremamente idiota. O problema é que a resposta da sociedade tem sido ainda mais imbecil. Sobre o que é mais importante, planeta ou lucro, estamos ficando com a segunda opção.

Alguém sempre vai dizer que é exagero, que não é bem assim. Que esse papo é coisa de ecochatos da esquerda autoritária que são contra o empreendedorismo. Que o planeta está a alvo e que o aquecimento global é invenção dos chineses (?). Acontece.

O problema é que esse alguém é o presidente dos Estados Unidos

Mesmo que o presidente em questão seja Donald Trump, o que é algo bizarro em si, é extremamente preocupante. Significa que o comandante em chefe do país mais poderoso do mundo acredita que a humanidade pode fazer o que quiser com os recursos naturais e que tudo ficará bem assim. Senão melhor. O absurdo chegou ao ponto em que se está negando a ciência. O resultado é que as pessoas foram obrigadas a marchar pelo senso comum, como bem disse o nosso colunista Sacha Nixon, no espaço Nós US.

Mas mesmo que seja uma marcha pelo mínimo e pelo óbvio, que coisa tão linda é ver lutarem pela bem estar comum

Sim, porque não estamos falando de um protesto baseado em questões individuais. Talvez na Marcha pela Ciência (March for Science) alguém tenha protestado porque perdeu financiamento para a pesquisa que estava realizando, mas no caso da Marcha das Pessoas pelo Clima (People´s Climate March), que ocorreu neste final de semana, a reivindicação é simplesmente continuar existindo.

Parece drástico, mas não é. Chegamos a um ponto em que absorvemos o descontrole em nossas rotinas como algo natural. Com a água, com o lixo, em nossas casas, na escola, em nossas indústrias. É mais barato, ganho mais, vendo mais, lucro mais, mais, mais, mais.

E vivemos menos, menos, menos, menos

Que bom que fomos às ruas para proteger nosso meio ambiente e declarar a responsabilidade do presidente dos Estados Unidos ao conduzir essa questão. Precisamos celebrar o fato de estarmos acordados para dizer, em alto e bom som e no meio da rua, que o planeta é mais importante. Respondendo a uma pergunta idiota.

Foto: Max Herman, Survival Media Agency

Guia de Viagem

Cambará do Sul – Parte 2: A Emboscada

Geórgia Santos
29 de abril de 2017

Foi uma semana congelante no sul do Brasil, segundo relatos que recebi. Previsivelmente, a gauchada já começa a se coçar pra viajar pra serra e passar aquele frio gostoso enchendo a cara de vinho em frente a uma lareira e coisa e tal. Três amigas e eu resolvemos fazer isso e viajamos para Cambará do Sul há quase cinco anos. E valeu a pena, mas foi uma viagem turbulenta – óbvio.

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Começou com um corpo no chão, como já contei pra vocês, mas o que viria pela frente era um potencial filme de suspense policial.

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O suposto atropelamento deixou a viagem estranha, mas bastante propensa a ataques de riso eventuais. No meu caso, de puro nervosismo. Provavelmente algo que herdei de minha mãe, considerando que não há ninguém no mundo que ria mais que ela ou o faça em situações mais inadequadas. E os risos eram realmente aleatórios, não estávamos bebendo nem fumando maconha. Só coca-cola e uns marlboros.

Quando avistamos a placa indicando que estávamos em Cambará do Sul, já havia passado de 1h da manhã. A cidade parecia o cenário de um filme do Clint Eastwood. Abandonada, escura, com uma baita neblina e sem uma viva alma na rua. Veja bem, almas, havia. Vivas, nenhuma.

Todos os celulares estavam sem bateria – lembrem, era 2012 e as fotos foram tiradas com câmera digital – e nós não tínhamos a menor ideia de como chegar à pousada. Estávamos condenadas a vagar até que alguma pessoa aparecesse. Renata começou a dirigir em círculos pela cidade, na esperança de que encontrássemos alguém que pudesse nos ajudar. Felizmente, de alguma forma, chegamos até a casa em que ficava a Brigada Militar.

