Voos Literários

Fome de verdade

Flávia Cunha
23 de julho de 2019

Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira”

Bolsonaro, Jair – julho de 2019

No imaginário brasileiro, políticos mentem durante as campanhas eleitorais. Ao chegarem ao poder, precisariam respeitar o cargo que ocupam e ter um pouco mais de cuidado em suas declarações. Não é o que acontece desde janeiro de 2019 no Brasil. As reiteradas falas públicas do presidente da República são descuidadas e parecem ainda partir do deputado do baixo clero que era “polêmico”, para se dizer o mínimo.

A última declaração para jornalistas sobre a fome foi remendada no mesmo dia, com a alegação de que  “uma pequena parte (dos brasileiros) passa fome”. Sabemos que Bolsonaro não gosta de dados estatísticos, mas em momentos com esse, facilitaria muito se os assessores do presidente o orientassem sobre a importância de citar pesquisas idôneas ou ao menos se inteirar sobre o assunto para saber que pessoas com sobrepeso podem estar desnutridas, por exemplo.

Uma revista de circulação nacional da grande mídia chegou a fazer uma matéria com os dados estatísticos que contradizem a afirmação falsa do presidente. Para quem se interessar, é só acessar aqui.

Para além da declaração desastrosa do presidente da República, o problema da fome, no Brasil e no mundo, precisa ser compreendido por quem tem acesso a todas as refeições do dia sem precisar ter preocupação alguma.  Por isso, selecionei dois livros sobre o assunto.

O primeiro é bastante didático, e poderia ser uma leitura importante para Bolsonaro e seus seguidores. O que é fome, Ricardo Abramovay, de 1985, ainda segue bastante atual e é fundamental para entender o assunto (e não sair disparando desinformação por aí.):

A angústia que a refeição de amanhã representa hoje para centenas de milhões de seres humanos é sem dúvida o maior escândalo já conhecido no planeta, desde a fatal mordida da maçã. Por que motivo tanta gente passa fome? Por falta de comida diria o conselheiro Acácio. Por incrível que pareça, sua resposta está longe da realidade: nos dias de hoje não se pode mais identificar a fome e escassez. Ao contrário, os subalimentados que nos cercam (e que constituem quase a metade da nossa espécie) vivem num mundo de fartura e sobretudo desperdício. 

Já em Agonia da Fome, Maria do Carmo Soares de Freitas faz, a partir de um estudo de caso em uma comunidade periférica e faminta no estado da Bahia, um alerta para as autoridades:

A condição de fome, como uma das mais terríveis experiências da vida, vem confirmar a necessidade de ações políticas mais amplas do que a doação de alimentos pelos serviços de saúde para uma população concebida como “vulnerável” aos efeitos da fome crônica. Uma complementação estaria em ações que manifestem a importância da reversão dos sentidos de fome a partir da valorização social do sujeito, associado a mudanças estruturais na sociedade que produz fome. Com esse caminho, a conquista da cidadania estaria mais próxima de cada pessoa, e certamente poderia libertar-se da fome, esse espectro que ameaça a vida e interrompe qualquer sonho humano.”

A declaração  de Bolsonaro sobre a fome gerou indignação principalmente entre os integrantes da sociedade civil que se mobilizam sem apoio do poder público para tentar reduzir esse problema no país. Uma das entidades que lançou uma nota de repúdio nas redes sociais são os Cozinheiros do Bem, uma ONG que serve refeições para pessoas em situação de rua embaixo de viadutos em Porto Alegre (RS).  Abaixo, um trecho do texto:

“Lutamos contra a fome 365 dias por ano. É inevitável não externarmos nossa opinião. Repudiamos a mentira vomitada pelo homem que lidera nosso país e por isso aqui vão alguns números. 9 milhões de brasileiros entre 0 e 14 anos vivem em situação de extrema probreza (fundação Abrinq). Há no Brasil 207 mil crianças menores de 5 anos com desnutrição grave ( Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional do Ministério da Saúde – Sisvan). 6 em cada 10 crianças no Brasil vivem na pobreza ( Unicef). Com 1/4 da comida que vai para o lixo acabaríamos com a fome no planeta (ONU).

Não importa se você é direita ou esquerda. Tá na hora de entender que essa classe política alienada e fascista NÃO GOSTA DE POBRE!”

Na íntegra desse manifesto também tem a forma de ajudar os Cozinheiros do Bem a seguirem fazendo um trabalho que entra em uma lacuna do poder público.

