Voos Literários

Os livros da vergonha (Ou parem de julgar a leitura alheia)

Flávia Cunha
11 de abril de 2017

Cinquenta Tons de Cinza. Sabrina. Júlia. Bianca. Percy Jackson. Chick Lit em geral, termo criado para denominar livros “mulherzinha”: O Diabo Veste Prada, O Diário de Bridget Jones e afins. Best-sellers à la Dan Brown e seus Códigos da Vinci da vida. Atire a primeira pedra quem nunca leu um livro de enredo raso, com conteúdo zero, por puro entretenimento.

Tem quem esconda. Tem que nem se dê conta da possibilidade de críticas por essas escolhas. E tem a pior espécie, na minha opinião: quem se incomoda com a leitura alheia. Seres que se julgam no direito de palpitar nos livros que os outros escolhem para suas horas de lazer. Me parecem estar na mesma categoria dos críticos do pensamento político alheio sem pedido de opinião, nos que querem interferir na orientação sexual de quem mal conhecem ou que desejam incutir sua fé religiosa nas pessoas goela abaixo.

Para ilustrar esse comportamento inadequado, vou contar uma história real que aconteceu comigo durante um encontro de amigos. Ao receber elogios por gostar de ler, sou interceptada pelo comentário de uma outra amiga: “Garanto que eu leio mais do que a Flávia.” Minha resposta inicial foi só dar risada, achando que era uma piada. Mas não era. Passei por um questionário sobre meus hábitos de leitura. Número de livros lido por ano e quais obras eram. Quando eu respondi que estava numa onda de ler romances policiais (como eu já expliquei aqui nesse post), a reação da minha interlocutora foi um ar de desprezo e a tentativa de dizer o quanto seu gosto literário era mais elevado. Eu, ainda surpreendida pela cena, apenas elogiei sua inteligência, disse que jamais encararia a literatura como uma competição e encerrei o assunto.

Claro que eu podia ter sido arrogante também, lembrando a essa amiga que a mestre em Literatura era eu, enquanto ela ainda não havia nem sido selecionada em uma pós-graduação. Que já havia lido quase todos os livros escritos por José Saramago e Gabriel García Márquez, por exemplo. Que havia estudado academicamente Decameron, Dom Quixote e outros clássicos literários. Que tive o privilégio de pesquisar detalhes sobre a obra de Caio Fernando Abreu para a minha dissertação, indo muito além do que é exposto sobre o escritor nas redes sociais.

Porém, preferi calar e evitar conflitos. Afinal, a vida online já é recheada de agressões e julgamentos. No modo offline, o melhor é não bater boca. E, como eu escrevi nesse texto, não acho que os clássicos sejam o único caminho para aumentar o número de leitores no Brasil. E como um ser humano que realmente não se leva muito a sério, não me sinto intimidada pelo julgamento alheio. Seja na literatura ou na vida…