Voos Literários

Desligue a TV e vá ler um livro

Flávia Cunha
25 de abril de 2017

“Desligue a TV e vá ler um livro”

A frase do título era de uma campanha antiga da MTV, que causou polêmica há alguns anos. Hoje em dia, com a Internet, redes sociais e afins, a televisão está longe de ser a única responsável pela falta do hábito de leitura entre os brasileiros. De qualquer forma, me chamou a atenção uma tentativa de se falar de literatura em um programa televisivo bem popular.

A última edição do Domingão do Faustão coincidiu com o Dia Mundial do Livro e o apresentador resolveu aproveitar a data para sugerir clássicos da literatura brasileira. Eu estava zapeando bem no instante em que isso aconteceu e fiquei um tempo refletindo sobre essa atitude. Aqui vocês podem ver praticamente a íntegra do que ele falou, citando dados alarmantes já divulgados pela imprensa há algum tempo.

Mais de 40% da população brasileira não tem a leitura como hábito. Em média, os entrevistados por uma pesquisa do Instituto Pró-Livro afirmam lerem menos de cinco livros por ano.

Depois disso, sem nem respirar, Fausto Silva saiu metralhando 20 títulos de obras consideradas clássicas da literatura brasileira, de diferentes épocas. E acabou. Passou disso para as vídeo cassetadas, sem nem um fiapo de explicação ou de espontaneidade de porque ler é algo interessante ou enriquecedor.

Tudo muito rápido, muito raso, muito televisivo. Claro, a lista está na Internet para quem é curioso e foi pesquisar, como eu. Porém, mesmo sem o fator tempo incluído, o “serviço” prestado pelo programa da Globo não passa disso. Uma lista com o nome dos livros, os autores e o ano de sua publicação. Também não esclarece quem elaborou essa seleção ou a relevância dos títulos.

Alguns, são extremamente difíceis para o leitor comum contemporâneo, como Os Sertões, de Euclides da Cunha, e Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa.

De qualquer forma, é digno de nota que os clássicos literários virem tema de abordagem de um programa de auditório do tipo que ainda tem dançarinas com trajes de gosto duvidoso como assistentes de palco.

E sem “jabá”, já que não houve nenhuma editora citada durante a fala do apresentador. Abaixo,a  relação dos livros sugeridos.

A lista apresentada por Fausto Silva:

  • “Gabriela, Cravo e Canela” (1958), Jorge Amado
  • “Morte e Vida Severina” (1955), João Cabral de Melo Neto
  • “O Tempo e o Vento” (1949), Érico Veríssimo
  • “Macunaíma” (1928), Mário de Andrade
  • “O Quinze” (1930), Rachel de Queiroz
  • “O Guarani” (1857), José de Alencar
  • “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881), Machado de Assis
  • “Espumas Flutuantes” (1870), Castro Alves
  • “Crônicas Escolhidas” (1977), Rubem Braga
  • “Primeiros Cantos” (1846), Gonçalves Dias
  • “Vestido de Noiva” (1943), Nelson Rodrigues
  • “A Hora da Estrela” (1977), Clarice Lispector
  • “O Menino do Engenho” (1932), José Lins do Rego
  • “Claro Enigma” (1951), Carlos Drummond de Andrade
  • “O Auto da Compadecida” (1956), Ariano Suassuna
  • “Os Sertões” (1902), Euclides da Cunha
  • “Grande Sertão: Veredas” (1956), Guimarães Rosa
  • “Pica Pau Amarelo” (1920), Monteiro Lobato
  • “O Ateneu” (1888), Raul Pompéia
  • “Vidas Secas” (1938), Graciliano Ramos

 

Voos Literários

Mulheres Que Escrevem Sobre Mulheres

Flávia Cunha
18 de abril de 2017

Quantos livros escritos por mulheres você já leu ao longo da vida? Na escola. Para o vestibular. Na faculdade. Na vida. O tema de um curso me despertou essa inquietante questão. Logo eu, feminista. Logo eu, que me preocupo com as questões de gênero. Mas a verdade é que o próprio sistema de ensino favorece o acesso a obras criadas por homens. Tomando como exemplo a lista de leituras obrigatórias do processo seletivo da UFRGS para 2018 traz apenas duas escritoras: Carolina Maria de Jesus, com Quarto de Despejo (uma novidade nessa seleção) e Clarice Lispector, com A Hora da Estrela, que já integrava a lista.