Fotos: Reprodução/Facebook Cozinheiros do Bem

Voos Literários

O rock também é (e deve ser) feminino

Flávia Cunha
16 de julho de 2019
UNITED STATES - DECEMBER 28: BOTTOMLINE Photo of Patti SMITH (Photo by Richard E. Aaron/Redferns)

Quando voltamos a Nova York, pusemos um anúncio no Village Voice procurando um guitarrista. A maioria dos guitarristas que apareceu já parecia saber o que queria fazer, ou como gostaria de soar, e quase nenhum deles, homens, muito interessado em ter uma garota como líder. “

Assim Patti Smith descreve, na autobiografia Só Garotos, o início de sua carreira musical como uma das precursoras do punk no início da década de 1970. O panorama para as mulheres no rock no século 21 infelizmente ainda guarda semelhança com essa época. Os roqueiros parecem poucos interessados em perceber que lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive liderando uma banda.

A poetisa do punk, como ficou conhecida, sempre rompeu barreiras. Como em seu estilo de vestir, com seu modo visceral de expressar-se na escrita, nas artes visuais e na música. Também com  sua relação nada convencional com o primeiro marido, o fotógrafo Robert Mapplethorpe, que, depois do fim do relacionamento amoroso com ela, assumiu sua homossexualidade mas manteve-se como uma figura querida e importante em sua trajetória artística e pessoal, até sua morte, em 1989.

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Conforme relata  em Só Garotos, Patti Smith nunca se imaginou como uma cantora e não compreendia porque seu estilo chamava a atenção. Como na vez em que resolveu cortar seu próprio semelhante a um dos integrantes da banda Rolling Stones:

Meu cabelo de Keith Richards era de fato um ímã de significados. Pensei nas garotas que conheci na época da escola. Elas sonhavam em ser cantoras e acabavam virando cabeleireiras. Eu não sonhava com nenhuma das duas vocações, mas nas semanas seguintes acabaria cortando o cabelo de muita gente e cantando no La MaMa. Alguém no Max’s [bar famoso no underground novaiorquino da época] me perguntou se eu era andrógina. Perguntei o que era aquilo. ‘Você sabe, como Mick Jagger.’ Imaginei que deveria ser algo interessante. Achei que a palavra fosse alguma coisa ao mesmo tempo bonita e feia. O que quer que significasse, com um simples corte de cabelo, milagrosamente, virei andrógina da noite para o dia.”

O livro Só Garotos, como toda a obra bem escrita, tem várias camadas e possibilidades de análise. Hoje, escolhi, em homenagem ao Dia Mundial do Rock, celebrado no Brasil em 13 de julho, dar enfoque à força e ao pioneirismo de Patti Smith na música. Após se recuperar emocionalmente de perdas como a de Mapplethorpe, do marido Fred Smith (ex-guitarrista da banda de rock MC5) e de um de seus irmãos, Patti retomou a carreira artística. 

E os brasileiros poderão conferir ao vivo o ativismo político e as músicas da artista no Popload Festival, em 15 de novembro, Como uma fervorosa defensora das causas ambientais, já podemos imaginar que seu show deve trazer críticas ao governo brasileiro. Com toda essa história de vida, espero que esse posicionamento não surpreenda espectadores desavisados, como aconteceu recentemente com Roger Waters.

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Com seus 72 anos, Patti Smith segue sendo um exemplo para mulheres no mundo inteiro

Longa vida à poetisa do punk

Bônus: Além de Só Garotos, recomendo a leitura de Linha M, livro no qual Patti Smith descreve – de forma intimista mas com lirismo – a solidão, o luto e o amor à fotografia e à poesia. Além de demonstrar ser uma inveterada fã de café e séries policiais televisivas,  Gente como a gente, sem falsos intelectualismos. 

Fotos: Reprodução/Internet

 

Voos Literários

Chega de Saudade

Flávia Cunha
9 de julho de 2019

João Gilberto se foi, deixando uma lacuna na cultura brasileira. Porque é inegável seu legado ao reinventar o jeito de cantar no país, além de dar status internacional para composições da Bossa Nova. É um fato inquestionável em 2019. 

Mas em 1958 o cenário era diferente. Era uma revolução aquela voz “pequena”, tão diferente do vozeirão dos cantores de sucesso do samba-canção, gênero consagrado no Brasil da época. A tal novidade impactou jovens (entre eles, famosos ainda desconhecidos na época, como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque), mas gerou estranheza entre os conservadores. Ruy Castro conta, em Chega de Saudade – A História e As Histórias da Bossa Nova, que o gerente da principal loja de discos de São Paulo reagiu mal ao ouvir pela primeira vez a canção homônima, gravada em um compacto com duas faixas:

Por que gravam cantores resfriados?”, rugiu. Não esperou a música terminar e não chegou a ouvir “Bim bom”. Tirou o disco do prato, pronunciou a célebre frase — “Então, é esta a merda que o Rio nos manda?” — e quebrou-o na quina da mesa. 

