Quando uma menina de cinco anos traduz meu pensamento
Geórgia Santos
26 de junho de 2017
“Why did he go? Where did he go? Why did he leave it, anyway?”
Crianças são sábias de um jeito todo diferente. Enquanto a gente fica aqui estudando Ciência Política e tentando entender os caminhos tortuosos da democracia, eles verbalizam tudo de uma maneira bem mais simples. A Taylor, 5, faz uma série de perguntas que a mãe não consegue necessariamente responder. E, arrisco dizer, nem um professor conseguiria. Aliás, perguntas que me faço todos os dias.
Em uma série de três vídeos que vitalizaram – por motivos óbvios de fofura explícita – a menina lamenta a saída de Obama e, aparentemente, lê o meu pensamento – e o de muita gente, aposto.
“Porque nós temos outro presidente? Por que ele saiu? Pra onde ele foi?”, ela pergunta sobre Obama, de maneira frustrada e irritada e fofa e engraçada.
Ela não consegue entender porquê Hillary perdeu, não lembra o nome do OUTRO CARA (Donald Trump) e não consegue entender muito bem o fato de muitas pessoas escolheram a ele. Além do mais, ela afirma que ela votou por PIZZA. Eu disse, ela lê o meu pensamento.
Quando ela começa a interrogar sobre o lance do colégio eleitoral (tenho mil perguntas sobre isso também), a mãe desiste: “É uma longa história.” E ela não esconde a frustração.
Dia 24 é dia de São João! E pra entrar no clima, hoje temos duas sugestões: uma festa e muita música!
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Festa
Pra quem quiser participar de uma autêntica festa junina, é só chegar lá na praça Estado de Israel, na frente do Espaço Cuidado Que Mancha. Vai ter pescaria, jogo de argolas, boca do monstro. Vai ter uma oficina criação de brinquedos de sucata. Vai ter comidinhas gostosas. Vai ter a Editora Libretos com banca de livros. Vai ter um brechó, quentão, cerveja artesanal e muito mais! Uma tarde pra reunir a família, os vizinhos, brincar e pegar um solzinho!
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Músicas
Pra quem quiser ir entrando no clima, indico o maravilhoso CD São João do Carneirinho, da Cia Cabelo de Maria, de São Paulo. É ouvir, se emocionar e dançar!
10 coisas que odeio em vocês, os do Twitter – e em mim
Geórgia Santos
21 de junho de 2017
Fiquei umas duas semanas relativamente afastada do Twitter. É impressionante o nosso poder de não evoluir em duas semanas. E falo de mim, de ti e de vocês, que continuaram no Twitter. Hoje foi a primeira vez em 15 dias que parei efetivamente para ler o que as pessoas estão a dizer no infame microblog e descobri dez coisas que odeio em vocês, os do Twitter – e em mim, claro
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1. Somos malvados
Já perceberam a facilidade que temos pra xingar alguém com base em 140 caracteres? E a gente acha bonito. Retuita e curte e comenta e xinga e fala da bunda daquela, da celulite daquela outra, fulano é ladrão, sicrano é assassino, vai estudar, vai se enxergar, tu não sabe nada, sua ridícula.
2. Somos desonestos intelectualmente
Todo mundo tem uma agenda e não tem nada de errado com isso. Vou escrever e retuitar o que me interessa e colocar as coisas nos meus termos. O problema é quando a gente fala algo sabendo que não é verdade, especialmente quando temos grande audiências. Só um exemplinho de hoje: o deputado estadual Marcel Van Hattem (PP) disse que a repórter Vitória Famer, da Rádio Guaíba, é uma “militante de esquerda radical” e disse que ela tem “postura de militante de extrema esquerda”. Nem vou entrar no mérito da competência da Vitória porque não precisa, mas o deputado Van Hattem é um cara informado e familiarizado com a Ciência Política, até onde sei. Sendo assim, ele sabe que nem a Vera Guasso é extrema esquerda e, mesmo assim, coloca esse rótulo em uma repórter que simplesmente falou algo que ele não gostou. Porque cola com o público dele, pronto. Temos dois problemas aí: ele está atingindo a integridade do trabalho de uma repórter e está fazendo isso com uma afirmação que ele sabe que é não é verdade. E a verdade é que a gente tem uma tendenciazinha a fazer isso com nossas coisas, também. A menos que eu esteja superestimando as pessoas.