Neste ponto é importante ressaltar que Fernanda e eu estávamos em meio a um dos piores ataques de riso de toda a viagem. Eu não conseguia respirar, meu diafragma estava distendido e louco pra soluçar e minha barriga estava tão tensa que a câimbra já se anunciava. Não bem câimbra, mas aquela dor que dá quando a gente corre sem ter o menor preparo físico, sabe. Por isso, Renata e Evelin, muito responsáveis, sugeriram que nós ficássemos no carro pra que os policiais não se sentissem ofendidos. Justo.

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Elas desceram e começaram a bater na porta, aparentemente sem muito sucesso. Quando já estavam voltando pra o carro, aparece alguém na porta. Sem farda e armado. Elas se borraram, Fernanda e eu rimos ainda mais

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Esclarecida a situação de estarmos vagando pela madrugada, as gurias pediram ajuda. Se desculparam pelo nosso comportamento infantil e eles, gentilmente, explicaram como chegar à pousada. Quando elas voltaram pra o carro, perguntei pra Renata se ela havia entendido, ao que ela me garantiu que sim. Mentira. Duas quadras depois ela não sabia mais pra onde ir e nós não conseguíamos mais encontrar a Brigada.

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“Sem demora, notei que um carro nos seguia. As gurias estavam céticas, me chamaram de paranóica”

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A essa altura nós já não ríamos mais. Estávamos com medo, mesmo. E tínhamos razão pra isso. Sem demora, notei que um carro nos seguia. As gurias estavam céticas, me chamaram de paranoica. Riram. Mas aquilo estava estranho. Renata resolveu testar o motorista e começou a entrar em ruelas improváveis. A cada curva que nós fazíamos, eles seguiam o mesmo trajeto. Viramos à direita. Eles também. Viramos à esquerda, eles também.

Ficamos desesperadas. Assustadas de verdade. Estávamos em uma cidade fantasma sendo seguidas por um automóvel que parecia ter quatro homens dentro – exatamente a quantidade de mulheres em nosso carro. Renata foi mais corajosa –e doida – e resolveu parar o carro e perguntar o que estava acontecendo. Não reagimos bem.

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“Tu tá louca. Eles vão nos estuprar, nos matar, a gente não vai sair viva disso. Não para esse carro. A gente vai ser presa fácil. Não faz isso!!!”

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Eu estava em pânico, a Fernanda chorava, a Évelin blasfemava e a Renata abaixou o vidro e perguntou: “O que vocês querem?” Notando o nosso desespero, o rapaz sorriu e disse: “A gente sabia que vocês iam se perder, por isso resolvemos ajudar.” Eram os brigadianos que decidiram nos seguir, garantindo que chegaríamos ao destino. “A gente leva vocês até lá, segue o carro”, explicou. Obviamente, diante do ridículo, caímos na gargalhada de novo e fizemos o que eles disseram.

Mas algo soou estranho. Eles não estavam de viatura ou fardados. Hm, não parecia certo. Ao mesmo tempo, o carro seguia para uma rua escura, de chão batido, sem casas ou prédios no entorno. Todas pensamos a mesma coisa.

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“Nós somos muito trouxas. É uma emboscada!!!!”

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Começamos a gritar, eu comecei a chorar e a Fernanda não parava de gritar que era uma emboscada. A Évelin e a Renata tentaram manter a calma, mas elas estavam apavoradas também. “Eles vão nos estuprar no mato, cortar nossos corpos em pedacinhos e ninguém nunca mais vai encontrar. Meu Deus, nossas famílias. Que horror. Arranca esse carro, foge. É uma emboscada! É uma emboscada!!!!”

Eu sei que parece coisa de quem vê muito Criminal Minds, mas a situação era tensa. Eu alternava entre risos e choro e estava muito assustada. Até que tudo ficou ainda pior. Eles pararam o carro em uma rua escura e, aparentemente, sem saída. Não conseguiríamos passar por eles. Nisso, outro carro surge do nada e nos fecha. Fodeu.