No Brasil de 2019, tem muita gente agindo como esse gerente, ao preferir reverenciar “ritmos” ultrapassados como a defesa do trabalho infantil, o preconceito disfarçado de opinião e o elitismo travestido de cidadania do bem. Não entendem que por mais que se sintam ultrajados, as bossas novas (musicais e sociais) sempre aparecerão para revolucionar a sociedade e o modo de pensar dos caretas.

Foto: /Divulgação

Voos Literários

Democracia em Vertigem – a busca por uma citação literária

Flávia Cunha
2 de julho de 2019

“Um escritor grego disse que a democracia só funciona quando os ricos se sentem ameaçados. Caso contrário, a oligarquia toma o poder.”

 

Essa frase de Democracia em Vertigem ficou na minha mente durante dias. Não só pelo conteúdo contundente, mas pela curiosidade gerada ao não citar o nome do autor, um detalhe pequeno em meio a um documentário que tem gerado tanta controvérsia.  Petra Costa, diretora e roteirista do filme, tem enfrentado críticas da própria esquerda ao fazer uma análise bem pessoal sobre a política brasileira. 

Mas aquela frase havia virado uma obsessão pessoal. Eu precisava descobrir sua autoria, movida pela pura e simples curiosidade.

Em um primeiro momento, achei que seria fácil descobrir a origem da citação. Só jogar no oráculo Google e pronto. Ledo engano. Não havia referências claras a partir das palavras usadas na locução em off. Depois fui para as redes sociais e perguntei para meus amigos se alguém sabia identificar a autoria. Ninguém se arriscava a dizer. Perguntei para formados em Filosofia, Ciência Política,  Comunicação… Nenhuma resposta conclusiva.

Então prossegui nas minhas pesquisas solitárias na Internet, tentando achar alguma conexão da Grécia Antiga com a reflexão sobre a democracia precisar ser temida pelos mais favorecidos economicamente para realmente funcionar como sistema político. E fui me deparando com informações interessantes para conectarmos com o Brasil atual.

Filósofos como Sócrates e Platão, por exemplo, eram grandes críticos da Democracia. Isso me surpreendeu, apesar de saber o quanto a democracia grega se diferenciava  do modelo democrático atual, ao não incluir como eleitores mulheres, estrangeiros e escravos, por exemplo. Porém, não deixa de ser interessante que grandes filósofos considerassem a aristocracia um regime político mais adequado. 

Mas foi nas pesquisas sobre os grandes defensores da democracia grega clássica que deparei com informações mais curiosas. Sólon, um dos legisladores mais famosos de Atenas, promoveu, a partir de 594 a.C., mudanças estruturais como o fim da escravidão por dívidas. Porém, enfrentou críticas tanto dos mais ricos, que não gostaram das alterações propostas, quanto dos mais pobres, que defendiam medidas como a  reforma agrária para ter uma sociedade mais igualitária.

No século V a.C., o estadista Péricles foi acusado de populista ao favorecer quem tinha menos dinheiro. Entre suas medidas consideradas populistas, estava a de proporcionar aos pobres entrada gratuita para espetáculos teatrais em Atenas, com o Estado bancando os ingressos. Além disso, tentou colocar em prática leis que favoreciam o acesso das classes mais baixas ao sistema político democrático, o que era proibido por questões financeiras.

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Resumindo:

A luta de classes (acusada por conservadores atuais de de ser uma “invenção marxista”) já existia na Grécia Antiga e filósofos como Sócrates e Platão eram críticos da democracia justamente por considerá-la um regime político propenso a esse tipo de tensão entre ricos e pobres. Políticos que tentavam ajudar os menos favorecidos eram acusados de populistas (Eram? São?). E os ricos tentavam manter seus privilégios, como sempre.

O escritor grego – ainda desconhecido para mim – citado em Democracia em Vertigem,  parece ter mesmo razão. 

Encerro esse texto com a citação completa de Petra Costa e torcendo para que encontremos esperança em meio à vertigem:

Um escritor grego disse que a democracia só funciona quando os ricos se sentem ameaçados. Caso contrário, a oligarquia toma o poder. De pai pra filho, de filho pra neto, de neto pra bisneto e assim sucessivamente. Somos uma república de famílias. Umas controla as mídias, outras, os bancos. Elas possuem a areia, o cimento, a pedra e o ferro. E, de vez em quando, acontece delas se cansarem da democracia, do Estado de Direito. Como lidar com a vertigem de ser lançado em um futuro que parece tão sombrio quanto o nosso passado mais obscuro? O que fazer quando a máscara da civilidade cai e o que se revela é uma imagem ainda mais assustadora de nós mesmos?”

Foto: Netflix/Divulgação

Voos Literários

3 livros sobre a relação entre comida e emoções

Flávia Cunha
25 de junho de 2019

Ansiedade é um dos sintomas mais comuns dessa nossa pós-modernidade. Muito trabalho, pouco dinheiro, reforma da Previdência, Vaza-jato, cobranças de todo o tipo via whatsapp, os amigos todos felizes nas redes sociais e aquela sensação interna de solidão. Como lidar com tudo isso? 