PS.: a desonestidade intelectual do deputado acometeu muitos dos seus seguidores, que passaram a atacar a repórter de várias maneiras nas redes sociais. Não estou dizendo que foi a gênese, mas é parte de um fenômeno bizarro.
3. Somos obcecados com a dupla Grenal
Eu sou gremista, torço, choro, sofro e todo o pacote. Falo de Grêmio, corneteio o colorado e tudo o mais, mas a gente é obcecado. Hoje teve a tal da coluna pedindo pra parar com a corneta, o que foi ridículo. Mas é motivo pra passar o DIA INTEIRO FALANDO DISSO?
4. Somos cegos politicamente
Não precisa de explicação, né? É nosso, é lindo. É deles, é feio. Essa é nossa base política.
5. Não temos senso de humor
Assim como xingamos a galera rapidinho, nos ofendemos com QUALQUER COISA com a mesma velocidade. E não, não estou falando de preconceito, assédio, agressão verbal etc. Estou falando de escrever uma cornetinha, fazer uma piadinha e receber MIL replies de pessoas que precisam de umas 12 horas de sono. É muito ressentimento, muita desconfiança. Por exemplo, meu marido é comentarista esportivo, e no Twitter, QUALQUER coisa que ele diga tem o objetivo de DESTRUIR Grêmio ou Inter (voltando ao ontem 3). Sério mesmo?
6. Juramos ser especialistas
Desse aqui sou culpada até o pescoço. Temos uma necessidade IMPRESSIONANTE de comentar todo e qualquer evento que aconteça na Via Láctea e juramos ser especialistas de absolutamente tudo. A gente tem certeza que tem as respostas certas e soluções para todos os males do mundo. Preguiiiiiça.
7. Somos preconceituosos
A todo instante é possível ler algum tuíte em que alguém fala mal de gays, estrangeiros, refugiados, mulheres, negros, pobres, ricos, petistas, tucanos, de direita, de esquerda, disso, daquilo. E quando paramos pra pensar, há nenhuma lógica por trás do preconceito puro e simples. É normal ter receio com o desconhecido, afinal, não conhecemos. Mas a quantidade de discursos inflamados sobre o desconhecido é assustadora. A quantidade de discursos inflamados contra a pura e simples existência de determinadas pessoas é desoladora.
8. Somos provincianos
É impressionante como somos atrasados, simples assim. A impressão que dá é que ficamos andando em círculos. Vocês se deram conta que, de uma forma ou outra, ainda rivalizamos sobre a Revolução Farroupilha? Sem falar nesse papo de somos melhores em tudo.
9. Não conseguimos mudar de assunto
É sempre a mesma coisa.
10. Odiamos demais
Quer prova maior do que eu fazer uma lista sobre o que odeio?
Quando nasce um filho, tudo aquilo que a gente pensou, idealizou, sonhou, muda drasticamente
A distância que se cria entre a teoria e a prática é imensa. E essa tentativa de unir uma coisa com a outra resulta na criação dos nossos filhos. Uma das principais coisas que tenho lido em relação às mães recentes é a necessidade de ficar mais tempo com os filhos. Li esses dias o desespero de uma mãe que teria que colocar a filha de 4 meses na creche para poder voltar ao trabalho. Pagando a creche, restariam R$ 200,00 do salário dela.
O que fazer então? Tenho visto muita mãe criando seu próprio negócio. Recriando, inventando uma nova carreira.
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Vou citar aqui apenas quatro mães que conheço e admiro muito Certamente elas inspiram muita gente
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A Flávia criou o Brechó Infantil Entrou na Roda Virtual após o nascimento da sua filha. A ideia era ter mais tempo para dedicar à pequena e também colocar em prática os conceitos aprendidos no Mestrado de Educação Ambiental.