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“Eu disse que era uma emboscada, a gente vai morrer!!!”, gritou a Fernanda

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A essa altura do campeonato, todas nós acreditávamos nisso. De verdade. Quando eles desceram do carro, o discurso de despedida já começava a ser ensaiado e as lágrimas eram bastante intensas. Era o fim. Adieu. Era uma emboscada.

Exceto pelo fato de que estávamos em frente à pousada e o cara que “nos fechou” só estava entrando na garagem da própria casa. Mas também, dá uma olhada na rua do bagulho. Imagina à noite. Compreensível, né?

Sim, adivinhou, caímos na gargalhada. De novo. Só que dessa vez foi difícil de parar. Eu levei muito tempo. Acordamos o dono da pousada, demorei uma hora pra fazer a lareira funcionar (que já estava preparada e era só acender um fósforo) e quase fui expulsa do quarto ao melhor estilo Big Brother, com votação e tudo, porque não calava a boca.

Hoje “A Emboscada” virou nome de grupo no whatsapp. Mas a saga daquele final de semana não parou por aí. Ainda fizemos estragos em São Francisco de Paula…

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Lugares para ver

Fortaleza e Itaimbezinho

O turismo em Cambará é totalmente voltado pra natureza e as grandes atrações são os canyons da Fortaleza e o Itaimbezinho. Particularmente, acho o da Fortaleza mais bonito e interessante. O único inconveniente é o acesso. A estrada pra chegar até lá é horrível. Mas não tem erro, é só seguir as placas, mesmo quando parece que alguém vai te matar no meio do nada. Chegando lá, é só caminhar bastante e explorar as trilhas ao máximo – e desviar dos boizinhos – e aproveitar a vista maravilhosa. Pra quem gostas de algo mais radical, é possível fazer a trilha no riacho que corta o canyon, mas pra isso é preciso procurar as empresas especializadas que oferecem esse serviço. Os hotéis e pousadas, na maioria, oferecem pacotes com passeios exclusivos por trilhas em diversos locais da região.

Já o Itaimbezinho tem uma infraestrutura mais preparada para receber turistas, com guias, banheiros e tudo muito bem sinalizado. Há duas trilhas, que o visitante escolhe de acordo com o quanto quer caminhar. Ao longo do caminho, há recantos lindos esperando por quem está afim de explorar o matagal, com riachos e cascatas pra recarregar as energias. Só tomem cuidado com os búfalos. Não é piada. Especialmente com neblina….

Turismo rural

Eu nasci na colônia, então passear por sítios e fazendas em meio a animais não me impressiona. Mas pra quem nasceu na cidade, pode ser um passeio interessante. Há uma série de estâncias que estão prontas para receber visitantes que queiram conhecer um pouco mais do universo campeiro. Os hotéis da região estão todos preparados pra indicar o melhor roteiro pra tua viagem.

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Onde comer

Não é uma cidade grande, com grandes restaurantes. por isso, recomendo a hospedagem em um local que ofereça café da manhã. Os melhores restaurantes da cidade estão localizados no hotéis mais equipados – e caros -, que qualquer pessoa pode acessar. Mas há outras alternativas.

Sabores da Querência

É um local delicioso que vende geleias e antepastos orgânicos, produzidos no local, a Querência Macanuda. Quando nós visitamos pela primeira vez, em 2012, só era possível fazer uma pequena degustação dos produtos. Hoje o sítio está preparado para receber quem queira degustar um espumante ou uma boa cerveja artesanal. Ainda oferecem tábuas de queijos, sorvetes e outras delícias.

Restaurante Galpão Costaneira

O lugar perfeito pra quem quer experimentar uma boa comida campeira, sem falar na ótima seleção de cachaças que a casa oferece. É um espetáculo no inverno, com a comida reconfortante e fogões à lenha. A comida é maravilhosa e rola até um som bem gaudério.