Tem gente que “desconta” na comida.  Vamos como alguns livros mostram a relação entre gastronomia e emoções, de diferentes formas.

COMIDA EM EXCESSO PARA FICAR INVISÍVEL

Quem diria que Shonda Rhimes, a poderosa roteirista e produtora de sucessos como Grey’s Anatomy, Scandal e How to get away with murder, seria acometida de males como insegurança e ansiedade? Em O Ano Em Que Eu Disse Sim, a criadora da Shondaland faz sinceras reflexões e revelações sobre o seu modo de reagir à pressão da indústria do entretenimento, muito longe da fortaleza que sua imagem pública poderia transparecer.

No trecho abaixo, Shonda Rhimes se dá conta de como usa os alimentos como um instrumento para fugir de seus problemas e como é difícil admitir que está insatisfeita com a obesidade:

A feminista dentro de mim não queria ter a discussão consigo mesma. Eu me ressentia da necessidade de conversar sobre peso. Sentia como se estivesse me julgando em relação à aparência. Parecia fútil. Parecia misógino. Parecia… traição, o fato de eu me importar. Meu corpo é  apenas o recipiente no qual carrego meu cérebro por aí. […] Meucorpo é apenas o recipiente no qual carrego meu cérebro por aí. Eu dizia enquanto comia potes de sorvete. Eu dizia enquanto comia pizzas inteiras. […]  A timidez. A introversão. As camadas de gordura. Sou uma escritora bastante nerd que, aparentemente, da noite para o dia, se tornou… bem, famosa. […] E as pessoas começaram a conhecer meu nome e a reconhecer meu rosto. E com isso vem muita atenção. Eu não queria que me olhassem. Não me sentia bem em ser vista. Só queria escrever e andar com os mesmos amigos com quem sempre andei e ser deixada em paz. Como se alcança isso nesta cidade? Seu corpo se torna um recipiente para o cérebro. Era um sistema de segurança muito bom.”

COZINHAR PARA FUGIR DOS PROBLEMAS

Não se esqueça de Paris, de Deborah Mckinlay, aborda a curiosa amizade à distância entre um escritor famoso em um momento de bloqueio criativo e uma solitária fã que sofre de síndrome do pânico. Em comum, o hábito de elaborar pratos sofisticados no dia a dia, como uma forma de refugiar-se da realidade.

Digitou algumas palavras e parou. Depois ficou sentado sem se mover por um instante, lutando contra o bloqueio. Em seguida, agitou os dedos e decidiu que já era tarde, que estava cansado, e releu a carta de Eve sobre as ameixas. Era sua favorita até o momento, além de ser a mais longa. Parecia estranho como a correspondência com Eve, apesar de tão recente, estava se tornando rapidamente uma parte significativa de sua vida. Ao ler as cartas, ele entrava em contato consigo mesmo, com sua melhor parte. Sentia no papel timbrado o aroma agradável e fresco de ervas. Jack queria consolidar a amizade. Aprofundá-la. Então, à uma hora da manhã, escreveu: ‘Cozinhar é o que eu faço de melhor. Quando escrevo, consigo atravessar a linha de chegada com tranquilidade, mas sem nenhum estilo específico. E, com pessoas, tendo a tropeçar no primeiro obstáculo.”

SENTINDO AS EMOÇÕES DE QUEM COZINHA

Em A Peculiar Tristeza Guardada num Bolo de Limão, de Aimee Bender, acompanhamos a trajetória da protagonista Rosie e sua relação com sua família disfuncional. O enredo começa quando a personagem, ainda criança, ganha de presente de aniversário um bolo feito pela mãe. É o momento em se dá conta de sua peculiar habilidade de perceber os sentimentos de quem preparou os alimentos:

Eu podia sentir claramente o sabor do chocolate, mas nos recantos da boca, e, como se estivesse se expandindo e abrindo, parecia que ela também se enchia com o sabor da pequenez, da sensação de encolhimento, de irritação, um sabor de distanciamento que eu de algum modo sabia que estava ligado à minha mãe. Era um sabor confuso do raciocínio dela, em espiral, quase como se eu pudesse sentir o sabor do ranger de seus dentes que dava origem à enxaqueca que a obrigava a tomar tantas aspirinas quantas fossem necessárias, todo um estoque de aspirinas no criado-mudo, como algo que faltasse no que ela dissera: “Vou só me deitar um pouco…”. Não era um gosto ruim, mas havia uma espécie de ausência da perfeição dos sabores, o que fazia com que o bolo parecesse oco, como se o limão e o chocolate estivessem apenas envolvendo o vazio. As mãos habilidosas de minha mãe fizeram o bolo e sua mente soubera como equilibrar os ingredientes, mas ela não estava lá, quero dizer, no bolo.”

