Voos Literários

Três leituras para o Carnaval da pandemia

Flávia Cunha
12 de fevereiro de 2021
“Tô me guardando pra quando o Carnaval chegar.”

É o que canta Chico Buarque em uma famosa canção. Mas no Brasil da pandemia, teremos que nos guardar muito mais, até podermos participar de festejos carnavalescos sem risco à nossa saúde e a dos outros. Este feriadão não-oficial em 2021 terá muita gente trabalhando. Ainda assim, haverá quem tirará uns dias de folga. Mas sem folia, já que oficialmente os festejos de Carnaval foram cancelados Brasil afora.

Sugestões literárias

Para quem estiver com horas livres nos próximos dias, selecionei três livros com temáticas diversas. Uma obra trata sobre o Carnaval do passado, outra publicação contém reflexões importantes a respeito da pandemia. Também trago como sugestão um best-seller sobre busca espiritual, em um momento no qual precisamos ter resiliência e paciência para aguardar a vacinação em massa no Brasil. 

Metrópole à Beira-Mar, de Ruy Castro

Com o subtítulo O Rio moderno dos anos 20, a obra aborda, entre outros assuntos, o Carnaval de 1919. O festejo, pós-gripe espanhola, deixou a cidade maravilhosa tomada por uma espécie de frenesi, sendo ainda hoje considerado o maior Carnaval de todos os tempos.  Ruy Castro comenta, no prólogo do livro, a respeito da sensação vivida no Rio do século passado: 

“O Carnaval de 1919 seria o da revanche — a grande desforra contra a peste que quase dizimara a cidade.”  

Em uma comparação com a pandemia do coronavírus, muitas pessoas acreditam que o mesmo acontecerá no Brasil quando tudo isso for (finalmente) coisa do passado.

Reflexões sobre a pandemia, organizado por Maria de Lourdes Borges, Evânia Reich e Raquel Cipriani Xavier

A publicação é para quem deseja se aprofundar nos aspectos filosóficos decorrentes do grave problema de saúde pública que ainda  enfrentamos. O livro, com 15 ensaios, é uma iniciativa do Núcleo de Ética e Filosofia Política do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A obra está disponível para download gratuito aqui.

Comer, Rezar e Amar, de Elizabeth Gilbert

Essa indicação é uma das minhas leituras “de conforto” deste mês de fevereiro. O livro, que deu origem a uma conhecida adaptação cinematográfica estrelada por Julia Roberts, é uma odisseia em busca do autoconhecimento. Em um verão brasileiro no qual não devemos viajar, é uma delícia percorrer as ruas de cidades italianas com a protagonista ou acompanhar seus esforços para fazer meditações na Índia. O tom está longe da autoajuda ou do encontro fácil com a felicidade, o que me agradou bastante. 

Por fim, desejo um bom Carnaval a meus leitores, seja em frente à televisão vendo desfiles de anos passados ou lendo um bom livro. O importante é manter com a saúde mental em dia e longe de aglomerações.

Imagem: Arte sobre foto de David Mark/Pixabay

Voos Literários

Chega de Saudade

Flávia Cunha
9 de julho de 2019

João Gilberto se foi, deixando uma lacuna na cultura brasileira. Porque é inegável seu legado ao reinventar o jeito de cantar no país, além de dar status internacional para composições da Bossa Nova. É um fato inquestionável em 2019. 

Mas em 1958 o cenário era diferente. Era uma revolução aquela voz “pequena”, tão diferente do vozeirão dos cantores de sucesso do samba-canção, gênero consagrado no Brasil da época. A tal novidade impactou jovens (entre eles, famosos ainda desconhecidos na época, como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque), mas gerou estranheza entre os conservadores. Ruy Castro conta, em Chega de Saudade – A História e As Histórias da Bossa Nova, que o gerente da principal loja de discos de São Paulo reagiu mal ao ouvir pela primeira vez a canção homônima, gravada em um compacto com duas faixas:

Por que gravam cantores resfriados?”, rugiu. Não esperou a música terminar e não chegou a ouvir “Bim bom”. Tirou o disco do prato, pronunciou a célebre frase — “Então, é esta a merda que o Rio nos manda?” — e quebrou-o na quina da mesa. 

No Brasil de 2019, tem muita gente agindo como esse gerente, ao preferir reverenciar “ritmos” ultrapassados como a defesa do trabalho infantil, o preconceito disfarçado de opinião e o elitismo travestido de cidadania do bem. Não entendem que por mais que se sintam ultrajados, as bossas novas (musicais e sociais) sempre aparecerão para revolucionar a sociedade e o modo de pensar dos caretas.

Foto: /Divulgação