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Onde ficar

Parador Casa da Montanha

Se tem grana sobrando, nem pense em ficar em outro lugar. É a experiência perfeita. Da vista à comida, dos spas à lareira. Desenhado para agradar até ao cliente mais exigente, é sofisticado sem apagar o clima rural da cidade.

Cabanas Brisa dos Canyons

Foram essas as cabanas difíceis de achar. Apesar do local ermo – que nem é tanto assim -, vale muito a pena. O preço é acessível e as cabanas são bem equipadas e aconchegantes. Uma ótima alternativa.

 

 

Guia de Viagem

Cambará do Sul – Parte 1: O corpo no chão

Geórgia Santos
22 de abril de 2017

As temperaturas já começaram a cair no Rio Grande do Sul e o primeiro instinto é se enfiar debaixo de um cobertor e ascender a lareira ou o fogão a lenha ou uma espiriteira (aquele lance de jogar álcool na panela e tocar fogo, super seguro). O segundo instinto é viajar pra Serra. Gramado, Canela e blá blá blá. Um saco, lamento. Tudo muito fake pro meu gosto. Já Cambará do Sul é outra história.

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Cambará é a essência do inverno gaudério: campos de cima da serra, um frio do cão, comida campeira, chimarrão, poncho e neblina. Perfeito

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Por esses e outros motivos, minhas amigas e eu resolvemos nos bandear praqueles lados e explorar a natureza da região, intercalando as trilhas com vinho em frente à lareira. Fernanda, Évelin, Renata e eu estávamos empolgadas naquele inverno de 2012, afinal, seria nossa primeira viagem juntas e, certamente, seria linda. Mas nem tudo correu como imaginávamos.

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Aliás, nem com a imaginação da J.K. Rowling nós chegaríamos ao que nos aconteceu naquele final de semana

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Reservamos uma cabaninha charmosa em Cambará. Ficaríamos de sexta a domingo e, na volta, ainda passaríamos em São Francisco de Paula. Como eu dava aula na sexta à noite, só poderíamos sair depois das 22h. E foi o que fizemos. Levei minhas coisas pra Universidade e as gurias me buscaram lá. Renata foi dirigindo. Estávamos tranquilas, afinal, mesmo que a estrada não fosse uma maravilha, não teria muito movimento àquela hora da noite. Estávamos certas.

A primeira bizarrice aconteceu na estrada, na ERS-020Estávamos felizes e cantantes, empolgadas com aquelas musiquinhas clássicas de roadtrips entre quatro amigas e nenhum jeans viajante.

 

Obrigada, Alemão Ronaldo, por esse momento. Continuando, passamos a viagem comendo porcaria e bebendo coisas açucaradas sem nenhuma culpa.

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Estávamos falando mal dazinimiga, trocando confidências e dando gargalhadas quando vimos um corpo na beira da estrada e um carro estacionado ao lado. Sim. Foi isso

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Ficamos em imediato silêncio e resolvemos parar pra ver o que estava acontecendo, aquele instinto sem noção de jornalista. Quando nos aproximamos do veículo que não conseguimos identificar, um homem desce do automóvel. Com uma silhueta significantemente assustadora ao melhor estilo cadeirudo à meia noite, ele caminha na nossa direção.

Ele não disse nada, não fez nenhum sinal ou tentativa de comunicação. Simplesmente caminhou na nossa direção e parecia que ele tinha algo em mãos. Mas a gente não conseguia ver, por causa da luz no nosso rosto. Ele não passava de uma sombra, na verdade.

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Me borrei toda. Corremos o mais rápido possível e saímos dali em um fração de segundos, berrando como cabritas sem a mãe

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Claro que precisávamos fazer alguma coisa, mas cinco corpos na beira da estrada não ajudariam a resolver o mistério. Chegamos à conclusão que deveríamos ligar para a polícia. Felizmente, com quatro jornalistas no carro, encontrar o telefone direto do batalhão não seria um problema. Não foi. Ligamos para o Comando Rodoviário da Brigada Militar e explicamos, com parcimônia, a situação. A verdade é que não sabíamos o que tínhamos visto, mas acreditávamos que valia a pena averiguar.