RELAÇÃO SAUDÁVEL COM A COMIDA

Volto ao incrível O Ano Em que Eu Disse Sim para concluir esse texto de forma positiva. Shonda Rhimes relata que resolveu exercitar-se e ter uma alimentação mais equilibrada, o que resultou em uma autoconfiança maior para lidar com a fama:

Não há problema em querer ser vista. Não há problema em gostar de ser vista. Sou vista. […] E gosto do que vejo ali. Aquela garota parece feliz. Só foi preciso o tipo certo de ‘sim’. E  salada. Ah, sim. Betsy [a personal trainer] estava certa. Ajuda mesmo se treinar para gostar de saladas. Odeio quando ela está certa.”

  • PS: Esse texto não é uma apologia ao corpo perfeito muito menos à anorexia ou bulimia. Mas um alerta singelo para a busca de uma relação equilibrada entre saborear os alimentos e aceitação corporal. Se sentir que algo não vai bem nesse quesito, procure um especialista. Pode ser um médico ou um psicólogo. O importante é não sofrer em silêncio.

Foto: Engin Akyurt/Pexels.com

Voos Literários

Lorca e a homofobia do passado (e do presente)

Flávia Cunha
18 de junho de 2019

Muitos intelectuais do século 19 e 20 viveram no armário. Alguns do século 21 ainda vivem, com receio de expor sua sexualidade em uma sociedade em parte conservadora, apesar dos inegáveis avanços da pauta LGBT, como a decisão do STF que criminaliza a homofobia e a transfobia.

Ainda existem vozes contrárias, como a de líderes religiosos que evocam a “liberdade de expressão” para continuar pregando que a homossexualidade é pecado. Isso seguirá liberado, apesar da decisão do Supremo. O que está proibido é incitar a violência contra a comunidade LGBT, pelo simples fato de existirem.

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Lamentavelmente, os crimes de ódio contra gays ocorrem há muito tempo e uma dessas possíveis vítimas é o escritor espanhol Federico García Lorca

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Digo possível porque sua execução durante a Guerra Civil espanhola é cercada de controvérsias. Investigações mais recentes apontam que talvez não tenham sido os fascistas os responsáveis pela morte de Lorca, mas que poderia se tratar de uma briga familiar em torno de terras. De qualquer forma, seja lá quem foram seus executores, o que pairou no ar na época de sua morte (1936) e segue como um dos pontos de convergência das teorias sobre os motivos de seu assassinato é a sua homossexualidade, acima do fato de sua visão política de esquerda e antifascista.

Lorca, apesar de nunca ter assumido publicamente sua orientação sexual, não teve um casamento de fachada com uma mulher, como era costume na época. O fato de circular pela sociedade espanhola sempre acompanhado de homens também provocava desconforto. Mesmo perante partidários de esquerda, Lorca enfrentava dificuldades em relação à sua sexualidade. Relatos apontam que Luis Buñuel (diretor do antológico Cão Andaluz) preferiu afastar Salvador Dalí da influência “negativa” de Lorca,  já que os dois tinham uma relação muito próxima.  

Salvador Dalí e Federico García Lorca, 1927 / Reprodução: Internet

Mas antes de Buñuel “roubar” Dalí da convivência de Lorca, houve pelo menos um registro de um trabalho artístico envolvendo o escritor e o pintor. Em 1927, Dalí foi o responsável pela concepção cênica e figurinos da primeira montagem do espetáculo teatral Mariana Pineda, um dos poucos trabalhos declaradamente políticos de Lorca. A peça teatral é baseada na vida de Mariana de Pineda Muñoz, figura lendária da região de Granada. É até hoje, na região, um símbolo de liberdade e resistência à opressão. No texto do dramaturgo, a história da heroína é romantizada, ao mostrar o amor frustrado da protagonista por um revolucionário foragido e a justificativa para ordenar sua execução é por ter guardado uma bandeira:

 

(Exaltada e protestando ferozmente). Não pode ser! Covardes!  Quem ordena tais vilanias na Espanha? Que crime cometi? Porque me matar? Onde está a razão da justiça? Na bandeira da liberdade bordei o maior amor da minha vida. E eu tenho que ficar aqui encerrada? Queria ter asas cristalinas para voar em busca de você.”

Conforme análise de especialistas, a peça teatral aborda a opressão sofrida pela mulher e a luta contra o patriarcado, o autoritarismo e a moral religiosa. E talvez, ouso dizer, tenha sido a saída encontrada pelo escritor e dramaturgo para abordar também a opressão vivida por gays, em uma época em que a pauta LGBT ainda estava longe de ser consolidada. Menos de 10 anos depois da primeira montagem desse espetáculo teatral, em que a protagonista é executada, Lorca enfrenta o mesmo destino.