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Por isso me interessei muito pelo tema proposto no curso Mulheres que escrevem sobre mulheres, que aborda escritoras e pesquisadoras que estudam ou escrevem sobre outras autoras

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A ministrante é a jornalista e escritora Priscila Pasko. Ela também é idealizadora, editora e repórter do blog Veredas , espaço que discute e divulga a literatura produzida por mulheres, que pertence ao site Nonada. Priscila também integra o Grupo de Pesquisa Permanente em Literatura de Autoria feminina de Porto Alegre. Também escreve no Tumblr Parece a vida mas é real.

Priscila afirma não cansar de citar a premiada escritora espanhola Antonina Rodrigo: “si no hablamos nosotras de nosotras, quién lo va a hacer?”. Antonina é considerada um ícone da literatura feminista. Escreveu diversos ensaios sobre mulheres, além de estudos históricos e biográficos.

O curso vai abordar genealogia, linhagem e ancestralidade presentes na literatura de autoria feminina, a partir de conceitos criados pela professora e pesquisadora Lélia Almeida, uma das estudiosas abordadas durante a atividade. Também serão analisadas as obras de Virginia Woolf,  Zahidè Muzart, Anna Faedrich, Camila Doval, Nubia Hanciau e Lúcia Maia, entre outras.

Eu fiquei super curiosa para saber quais outras autoras serão debatidas ao longo das três horas de atividade, que vai ser promovida no dia 13 de maio, em Porto Alegre. O curso sera realizado no Clube de Leitores, um novo espaço cultural de Porto Alegre. Para quem se interessou, a inscrição pode ser feita aqui.

Voos Literários

Os livros da vergonha (Ou parem de julgar a leitura alheia)

Flávia Cunha
11 de abril de 2017

Cinquenta Tons de Cinza. Sabrina. Júlia. Bianca. Percy Jackson. Chick Lit em geral, termo criado para denominar livros “mulherzinha”: O Diabo Veste Prada, O Diário de Bridget Jones e afins. Best-sellers à la Dan Brown e seus Códigos da Vinci da vida. Atire a primeira pedra quem nunca leu um livro de enredo raso, com conteúdo zero, por puro entretenimento.

Tem quem esconda. Tem que nem se dê conta da possibilidade de críticas por essas escolhas. E tem a pior espécie, na minha opinião: quem se incomoda com a leitura alheia. Seres que se julgam no direito de palpitar nos livros que os outros escolhem para suas horas de lazer. Me parecem estar na mesma categoria dos críticos do pensamento político alheio sem pedido de opinião, nos que querem interferir na orientação sexual de quem mal conhecem ou que desejam incutir sua fé religiosa nas pessoas goela abaixo.

Para ilustrar esse comportamento inadequado, vou contar uma história real que aconteceu comigo durante um encontro de amigos. Ao receber elogios por gostar de ler, sou interceptada pelo comentário de uma outra amiga: “Garanto que eu leio mais do que a Flávia.” Minha resposta inicial foi só dar risada, achando que era uma piada. Mas não era. Passei por um questionário sobre meus hábitos de leitura. Número de livros lido por ano e quais obras eram. Quando eu respondi que estava numa onda de ler romances policiais (como eu já expliquei aqui nesse post), a reação da minha interlocutora foi um ar de desprezo e a tentativa de dizer o quanto seu gosto literário era mais elevado. Eu, ainda surpreendida pela cena, apenas elogiei sua inteligência, disse que jamais encararia a literatura como uma competição e encerrei o assunto.

Claro que eu podia ter sido arrogante também, lembrando a essa amiga que a mestre em Literatura era eu, enquanto ela ainda não havia nem sido selecionada em uma pós-graduação. Que já havia lido quase todos os livros escritos por José Saramago e Gabriel García Márquez, por exemplo. Que havia estudado academicamente Decameron, Dom Quixote e outros clássicos literários. Que tive o privilégio de pesquisar detalhes sobre a obra de Caio Fernando Abreu para a minha dissertação, indo muito além do que é exposto sobre o escritor nas redes sociais.