Depois deste fato, estávamos menos felizes e cantantes e mais tensas e silentes. Continuamos comendo porcaria, mas aquilo mexeu com a gente e com os nossos medos. Mas a gente não perdia por esperar….

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Como chegar

Carro ou ônibus. Há vários caminhos possíveis mas, apesar do corpo na beira da estrada, a melhor alternativa é usar o caminho pela ERS-020 quando sai de Porto Alegre.

Foto: Divulgação Prefeitura de Cambará do Sul

Geórgia Santos

Nem Jesus era feito de chocolate

Geórgia Santos
17 de abril de 2017

No espírito da Páscoa, flagrei a mim pensando em Jesus Cristo. Mentira, foi em chocolate. Mas não é o que parece. Pensei em como foi difícil descobrir que eu não era feita de chocolate. Ou seja, lembrei de quando percebi que nem todo mundo gostava de mim e que isso não ia mudar.

Nunca pensei que fosse tão atraente quanto cacau – e não falo do sentido físico, mas em termos de queridismo –, nem quando era criança. Mas por muito anos eu acreditei que se não fizesse mal a ninguém, as pessoas não teriam motivo pra não gostar de mim. Ledo engano.

Ainda na adolescência descobri que as pessoas podem não gostar umas das outras simplesmente porque sim

 

Fundamentalmente, não vejo problema nisso. Se eu vasculhar minha memória, vou encontrar pessoas de quem eu não gosto sem motivo pra não gostar. O lance é o impacto que isso causa nas nossas vidas. No meu caso, foram anos tentando desesperadamente agradar a todos.

Eu tentava ser a melhor aluna porque assim os professores gostariam de mim; falava bobagem com os meninos porque assim eu não seria uma menininha entediante; falava sobre meninices com as gurias porque assim eu seria uma amiga muito tri; me esforçava no vôlei pra ser escolhida na aula de educação física, e por aí vai. Eu sempre gostei do fato de as pessoas gostarem de mim. E nem sabia do que eu gostava mais.

 

O problema é que ao longo da vida isso foi ficando cada vez menos saudável – e mais submisso

Na faculdade era só uma versão crescida do colégio; na vida social, precisava emagrecer pra me acharem bonita; no trabalho, aceitava qualquer empreitada não pra “crescer na firma”, mas pra gostarem de mim. O resultado disso foi assédio moral e uma tremenda crise de identidade.

 

Eu não sabia mais quem eu queria ser

Talvez eu esteja exagerando um pouco afinal, carrego comigo essa tendência hiperbólica. Mas não é o que todos fazemos até certo ponto? A maioria de nós passa a vida tentando ser chocolate.

Me libertar disso foi muito interessante. Redescobri quem eu queria ser e virei esse sonho de cabeça pra baixo. Algumas pessoas me odeiam com razão e outras não tem motivo, e eu já não me importo com a segunda categoria. Dependendo da pessoa, acho até charmoso. É quase bom ser odiada por um mala.

Mas ei, nem Jesus era feito de chocolate, certo? Nem ele agradou a todos. E quanto aos pobres mortais, a gente vai conseguir ser, no máximo, uma barra de 70% cacau. Parece que é o melhor que há, charmosa, interessante, intensa e saborosa. Mas amarga pra alguns paladares.

Fotografia de Nate Phillips

Tão série

Black-ish

Geórgia Santos
15 de abril de 2017

Black-ish é uma mistura de tudo o que eu adoro: é engraçada, bem escrita e apresenta uma dura crítica à sociedade contemporânea sem pesar. A série de Kenya Barris está redefinindo o significado de sitcom.

Não precisa ser vazio para ser engraçado e não precisa ser pesado para ser relevante.