As roupinhas entram na roda entre os bebês e crianças e auxiliam na reutilização de materiais, já que muitas peças são recuperadas e garimpadas de uma mãe para outra.
A Fernanda foi comissária de vôo por 5 anos, normalmente ficava longe de casa de 5 a 6 dias. Quando teve seus filhos, optou por ficar com eles e abandonar a profissão. E estando em casa, precisava fazer algo pra ajudar no orçamento. Foi quando falou com uma amiga de SP que já trabalhava com mimos pra festa e resolveram abrir uma filial da “Tuca Minuca” em Porto Alegre. E então há três anos faz os trabalhos em casa: “assim pude juntar duas coisas que amo, meus filhos e as festas!”
Para a Mah, do Design Bárbaro, tudo começou após sua demissão ao término da licença maternidade. Seis meses depois, seu marido também foi demitido. Entraram com toda a energia num projeto conjunto. “Nossa forma de trabalhar é intensa e apaixonada, acreditamos no trabalho de nossos clientes”.
A Diva tem dois filhos e queria mais tempo ao lado deles. Quando o mais novo nasceu, foi diagnosticado aplv e alérgico a ovo. Precisava de maiores cuidados com a alimentação. Foi então que surgia a ideia de trabalhar em casa. Sua mãe, costureira há mais de 40 anos, fazia fantasias para sua filha mais velha e elas viam uma grande demanda nesse mercado. Criaram assim a Imaginar e Brincar, uma loja de fantasias e acessórios infantis que valorizam o conforto e diversão em suas roupas.
Se alguém ainda precisava de elementos para constatar como nosso debate político está apodrecido e sem rumo, o recente incidente envolvendo a jornalista Míriam Leitão durante uma viagem de avião traz um monte de elementos úteis para deixar o problema desenhado ainda mais nitidamente. E o retrato que surge com essas novas pinceladas, infelizmente, não é nada positivo.
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Para começar, temos o fato evidente: hostilizar alguém apenas por não gostar do resultado da sua atividade profissional e/ou posição política é falta de civilidade e intolerância, no mínimo
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Vale tanto para Míriam Leitão quanto para, digamos, Chico Buarque – e também para tantos colegas jornalistas, hostilizados em diferentes situações como se eles e a empresa para a qual trabalham fossem uma coisa só. E abraçar os primeiros relatos dando conta de que Míriam “exagerou”, vindos de quem não parece ter exatamente isenção no acontecido, como modo de desmerecer as queixas dela em sua totalidade é, pura e simplesmente, ser ideologicamente seletivo. Lamento, mas é verdade.
Mas há mais. Embora não seja exatamente uma pessoa isenta, Míriam Leitão está longe de ser uma direitosa raivosa, uma criatura política movida pela intolerância a tudo que tenha o menor cheirinho que seja de esquerda. Não se trata de alguém que abomina Direitos Humanos, que se posiciona abertamente contra grupos socialmente prejudicados, que combate ações afirmativas ou defende o endurecimento irrestrito do ponto de vista penal. É uma figura que foi perseguida durante a Ditadura militar, ou seja, que se opôs claramente a um dos momentos mais terríveis da história de nosso país. Embora comprometida com reformas políticas para lá de questionáveis, ninguém dirá que é incoerente nisso, uma vez que o liberalismo econômico e o discurso pró-mercado são uma constante em seus posicionamentos há muito tempo.
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Míriam Leitão é alguém com quem uma pessoa que pensa à esquerda pode não concordar, mas de diálogo certamente muito menos difícil do que com um fake adorador de Bolsomitos ou um pseudo-pensador de direita devoto de Olavo de Carvalho
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Não estamos diante de uma rebeldia política pré-adolescente à MBL, nem de um fascismo que grita por intervenção militar e que, se pudesse, perseguiria opositores do mesmo modo que a própria Míriam e tantos outros foram perseguidos no passado. Estamos, isso sim, confrontados com um pensamento liberal mais ou menos legítimo, certamente questionável (e qual pensamento não é?), mas com todos os predicados necessários para um debate honesto. Que não acontecerá na Rede Globo, é certo, mas não está proibido de acontecer em qualquer outro lugar, em qualquer outro período no tempo.