A luta contra o patriarcado, o autoritarismo e a moral religiosa ainda é necessária para integrantes da comunidade LGBT (e também para mulheres) em pleno século 21.   

Até quando?

 

 

Fotos: Reprodução/Internet

 

 

Voos Literários

A atualidade de Fragmentos de Um Discurso Amoroso

Flávia Cunha
12 de junho de 2019
  • Amar em tempos de ódio é revolucionário. Mas o que é mais comum, nessa era de relações descartáveis, é o medo de expor sentimentos. 

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Enviar “nudes” é cool, desnudar emoções é brega  

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Mas essa dificuldade de expressar está longe de ser um sintoma da pós-modernidade. Em 1977, no livro Fragmentos de Um Discurso Amoroso, o crítico literário e filósofo Roland Barthes, escrevia o seguinte prefácio:

A necessidade deste livro funda-se na consideração seguinte: o discurso amoroso é hoje de uma extrema solidão. Tal discurso talvez seja falado por milhares de sujeitos (quem pode saber?), mas não é sustentado por ninguém; é completamente relegado pelas linguagens existentes, ou ignorado, ou depreciado ou zombado por elas, cortado não apenas do poder, mas também de seus mecanismos (ciência, saberes, artes). Quando um discurso é assim lançado por sua própria força na deriva do inatual, deportado para fora de toda gregariedade, nada mais lhe resta além de ser o lugar, por exíguo que seja, de uma afirmação.”

O livro, uma espécie de enciclopédia da linguagem amorosa, traz separadas por verbetes as situações típicas da vida de qualquer apaixonado. Os clichês amorosos são seguidos por citações de clássicos literários e análises do próprio autor. Escolhi para analisar aqui o verbete A Carta de Amor, apesar do desuso da troca de correspondências entre apaixonados. Porém é só substituir “carta” por  “e-mail” ou mensagem em aplicativos como “whatsapp” e o resultado será o mesmo. Em um texto amoroso, o que precisamos é de aceitação e acolhimento, independente do suporte escolhido para levar a mensagem.

Optei por fazer um recorte do capítulo, um fragmento do fragmento, bem ao estilo do século 21. Barthes me perdoaria (espero).

CARTA. A figura visa a dialética particular da carta de amor, ao mesmo tempo vazia (codificada) e expressiva (cheia de vontade de significar o desejo). […]

  1. Como desejo, a carta de amor espera sua resposta ; ela impõe implicitamente ao outro de responder, sem o que a imagem dele se altera, se toma outra. É o que explica com autoridade o jovem Freud à sua noiva: “Não quero porém que minhas cartas fiquem sempre sem resposta, e não te escreverei mais se você não me responder. Eternos monólogos sobre um ser amado, que não são nem ratificados nem alimentados pelo ser amado, acabam em ideias falsas sobre as relações mútuas, e nos tomarão estranhos um ao outro quando nos encontrarmos novamente, e acharmos então as coisas diferentes do que, por não termos nos certificado delas, se imaginava.”

A coluna Voos Literários deseja a seus leitores que o Dia dos Namorados, mesmo sendo uma data comercial, sirva de incentivo para expressar o amor de todas as formas. Não apenas na linguagem, tão importante nesse momento em que a interpretação de texto é uma habilidade de poucos, mas também em atos concretos. E se o amor for daqueles que extravasam o coração, quem sabe a data também não seja um incentivo para expressar o afeto para além das nossas bolhas familiares e de afeto.

Há sempre tempo de deixar um livro de presente para um desconhecido em um lugar público ou doar uma roupa quentinha para alguém que passa frio nas ruas enquanto sofremos por não ter uma resposta “daquela” pessoa no whatsapp.

Imagem: Reprodução/Internet

Voos Literários

Carta ao Além (ou Sobre ser de Exatas e respeitar a Arte)

Flávia Cunha
4 de junho de 2019

Peço licença aos meus leitores para fazer uma homenagem muito pessoal ao meu pai. Diferente do que fiz nesse texto, em que havia uma certa pretensão ao ficcional, dessa vez foi uma singela carta ao Além, originalmente publicada no meu perfil pessoal no Facebook. Uma forma de lidar com o luto mas também de alertar meus amigos nessa rede social sobre como meu pai, mesmo sendo de direita, era uma pessoa a favor das Artes e das Ciências Humanas. Nesses tristes tempos em que vivemos, penso que talvez algumas pessoas mais conservadoras possam fazer reflexões, a partir desses relatos, sobre como o atual governo está tendo atitudes descabidas e absurdas.

Pai,

hoje seria teu aniversário e eu fico aqui me perguntando como tu estaria com 73 anos se ainda estivesse nesse plano. Sabe, pai, é difícil pra pessoas como nós, sem fé, lidar com a morte. Acho que pra ti também era, tu só prefiria não conversar a respeito.