Porém, preferi calar e evitar conflitos. Afinal, a vida online já é recheada de agressões e julgamentos. No modo offline, o melhor é não bater boca. E, como eu escrevi nesse texto, não acho que os clássicos sejam o único caminho para aumentar o número de leitores no Brasil. E como um ser humano que realmente não se leva muito a sério, não me sinto intimidada pelo julgamento alheio. Seja na literatura ou na vida…

Voos Literários

Os muros de São Paulo, a Literatura e Laranja Mecânica

Flávia Cunha
4 de abril de 2017

Uma treta entre o prefeito de São Paulo, João Doria, e a Amazon, depois de uma ação de publicidade da empresa nos muros da cidade, possibilitou que muita gente baixasse livros digitais de graça. Apesar de ser uma ação voltada aos moradores da capital paulistana, a promoção beneficiou usuários de todo o país.

Eu aproveitei esse momento de generosidade corporativa para baixar o livro Laranja Mecânica, de Anthony Burgess. O enredo foi consagrado no cinema pelo diretor Stanley Kubrick e mostra um futuro distópico de ultraviolência cometida por jovens delinquentes, que falam um linguajar próprio.

A experiência me deixou agradavelmente surpresa por motivos diversos. Primeiro, porque tenho um celular antigo (comprado em 2014, super ultrapassado nos nossos dias de obsolescência programada) e com um sistema operacional muito criticado por todo mundo. (não vou contar para vocês que é um windows phone, para vocês não acharem que a “blogueira” aqui é muito pobre). Apesar disso, consegui fazer download do aplicativo Kindle e ler o livro numa boa. Então, acredito que para quem tem iPhones e Androids seja ainda mais tranquila a utilização.

Outra razão para elogios é a edição muito bem feita pela editora Aleph, com uma introdução explicando a importância do texto e falando um pouco sobre a vida do escritor Anthony Burgess. Apesar de já ter lido bastante a respeito do filme, eu não tinha a mais vaga ideia das circunstâncias em que Burgess escreveu um dos maiores livros do século XX.

Nascido na Inglaterra e formado em Literatura Inglesa, ele foi diagnosticado com um tumor fatal no cérebro em 1960. Foi com a intenção de deixar uma herança para a esposa depois da sua morte que resolveu escrever de forma intensa. Foi nessa conjuntura, dois anos depois, que foi concebido Laranja Mecânica. O irônico é que o diagnóstico estava errado e o autor morreu em 1993, aos 76 anos.

Tempo suficiente para constatar a perenidade da sua criação, a história de Alex, integrante de uma gangue de adolescentes capturado pelo Estado e submetido a uma terapia de condicionamento socia. A edição da Aleph também contém observações do tradutor sobre o desafio de passar para o idioma português a escrita do Nadsat, uma gíria criada pelo escritor com influências do russo e do inglês.

A narrativa é fascinante, ao expor a violência social de forma desconcertante. Mesmo para quem assistiu ao filme, o enredo surpreende e faz a leitura valer a pena.

Voos Literários

A Literatura Mudou A Minha Vida (Várias Vezes)

Flávia Cunha
28 de março de 2017

Nas reflexões necessárias para criar os textos para esse espaço, comecei a fazer divagações do quanto ela, a Literatura, assim mesmo, com a letra L maiúscula, esteve presente em grande parte dos meus quase 40 anos de vida.

Tentando sistematizar em períodos, percebo que, mesmo antes de ser alfabetizada, eu já flertava com os textos literários, em uma paixão quase irracional.

O flagrante dessa foto foi feito por volta dos meus 3, 4 anos de idade. Eu ainda não entendia nada das histórias do Asterix e suas aventuras divertidíssimas na aldeia gaulesa resistente ao Império Romano. Mas achava a coisa mais linda do mundo sentar, muito quieta, e ficar ali olhando para aquelas páginas.

Vim de uma família de leitores compulsivos e os livros acumulavam-se pelos apartamentos em que moramos ao longo da minha infância. Eu era uma criança tímida e retraída e o único prêmio que ganhei na escola foi um diploma de primeiro lugar em leitura na biblioteca da escola estadual onde estudei.

Livro que marcou essa época: A Bolsa Amarela, Lygia Bojunga Nunes

Já pré-adolescente, passei pela minha primeira perda familiar. Meu avô materno se foi, deixando uma saudade gigante da sua presença bondosa, de seus longos bigodes brancos e cativantes olhos verdes. Acabamos indo morar no apartamento que havia sido dele e a biblioteca da casa virou meu quarto. Recordo perfeitamente das leituras de livros para adultos, escondida da supervisão de meus pais. Muitos deles eu não entendia direito, mas já percebia a predileção do meu avô por autores franceses e obras de escritores gaúchos com enredos urbanos.