A série parte da premissa de que quando um negro norte-americano atinge um determinado status social, passa por uma espécie de branqueamento. Por isso o “ish”, em Black-ish, que em tradução livre seria algo como “Mais ou menos negro.” Ou seja, é difícil se manter conectado às origens e mais complicado ainda manter a família ciente de onde veio e do motivo pelo qual é importante lembrar disso.

Andre (Dre) Johnson Sr (Anthony Anderson) é um rico executivo do ramo da Publicidade e é casado com a médica Rainbow (Bow) Jhonson (Tracee Ellis Ross), com quem tem cinco filhos. A cada episódio, um dilema sobre como lembrar da relevância de sua origem e, principalmente, o longo caminho trilhado até aqui. Um bom exemplo pra quem nunca viu a série é o episódio em que Dre percebe que os filhos não sabem que Barak Obama é o primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos. No mundo das crianças, isso é absolutamente normal. Obama é o único presidente que conhecem, afinal de contas. Chocado, o pai compreende que a família precisa saber do tortuoso caminho até a vitória do democrata em 2008 e valorizar o que ele representa.

Ele enfrenta, então, o dilema central: será que ele está desconectando os filhos de sua herança cultural ao oferecer os privilégios que ele não teve na infância?

Black-ish é diferente e nos mostra uma família tentando entender o mundo do qual faz parte, inclusive com suas brigas e dilemas morais. E o fato de ser sobre uma família negra não é acidental, é a identidade da série. Fala sobre racismo, sobre estereótipos, sobre brutalidade policial, Black Lives Matter, dilemas sobre relacionamentos entre negros e brancos e, em meio a isso tudo, encontra humor para divertir o telespectador brincando a duração (loooonga) dos cultos e com o fato de que Dre vê racismo em todo canto, pra citar alguns.

É, também, uma ótima oportunidade para nós, brancos, abrirmos os olhos de uma vez por todas. Eles simplesmente atacam temas sensíveis em todos os episódios e funciona: Obama ama, Trump considera racista. Isso diz muito.

Guia de Viagem

San Andres – A comida suspeita

Geórgia Santos
14 de abril de 2017

Passamos pelos mosquitos de Cartagena, pelos sicários de Playa Blanca e, finalmente, chegamos ao final da saga da lua-de-mel nas ilhas caribenhas de San Andres e a comida mais do que suspeita.

Não tinha ouvido falar de San Andres até começar a pesquisar roteiros em potencial para relaxar com meu marido antes de voltar à realidade da vida. E conforme eu pesquisava, mais me convencia de que seria o final perfeito para um roteiro montado com muito amor. Afinal, é um pedaço de terra abençoado pelo universo e banhado pelo mar do caribe – sem custar os olhos, o nariz e a boca da cara como costuma ser com Cancuns da vida.

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É, sem dúvida, um dos lugares mais lindos que já conheci na minha vida. E o melhor: é Zona Franca. Isso mesmo, gentes, muitas compras e nenhum imposto. Agora me digam se não é a definição de paraíso?

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San Andres tem um probleminha, no entanto, não tem muitos lugares legais pra comer. Circulamos bastante pelo centro e após um jantar não muito agradável, chegamos à conclusão que o restaurante do nosso hotel era melhor e que era jogo comer por lá. E assim fizemos pelos cinco dias que ficamos por lá. E tudo correu bem, até que não correu mais – ou correu demais.

No último dia, já estávamos “empacotados” e vestidos para vazar. Almoçamos e fomos nos sentar em umas poltroninhas interessantes. Claro, eu comecei a passar mal. Minha pressão baixou de repente e eu senti um forte enjoo. Tentei jogar água no rosto, tirei os tênis e não passava. Me “pelei” ao máximo e me deitei na recepção mesmo e fiquei em posição fetal até o momento de sair. Quando fomos ao aeroporto, eu estava melhor, mas não 100%. Embarcamos e o enjoo voltou. Fui estranha até o Panamá.