Mas deixa eu te contar, véinho, que desde da tua partida, lá em 2015, eu resolvi escrever sobre umas lembranças aqui no Facebook. Tem gente que já me comentou que acha isso legal, então vou aproveitar o teu aniversário pra dividir com outras pessoas mais uma história nossa.

Mas primeiro, pai, tenho que te comentar que infelizmente a política brasileira tá de mal a pior. Mesmo tu, antipetista, ia concordar comigo que é um vergonha um governo ser contra professores universitários. Tu acredita, pai, que o atual presidente do Brasil declarou que os cursos de humanas não servem pra nada?

Daí eu lembrei de uma história tua pra contar pra quem nos lê aqui. De quando teus amigos engenheiros ficavam perplexos quando te viam lendo um livro de literatura ou tu comentava a respeito de alguma obra literária.

Jamais vou esquecer do teu tom, entre o irônico e o espantado, ao concluir o relato, dizendo: “Flá, me perguntaram pra que serve ler Umberto Eco ou Saramago. Acredita?”

O que esses teus amigos não sabiam, a exemplo do atual presidente, é que conhecimento não se coloca na balança pra ver o que vale mais.

E é por isso que eu sempre tive orgulho de ti, um engenheiro tão respeitoso com as Artes e com os artistas.

No dia do teu aniversário, acho que a maior homenagem que posso fazer é contar o quanto aprendi contigo sobre a área de Humanas mesmo tu tendo uma formação na área de Exatas. O quanto falamos sobre Hemingway. O quanto foi legal participar contigo de um clube de leitura sobre Fitzgerald. E quantos livros trocamos de presente ao longo da nossa convivência.

Por isso, pai, eu sigo por aqui lutando com as armas que tu me deu: estudo, comprometimento profissional e amor pelo que se faz. Transformei tudo isso em uma pequena empresa que leva teu sobrenome. Espero que tu de alguma forma saiba que tudo isso é pra ti.

Um beijo com saudade da tua filha.”  

Imagem:  Escada do Conhecimento, Universidade de Balamand (Líbano)/Reprodução Internet

Voos Literários

O Brasil é Macondo, fora do tempo e sem memória?

Flávia Cunha
28 de maio de 2019

O Brasil muitas vezes me parece imerso no realismo mágico, um movimento literário que tem como principal característica a alternância entre a lucidez e a loucura. Há meses penso se comparar o monumental Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez, com o atual momento político brasileiro não seria um desrespeito à memória e ao legado do genial escritor colombiano.

Porém, ao começar a pesquisa para escrever esse texto, deparei com diversas análises de especialistas em literatura que consideram o enredo Cem Anos de Solidão uma grande alegoria à história da América Latina. A repetição e a circularidade temporal seriam então metáforas para a realidade latinoamericana. Mais tranquila, prossegui na escrita dessa coluna.

Para quem ainda não leu esse clássico, a obra mostra a trajetória de sete gerações dos Buendía, com repetições de nome tão frequentes que é preciso estar atento para não se atrapalhar na leitura.  Na comparação que me permitirei fazer aqui sobre a obra de García Márquez e o Brasil, vou ressaltar uma característica dos Buendía: o vício de construir para destruir.

Aureliano Segundo foi um dos que mais fizeram para não se deixar vencer pela ociosidade. […] Para não se chatear, entregou-se à tarefa de consertar as numerosas imperfeições da casa. Apertou dobradiças, lubrificou fechaduras, parafusou aldrabas e nivelou ferrolhos. […] Vendo-o colocar os trincos e desmontar os relógios, Fernanda se perguntou se não estaria também caindo no vício de fazer para desfazer, como o Coronel Aureliano Buendía com os peixinhos de ouro, Amaranta com os botões e a mortalha, José Arcadio Segundo com os pergaminhos e Úrsula com as lembranças.”

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Assim como os Buendia, os políticos brasileiros parecem ter o vício de construir, para destruir e para construir novamente em seguida. Vamos tomar como exemplo as reforma trabalhista e previdenciária

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Alguém duvida que daqui a um tempo surja algum novo governante sugerindo recriar o que hoje está sendo eliminado? E talvez esse político do futuro seja visto como um visionário, alguém que finalmente pensou no futuro dos trabalhadores.

Falando em direitos trabalhistas, um episódio da história real colombiana que foi inserido no enredo é o Massacre das Bananeiras, ocorrido em 1928, quando um número desconhecido de trabalhadores foi morto pela polícia. O motivo, a participação em uma grande greve de funcionários de uma multinacional norte-americana, a United Fruits. Os grevistas foram considerados subversivos e comunistas e, por isso, foram assassinados.