Livros que marcaram essa época: Contos, de Guy de Maupassant e Noite, de Erico Verissimo. (um retrato sombrio e meio surreal de Porto Alegre, ainda é meu preferido do Erico.)

Na adolescência, a rebeldia tomou conta de mim, com a separação dos meus pais. Mas ela, a Literatura, estava lá. Meu refúgio. Segui lendo muito, porque era uma fuga saudável das agruras da vida. Sem contraindicações.

Livros que marcaram essa época: É Tarde Para Saber, de Josué Guimarães e O Apanhador no Campo de Centeio, de J.D. Salinger.

O tempo passou, me formei como jornalista e os livros seguiam na minha preferência na lista de compras, normalmente antes de roupas ou outros itens de consumo. Em 2004, entrei numa grande emissora de rádio. Muitos acharam sensacional aquela conquista. Eu dava de ombros. Estava naquela corporação tão desejada pelos profissionais da área apenas por necessidade financeira. A Cultura e a Literatura não eram a prioridade da programação da rádio e eu sofria com isso. Por não ter afinidade com o meu trabalho. Por ter que esconder essa predileção e muitas vezes ter que fingir que amava as tais hardnews, as notícias do dia a dia.

Na falta de uma nova opção profissional, me refugiei na Literatura. Primeiro, foram oficinas literárias. Depois, comecei a estudar Letras na UFRGS. Primeiro a graduação. Depois, a decisão por interromper a graduação e fazer o Mestrado em Literatura.

Livros que marcaram essa época: O Dia Em Que O Papa foi A Melo, Aldyr Garcia Schlee, Quincas Borba, de Machado de Assis.

Lá por 2011, 2012, completamente arrasada depois de anos trabalhando com algo que não gostava, pedi demissão. Os motivos de ter ficado tanto tempo na mesma empresa, suponho que vocês possam imaginar: a ilusória estabilidade da carteira assinada. Plano de saúde. Férias remuneradas. Mas a frustração era maior do que o medo e parti em busca dos meus sonhos. Depois de um tempo trabalhando por conta própria, em 2015 surgiu a chance em uma editora de livros, voltada para o público infantojuvenil. Produção editorial e produção de eventos culturais é no que trabalho atualmente. Nem sempre compensa financeiramente, mas tenho certeza que a minha musa, a Literatura, ainda vai me recompensar, depois de tanta devoção.

Voos Literários

Leitura para crianças – Investimento Certo Para O Futuro

Flávia Cunha
21 de março de 2017

Vivemos tempos estranhos no cenário sociopolítico brasileiro e mundial, mas sigo firme na convicção que se tem algo que vai mudar o mundo e garantir seres humanos melhores e mais íntegros, é o incentivo à leitura na infância. Eu já falei um pouco sobre o assunto aqui, mas resolvi fazer outro texto com sugestões de obras literárias para os pequenos escritas e publicadas no Brasil. Um pouco para tentar estimular a procura por livros nacionais, em tempos de exaustiva exposição das crianças a produtos derivados de franquias vindas de filmes hollywoodianos (entre eles, livros). Mas também porque as reminiscências me remetem a momentos muito únicos lendo livros brazucas. 

Clássicos infantis (Mas Que Seguem Atuais)

Monteiro Lobato: Tenho ressalvas na questão racial à obra do escritor, considerado o pai da Literatura Infantil Brasileira. (No aniversário de Lobato, 18 de abril, é comemorado o DIa Nacional do Livro Infantil). A figura da Tia Nastácia certamente é marcada pelo preconceito racial, ainda mais gritante do que hoje em dia lá em 1931, quando foi lançado o primeiro livro da turma do Sìtio do Pica-Pau Amarelo. Apesar disso, Reinações de Narizinho ainda merece meu respeito pela forma libertária de apresentar as personagens femininas: Dona Benta, a avó sábia e independente, Narizinho, a menina que sobe em árvores e desvenda o mundo de igual para igual com o primo Pedrinho, e, claro, a atrevida e desbocada Emília. Provavelmente foi depois de conhecer as aventuras dessa boneca de pano atrevida que comecei a questionar a autoridade dos adultos.

Bônus: Menino Maluquinho, do Ziraldo, Marcelo Marmelo Martelo, da Ruth Rocha, e Pluft, o Fantasminha, de Maria Clara Machado.