A opção das pessoas que entoaram gritos de guerra naquele voo, e a opção dos que seguem atacando Míriam Leitão nas redes sociais, não foi essa. Percebe-se claramente como o meio-campo desapareceu: do lado de lá da linha limítrofe é tudo mais ou menos a mesma coisa, tudo merece basicamente a mesma reação hostil. Uma reação, a seu modo, tão chucra e ignorante quanto a dos fãs de Bolsomito que todos nos esforçamos (e com plena razão) para condenar.
Quem assim age transforma o suposto oponente em espantalho, e vê na imagem que acabou de criar a legitimidade para destruir qualquer espaço de ponderação.
“Mas ela não foi solidária a Dilma Rousseff quando a então presidenta foi ofendida na abertura da Copa”, dirão uns. “Ela está colhendo o que plantou”, acrescentarão outros. Embora não sejam exatamente equivocados, não consigo enxergar onde esses argumentos querem chegar. Se ela fracassou em condenar as agressões brutais e misóginas cometidas contra Dilma em diferentes situações, isso muda a situação exatamente em quê? Se ela eventualmente contribui para desinformar e confundir a opinião pública, de que forma isso legitima a NOSSA adesão, direta ou indireta, ao urro dos não-pensantes?
Pedir a carteirinha ideológica de quem vamos ou não vamos defender não vai nos levar a lugar algum. É o que foi feito por alguns que ousaram defender a hostilidade a Chico Buarque, só para rememorar o exemplo acima. Precisamos ter algo que esteja acima disso, ou então não teremos quase nada. E nem vou falar no cheiro de mofo argumentativo que emana de gritos como os que foram feitos contra a jornalista, porque aí precisaria me estender ainda mais do que já me estendi.
Eu não concordo com muita, mas muita coisa que Míriam Leitão escreve e diz. E fico constrangido de precisar dizer isso, porque a reação natural de muitos será dizer que só me alinho entre os que condenam a pataquada porque sou da mesma laia ou quero pagar de isentão. Um dos nós aparentemente mais difíceis de desatar nesses tempos de degradação política coletiva é justamente entender que essa degradação é algo coletivo, que atinge todos os ângulos, e que é preciso estar alerta para não ser reprodutor e incentivador dela. Mesmo que o discurso da “reação” seja atraente, ele definitivamente não serve para tudo.
Nesse fim de semana tem dois espetáculos ímpares pra gurizada!
TEM GATO NA TUBA
Um cortejo carnavalesco abre o espetáculo em clima de festa. É um ambiente antigo de carnaval dos anos 50/60, com certa ingenuidade no ar. A música Tem Gato na Tuba faz as personagens lembrarem as canções e histórias do compositor João de Barro, o Braguinha. Esta trupe resolve, então, contar as histórias que antigamente fizeram sucesso na colorida coleção Disquinho. Interpretam, cantam e narram três histórias muito divertidas: História da Baratinha, A Festa no Céu e Chapeuzinho Vermelho. Cada história acentua uma linguagem para ganhar vida no palco, passando por teatro de máscaras, mímica, teatro de animação e manipulação de objetos. Tudo entrecortado por marchinhas carnavalescas e famosas canções de Braguinha.
PITOCANDO
Sensível, expressivo e lúdico. Combinação de sons, brincadeiras e cores que a criançada e toda a famílias tem aplaudido e repetido. Uma delícia! Indicado para bebês e crianças de 0 a 8 anos, Pitocando é acústico, com duração de 45 minutos. Resgate de canções, lendas e ditos! Resultado, 16 músicas pinçadas deste rico repertório folclórico, 9 composições que costuram esse passeio musical, 3 lindas vozes e 40 instrumentos de origens das mais variadas (indiana, indígena, africana, portuguesa) dividindo espaço com materiais musicais alternativos (vidrofone, megafone e apito de PET, celofanes, jornal). No palco, as cantoras/instrumentistas dão significado para as canções, com muito afeto. Flautas costuram “Bambalalão” à textura instrumental da tambura com o vidrofone. Caxixis embalam o metalofone em “Saci”. A platéia é convidada a participar com a trupe, tocando clavas coloridas, caxixis, cantando, brincando de adivinhas e se remexendo.