Na versão ficcional, o massacre é esquecido pelos sobreviventes do povoado de Macondo:

A versão oficial, mil vezes repetida e repisada em todo o país por quanto meio de divulgação o Governo encontrou ao seu alcance, terminou por se impor: não houve mortos, os trabalhadores satisfeitos tinham voltado para o seio das suas famílias, e a companhia bananeira suspendia as suas atividades até passar a chuva. A lei marcial. continuava, prevendo que fosse necessário aplicar medidas de emergência para a calamidade pública do aguaceiro interminável, mas a tropa estava aquartelada. Durante o dia, os militares andavam pelas torrentes das ruas, com as calças enroladas na metade da perna, brincando de naufrágio com as crianças. De noite, depois do toque de recolher, derrubavam as portas a coronhadas, arrancavam os suspeitos das camas e os levavam para uma viagem sem regresso. Era ainda a busca e o extermínio dos malfeitores, assassinos, incendiários e revoltosos do Decreto Número Quatro, mas os militares o negavam aos próprios parentes das suas vítimas, que atulhavam os escritórios dos comandantes em busca de notícias. ‘Claro que foi um sonho’, insistiam os oficiais. ‘Em Macondo não aconteceu nada, nem está acontecendo nem acontecerá nunca. É um povoado feliz.’ Assim consumaram o extermínio dos líderes sindicais.”

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Assim como na Macondo de García Márquez, o Brasil atual insiste em ignorar fatos históricos e tentar reescrever a História brasileira.

Não houve ditadura. Não houve tortura. Não houve censura. (Só pra quem mereceu…). Quantas gerações de Buendia brasileiros serão necessárias até o Brasil acordar desse realismo mágico, entre a lucidez e a loucura?

Imagem: Reprodução do quadro A Persistência da Memória, de Salvador Dali

Voos Literários

Um novo disco inspirado no livro A Cor Púrpura

Flávia Cunha
21 de maio de 2019

Valéria Custódio é uma jovem cantora e compositora de Mogi das Cruzes (SP) que tive a felicidade de conhecer durante minha atuação na área de produção cultural. A Valéria veio a Porto Alegre para um show e eu a acompanhei em uma entrevista. O curto percurso de ida e volta até a FM Cultura e alguns minutos nos bastidores da rádio antes de ela entrar no ar foram suficientes para eu admirá-la como ser humano. Depois, a ouvi cantando. A voz impressiona. E a precisão ao tocar violão demonstrou, para mim, que ali estava uma artista completa.

E quando eu soube que o nome do EP da cantora, que será lançado em julho de 2019, se chamaria Púrpura em homenagem ao livro da escritora norte-americana Alice Walker, decidi convidá-la para escrever sobre essa inspiração que sai da literatura e vai para a música.  

Com vocês, Valéria Custódio:

Quando abri o livro, já havia assistido ao filme A Cor Púrpura. E não foi um livro fácil de ler, embora a escrita seja bem dinâmica.

Como já conhecia o enredo, sabia que a história era muito emocionante e verdadeira. E talvez, pelo fato de ser uma mulher escrevendo, o livro me tocou ainda mais. Agora observando melhor e revisitando as ideias que tive, vejo como essa história foi um divisor de águas gigantesco na minha vida.

Primeiro pela questão racial, é claro. Me ajudou a não ter uma atitude tão impulsiva nas discussões sobre preconceito, mas mais pensada. Fui realmente querer saber quais eram as minhas origens e das minhas irmãs. Porque a história do livro fala desse amor infinito entre duas irmãs e isso me tocou muito, pois também sou apaixonada pelos meus irmãos.

A Cor Púrpura eu ousaria dizer que me deu novos olhos e me amadureceu como artista, pois conheci um universo artístico muito maior depois dessa história, além de ter me amadurecido como ser humano, como mulher.

É um livro para a vida toda e com a inspiração que veio dele, eu apresento as minhas canções para o público de uma forma muito honesta e verdadeira, pois eu fui tocada por uma história escrita pela Alice Walker, uma mulher negra, da forma mais verdadeira possível.

O meu trabalho pode nem chegar nela, mas de todo o meu coração eu agradeço pela belíssima obra que ela escreveu.”

Valéria Custódio lançou, na semana passada, o single Pra Você que faz parte do EP Púrpura.  Confiram aqui, realmente vale a pena.

Para quem ainda não leu o livro A Cor Púrpura, a obra mostra a sofrida vida de Celie, uma mulher negra, pobre e quase analfabeta no Sul dos Estados Unidos, na primeira metade do século XX. O relato é feito a partir de cartas escritas pela personagem, que sofre abusos sexuais desde a infância. O enredo é tristemente atual, ao abordar temas como racismo, preconceito, desigualdade de gênero e diferenças sociais. O premiado filme de Steven Spielberg foi lançado em 1986.