Autores Para Adultos Que Também Têm Obras Para Crianças

Érico Verissimo: No total, o escritor consagrado por obras como O Tempo e O Vento e Olhai Os Lírios no Campo, escreveu seis livros para o público infantil. Meu preferido é O Urso com Música na Barriga, uma história encantadora de como tratar com as diferenças. Um dos livros virou filme: As Aventuras do Avião Vermelho.

Bônus: O Mistério do Coelho Pensante e A Mulher Que Matou os Peixes, de Clarice Lispector, As Gêmeas de Moscou, de Luis Fernando Verissimo.

Para Crianças Moderninhas (Com Famílias Que Querem Estimular Esse Lado Libertário)

Por Meio da Música: A coleção Rock Para Pequenos, foi idealizada pelos donos da editora independente brasileira Ideal. O casal Felipe Gasnier e Maria Maier convidaram a escritora Laura D. Macoriello para selecionar os “personagens” dos três volumes e o designer Lucas Dutra para ilustrar os três livros. De Chuck Berry a Rita Lee, as obras buscam agradar roqueirinhos e roqueirões.

Pela igualdade de gênero: A escritora e ilustradora Pri Ferrari criou o livro Coisa de Menina, onde questiona os padrões de comportamentos impostos às crianças de ambos os sexos.  “Por que ainda dizem por aí que certas coisas não são apropriadas para as mulheres”, questiona a autora na apresentação da obra.

Voos Literários

Tem uma receita para crianças gostarem de ler?

Flávia Cunha
14 de março de 2017

Eu não sou mãe, mas tenho muitos amigos e amigas com filhos. A missão inclui inúmeras facetas, mas criar nos pequenos o hábito da leitura é uma preocupação constante em vários pais e mães que conheço. Ironicamente, a apreensão é maior entre aqueles que não tem a literatura como paixão.

Mas, se não for pelo exemplo, como fazer uma criança gostar de ler? Ou, antes disso, qual seria o objetivo de ter a leitura como hábito, em uma sociedade cada vez mais preocupada com a aplicação prática de qualquer atividade?

Incluir a leitura na rotina desde cedo ajuda as crianças a terem mais criatividade e capacidade de reflexão, mesmo antes de serem alfabetizadas. Livros ilustrados ajudam nessa “viagem” que os pequenos fazem, inventando novas histórias a partir dos desenhos. Depois, vem a fase de contar (e recontar) as histórias, muito importante para fortalecer laços entre adultos e crianças. Que pode, aliás, ser uma atividade prazerosa em qualquer horário do dia e não apenas na hora de dormir, como manda a tradição.

Vale prevenir que obviamente ninguém vai começar a gostar de ler na marra. Aliás, acho que a leitura fora da escola não deveria nunca ser algo imposto, mas visto como mais uma atividade bacana para fazer nas horas vagas, como ir ao cinema, ao teatro infantil, ao parque de diversões… Tudo é uma questão de como apresentar os livros às crianças.

Mas se a criança não gosta mesmo de ler, seguem algumas sugestões.

Para os pequenos que curtem cinema:

  • Apresente as diversas versões em livro de sucessos do cinema: Harry Potter, Jogos Vorazes, Alice no País das Maravilhas… As opções são muitas, basta dar uma pesquisa básica.

Se a criança é viciada em games:

  • Dê de presente livros baseados em games, como os da série Minecraft. Aqui tem uma matéria completa sobre o assunto.

Para meninas e meninos que gostam de música:

  • Apresente livros infantis como os de Bob Dylan, por exemplo. E já comece a incentivar o bom gosto musical desde cedo.

Para crianças ligadas no tema desconstrução de gêneros e incentivo ao girl power:

  • Meus preferidos são os livros da coleção Antiprincesas, com biografias voltadas para o público infantil de nomes como Frida Kahlo e Clarice Lispector. Aqui tem mais sugestões de obras nessa mesma linha.

Na semana que vem, darei uns palpites a respeito de livros infantojuvenis brasileiros. Tem muita coisa boa!!

 

Voos Literários

Respeita As Minas (Na Literatura e Em Qualquer Lugar)

Flávia Cunha
7 de março de 2017

Se tem um termo que incomoda grande parte das escritoras é ter sua obra denominada como literatura feminina. O rótulo particularmente me remete a uma moça muito comportada, vestida com babados e frufrus, escrevendo sobre corações partidos, fragilidades e futilidades. No outro extremo, caso fosse usual a classificação literatura masculina, acabaria parecendo inaceitável que houvesse sensibilidade nos textos literários escritos por homens.