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No Panamá, tomei um Coca e tal e melhorei. Achei que o sufoco havia passado. Que nada. Comecei a jantar e já vi que não ia descer. A essas alturas, minha dor de barriga já havia ultrapassado todos os limites da vida. Quando nos aproximamos de Porto Alegre, ficou insustentável. Corri pro banheiro e fiquei lá. Por muito tempo. Muito. Voltei desmilinguida

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Poucos minutos antes de aterrissarmos, comecei a suar. Estava correndo pra o banheiro que acolheu tão bem quando uma aeromoça me interrompe: “vuelve a su asiento, vamos aterrar”, ou algo assim. Eu só lembro de olhar pra ela e dizer: “não”. E quando o piloto iniciava a descida, eu iniciava outra coisa.

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Voltei, apertei o cinto e combinei com o Cléber: “Assim que essa merda parar (o avião, no caso), eu vou sair correndo. Então tu pega nossas coisas e me encontra na esteira de bagagem.” E assim foi. Saí correndo

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Fui ao banheiro mais duas vezes somente antes de as nossas malas chegarem. Imaginem como foi o resto do dia. Ou não. É melhor.

Não sei o que foi, não sei se foi algo que comi, se foi a água, se foi a pressão, se foi vírus, se foi bactéria. Mas que foi suspeito, foi. E, óbvio, não podia terminar uma viagem sem algo dar errado.

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Lugares para ver

Centro

Na verdade, deveria ter uma categoria especial chamada “lugares para comprar”. O centro de San Andres é bem agradável à noite – nem adiante ir durante o dia, não existe. Com um calçadão enorme e uma série de barzinhos, é ótimo pra uma caminhada. Mas é melhor ainda pra torrar dinheiro na Zona Franca que tanto amamos. Perfumes, cosméticos, bebidas, acessórios e usa série de coisas legais. Fiz um rancho.

Johnny Cay

É um dos lugares mais lindos que já vi na minha vida. Daquele tipo que não parece de verdade, como se estivéssemos dentro de uma fotografia. Os barcos saem em dois horários do centro, às 11h30 e às 12h50. O passeio inclui almoço.

A ilha é paradisíaca, absolutamente linda, com um mar de um azul que chega a doer, comida boa, música divertida e ótimos drinques. Sim, ali na foto não é água de coco.

Rocky Cay

É uma ilha minúscula, mas bem bonitinha. É um passeio legal, mas só se estiver no teu caminho. Não vale desviar pra isso. Nós tínhamos o privilégio de ter acesso pelo nosso hotel.

El Acuario

A ilha é, de fato, um aquário natural. Há uma série de piscinas formadas por bancos de corais e uma diversidade incrível, de peixes pequenos a ouriços-do-mar, pepinos-do-mar (bizarros) e arraias. A ilha tem uma pequena infra, que inclui barracas que oferecem comida, bebida e ainda armários (guarda-volumes) e venda e aluguel de equipamentos para mergulho. Além de um sapato de neoprene, que eu achei basante útil pra caminhar por lá.

Há um passeio de barco muito legal que ajuda a conhecer melhor a região. O fundo da embarcação é de vidro, então dá pra ver uma quantidade imensa de animais marinhos. Até eu, que tenho medinho, curti.

Nesse passeio é possível notar sete cores diferentes no mar de San Andres.

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Onde comer

Não sei mesmo, te vira. Mas os passeios incluem almoço.

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Onde ficar

Hotel Cocoplum Beach

Um hotel maravilhoso, com praia particular, de frente para a ilha Rocky Cay. Serviço impecável, quartos enormes, espaçosos e confortáveis. Café da manhã incluso e é uma delícia. Os drinques são uma perdição. Essa era a vibe, ó.

Como se movimentar

Táxi e barco no caso das ilhas, óbvio. Mas não tem muito mistério. Pergunte à gerência do seu hotel para providenciar os transportes.

Geórgia Santos

Sobre o BBB17 e a normalização da brutalidade

Geórgia Santos
10 de abril de 2017

Vamos lá, podem me chamar de esquerdopatafeminazi ou de alguma outra atrocidade delirante, mas dedo na cara não é a norma e hematoma não é marca de amor. O que aconteceu no BBB17 é a normalização da brutalidade.

Nesta semana, um dos assuntos mais comentados no país foi a agressão protagonizada por Marcos Harter durante o Big Brother Brasil. Na cena assistida por milhões de pessoas, o médico é flagrado agredindo sua namorada, Emily, verbal e fisicamente. Visivemelmente agressivo e descontrolado, ele aponta o dedo para o rosto da companheira de casa, aperta o braço e belisca a jovem de maneira bruta. Eu não acompanho o programa mas, segundo informações de quem o faz, existia um padrão de constrangimento que vinha se perpetuando entre o casal.

Por bem, após analisar as imagens e, segundo Tiago Leifert, “ouvir especialistas”, a Globo decidiu expulsar Marcos do programa. A polícia foi até a casa do BBB e tomou depoimento de todos os envolvidos no caso. Ficou comprovada a agressão.

Agora veja bem, não sou eu, não é uma esquerdopatafeminazi, não é uma louca mentirosa que está dizendo. A polícia confirmou a agressão.

     Dito isso, acho que algumas coisas precisam ser discutidas:

  1. O que é agressão?

Segundo relatos da imprensa, Emily ficou bastante impactada com a decisão e tentou justificar a ação de Marcos, afirmando que ele “estava muito nervoso”. Após a saída, ela repetiu que sabia que ele jamais tinha a intenção de machucá-la. Na mesma linha, inúmeros telespectadores ficaram consternados com a saída do “brother”, afirmando que não houve agressão e que aquilo não passava de uma discussão normal de marido e mulher e que as pessoas (leia-se feministas) estavam exagerando e que ela também era culpada.

Não, amigos e amigas. Não é normal.

Isso apenas mostra o tamanho da nossa ignorância com relação ao que é aceitável em um relacionamento, seja amoroso ou não. Não precisa de tapa na cara ou um chute para se configurar agressão, que pode ser física (e aqui se inclui a sexual) ou psicológica.

Nesse caso, houve violência física, comprovada pelos hematomas deixados no braço da vítima após ela ser apertada e beliscada; e violência psicológica, que inclui constrangimento, humilhação e manipulação, insultos, entre outras coisas. Todas observadas na imagem quando ela foi praticamente “embretada” em um canto como se fosse um animal assustado.

Então, não, não é uma briga normal de casal. E se tu vês isso com naturalidade, eu sugiro que procure ajuda, sendo homem ou mulher.

  1. Qual o limite?

Nós já definimos agressão, mesmo que superficialmente, então talvez essa pergunta pareça relativamente mais fácil de responder. Mas não é. O limite dentro de um relacionamento abusivo pode ser uma linha bastante borrada e difícil de identificar. Quando Emily tentou defender o agressor, uma das colegas de casa replicou “Talvez tu gostasse tanto dele que tu não estivesse enxergando”, disse a advogada Vivian sobre o nível da agressão. Ou seja, o limite não estava claro.

Aparentemente, nem para a TV Globo, que não considerou as imagens perturbadoras o suficiente para caracterizar como agressão. Precisou esperar a polícia.

O lance é que nós vivemos em uma sociedade machista – e o fato de tantas pessoas acharem aquela briga normal prova isso – e o discurso vigente torna essa tarefa mais difícil. Mas É possível identificar alguns sinais e entender o limite que não deve ser cruzado.

O movimento Mexeu com uma, mexeu com todas produziu um material bastante elucidativo e que pode ajudar muita gente.

É fácil encontrar justificativas para a agressividade em uma sociedade em que a brutalidade é normalizada, mas elas são todas vãs. Então, não permita que nenhuma dessas coisas aconteça a você ou a alguém que você conheça.