Em pleno século 21, o feminismo ainda é uma das bandeiras que precisam estar em evidência, para evitar a desigualdade entre homens e mulheres, em um mundo que já abriu espaço para orientações sexuais diversas e debates de temas considerados polêmicos por muitos, como aborto, por exemplo. Nesse contexto, a literatura dita feminista é um instrumento fundamental para o empoderamento feminino, um conceito que muitas vezes desperta antipatia por parte das pessoas mais conservadoras.

Uma das escritoras mais representativas dessa vertente é a gaúcha radicada em São Paulo Clara Averbuck. Na época do surgimento dos blogs, Clara apresentou aos internautas seus textos densos e diretos, abordando temas como sexo, bebidas e drogas na perspectiva de uma mulher forte e sem frescuras. Em 2002, a escritora lançou sua primeira obra Máquina de Pinball, em que aparece sua personagem mais famosa, Camila. A protagonista desse livro acabou indo parar no cinema, em uma adaptação que não agradou a escritora.

Com o passar dos anos, Clara consolidou sua luta feminista, presente no site Lugar de Mulher, no qual é uma das editoras. Também tem uma presença constante nas redes sociais, com posicionamentos políticos e relatos sinceros sobre o cotidiano de uma escritora sem grana no Brasil: viver de frilas para pagar o aluguel, como criar uma filha adolescente sozinha e sua angústia ao receber diariamente relatos de abusos sofridos por outras mulheres, sentindo-se muitas vezes impotente para dar uma real ajuda a essas manas.

Seu livro mais recente, Toureando o Diabo, traz o retorno da personagem Camila, mais amadurecida e com ideais declaradamente feministas. Não é à toa que a obra é dedicada “às minas – todas elas”. Publicado de forma independente, por meio de financiamento coletivo, o livro tem coautoria da ilustradora Eva Uviedo e pode ser comprado aqui.

Do fim dos anos 40, quando Simone de Beauvoir chocou a sociedade com seu ensaio filosófico O Segundo Sexo (que eu recomendo fortemente a leitura), até os dias atuais, o lugar da mulher é mesmo aonde ela quiser. Inclusive fora de rótulos reducionistas como literatura feminina.

(PS: Certamente falaremos sobre mulheres na literatura em muitos outros posts do blog Voos Literários. Mas o dia 8 de março é marcado por lutas extremamente significativas das mulheres e não como um dia de comemorações. Esse texto é uma singela homenagem a todas as mulheres que enfrentam qualquer tipo de discriminação ou opressão em suas vidas.)

Voos Literários

Tem ziriguidum na literatura brasileira

Flávia Cunha
28 de fevereiro de 2017

“Vadinho, o primeiro marido de Dona Flor, morreu num domingo de Carnaval, pela manhã, quando, fantasiado de baiana, sambava num bloco, na maior animação, no Largo Dois de Julho, não longe de sua casa. Não pertencia ao bloco, acabara de nele misturar-se, em companhia de mais quatro amigos, todos com traje de baiana, e vinham de um bar no Cabeça, onde o uísque correra farto à custa de um certo Moyses Alves, fazendeiro de cacau, rico e perdulário.”

Assim começa o romance Dona Flor e Seus Dois Maridos, do baiano Jorge Amado. Essa forma de apresentação de um dos personagens principais é considerada por especialistas em literatura uma das qualidades do livro. O leitor é levado imediatamente ao centro da trama e consegue visualizar como é Vadinho, com sua malandragem e boemia, por meio do relato da sua morte em plena manhã de Carnaval.

Não apenas pelo seu início, mas pelo encadeamento bem estruturado ao longo de quase 500 páginas (dependendo da edição), essa é uma das obras de maior sucesso de Jorge Amado, tendo obtido igual popularidade no cinema, teatro e televisão.

Conhecido por exalar brasilidade em seus textos, o escritor baiano lançou-se no gênero romance com outro livro que fala da festa de Momo: O País do Carnaval. A obra foi lançada em 1931, quando Jorge Amado tinha apenas 18 anos, e conta a história de um jovem que retorna ao Brasil depois de passar anos estudando na Europa. Filho de um rico produtor de cacau, o protagonista tem uma postura crítica em relação ao Carnaval, por considerar que a folia traz alienação ao povo. Considerado subversivo na época da ditadura de Getúlio Vargas, o livro foi queimado em praça pública, assim como outras obras do escritor, que teve uma reconhecida trajetória na militância comunista.

Outro texto literário que tem como tema o Carnaval é o conto Terça-Feira Gorda, de Caio Fernando Abreu. O escritor gaúcho, conhecido por sua prosa urbana e nada ligada às tradições brasileiras, usa o contexto de um baile de carnaval para narrar o envolvimento afetivo entre dois homens, que acabam sendo perseguidos e agredidos devido ao preconceito. O conto integra o livro Morangos Mofados, lançado na década de 1980, quando o tema da homofobia ainda era pouco comentado na mídia e na literatura.

Outras obras

Para passar a régua e fechar a conta desse Carnaval 2017, mesmo para quem não tem samba no pé como eu, seguem mais algumas indicações de livros que abordam de alguma forma o Carnaval:

  • Antes do Baile Verde, Lygia Fagundes Telles (lançado em 1970, com reedição da Companhia das Letras)
  • O Jovem Noel Rosa, Guca Domenico (Editora Nova Alexandria)
  • Orfeu da Conceição, Vinicius de Moraes (estreou no teatro em 1956 e conta com edição atualizada da Companhia de Bolso)
Voos Literários

Raduan Nassar e o prêmio literário que virou manchete

Flávia Cunha
21 de fevereiro de 2017

Mesmo quem não gosta especialmente de literatura, deve ter ficado sabendo sobre a polêmica envolvendo a cerimônia de entrega do Prêmio Camões a Raduan Nassar. Muito já foi noticiado sobre o discurso do escritor, que transformou-se em uma manifestação política contra o governo de Michel Temer e a reação do ministro da Cultura, Roberto Freire, que criticou Nassar e acabou batendo boca com a plateia.

Não é de espantar que Raduan Nassar tenha se posicionado politicamente durante a cerimônia de entrega do prêmio literário, já que na época do impeachment ele manifestou-se publicamente e por diversas vezes contra a saída de Dilma Rousseff da presidência da República. O que é lamentável no episódio é que a literatura, que deveria ser a protagonista do evento, tornou-se mera coadjuvante.

“Os internautas contrários à atitude do escritor dispararam críticas a seus livros, sem nem saberem direito quem era aquele senhor”

As redes sociais, como costuma acontecer nesse tipo de episódio, transformou-se em uma grande arena de batalha entre coxinhas e mortadelas, petralhas e golpistas, ou como vocês aí que me lêem preferirem chamar os antagonistas do atual panorama político brasileiro. Os internautas contrários à atitude do escritor dispararam críticas a seus livros, sem nem saberem direito quem era aquele senhor de 82 anos agraciado com um dos maiores prêmios literários concedidos a escritores da Língua Portuguesa.

Então, vou colocar alguns pingos nos “is” que julgo necessários.

Quem é Raduan Nassar

Raduan Nassar é considerado (ao menos por grande parte dos especialistas em literatura) um dos maiores escritores brasileiros vivos. Sua obra não é extensa, é formada basicamente pelo romance Lavoura Arcaica, pela novela Um Copo de Cólera e pelo livro de contos Menina a Caminho. Desses três, eu li Lavoura Arcaica e realmente não me chamou a atenção, pura questão de gosto. Porém, ao pesquisar a respeito da obra, soube que é premiadíssima, tendo ganho o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, entre outras distinções.

Para concluir a polêmica da escolha de Raduan Nassar com o Prêmio Camões, cabe destacar: a escolha foi feita ainda durante o governo Dilma, em maio de 2016. Dizem que a entrega foi adiada ao máximo pelo governo atual, porém não passam de especulações. É bom destacar que o prêmio foi criado em 1988 pelos governos de Brasil e Portugal e já foi concedido a grandes nomes da literatura: José Saramago, Jorge Amado, Mia Couto, Lygia Fagundes Telles etc. Nesses muitos anos de premiações para quem escreve em língua portuguesa, a reclamação é de que poucos autores africanos foram contemplados. Mas isso é discussão para outro texto do Voos Literários: a pouca visibilidade no Brasil e em Portugal da produção literária dos países africanos de língua portuguesa. Essa polêmica acho difícil vocês assistirem no Jornal Nacional.

Para ir além

  • Trailer oficial de Um Copo de Coléra, filme baseado no livro de Nassar

  • Trailer oficial de Lavoura Arcaica, outra adaptação cinematográfica da obra de Nassar