Eu, se fosse vocês, ia nos dois!
*As informações foram fornecidas pela produção dos espetáculos.
** A arte da máscaras foi feita pelo Benjamin. Segundo ele: “nossa coluna é ilustrada com desenhos, hoje fizemos um exceção e usamos massinha de modelar”.
O governo Michel Temer é um cadáver que não apodrece
Igor Natusch
31 de maio de 2017
er Campanato/Agência Brasil
O governo Michel Temer tenta brincar de Lázaro. Esteve imensamente morto, logo depois da devastadora gravação de sua conversa com Joesley Batista, e continua bastante morto desde então – afinal, não conseguiu sair da defensiva, passa os seus dias a rebater acusações e demonstra fragilidade absoluta no trato com o Congresso, sendo incapaz de evitar que os agregados discutam a partilha do espólio, mesmo antes do capitão dar o grito de abandonar o navio. O país está paralisado, a economia definha, as instituições funcionam com a harmonia e a fluidez de um moedor de carne enferrujado.
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Ainda assim, está se dando com o cadavérico governo Temer um estranho fenômeno: ao mesmo tempo que decompõe-se de forma visível, suas feições ganham uma cor mais viva, sua aparência dá ligeiros sinais de melhora, a carcaça esquenta ao invés de esfriar. Enquanto morre, dá sinais de que pode reviver. Como explicar tal coisa?
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Na verdade, quem enxerga esses tempos de incerteza em termos de Michel Temer está visualizando apenas uma parcela do todo. Ninguém quer realmente que Temer sobreviva politicamente, possivelmente nem ele próprio: a batalha é para manter vivo um grupo político, que se alastra por alguns partidos, e que chegou a poder menos por estratégia e muito mais por senso de oportunidade. Ter o poder é ter dívidas caras a pagar e pouca margem para perdões ou parcelamentos. Basta olhar para Lula e Dilma para entender o peso dessa afirmação.
Michel Temer e sua entourage chegaram ao Planalto assumindo uma tarefa clara: estabilizar a economia e entregar as reformas encomendadas não apenas pelo sistema financeiro, mas pelo alto empresariado e pelos barões do agronegócio, entre outros. Atingir essa meta é mais do que uma prerrogativa do atual governo: é um dever inalienável para qualquer um desse grupo que deseje ter futuro na política.
Como se vê, a dificuldade para cumprir a missão é cada vez maior. E os recentes acontecimentos não ajudaram muito um presidente que, antes dos áudios, já tinha uma popularidade ridícula e necessitava rastejar diante de deputados para aprovar, mesmo nas primeiras votações, suas polêmicas iniciativas.
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Em meio a essas duas urgências – a de salvar o projeto delineado e também o próprio pescoço – a conta que Michel Temer e seus aliados fiéis fazem é em termos de calendário. Cada dia que passa é um pequeno respiro, um passo de bebê para fora da área de tempestade.
Na panela de pressão que cozinha o ex-vice, a esperança de seus parceiros é que o gás do fogão acabe antes que a carne esteja no ponto para servir. É uma engenharia difícil, mas não inviável – ainda mais em um cenário onde vários setores tentam diminuir a intensidade do fogo, e os grupos capazes de colocar mais chamas em ação ainda buscam a melhor maneira de acender os fósforos. A briga mais importante está ali, no entorno do fogão. É para lá que me parece mais conveniente olhar.
Eu tenho/tive dois irmãos. Nunca sei como falar disso, pois um deles já se foi. Muito cedo. Muito, muito cedo. Meus irmãos são 7 e 8 anos mais velhos que eu. Isso quer dizer que eu era a pirralha que incomodava eles. E mesmo assim, só lembro deles com carinho. Muito carinho. Foi com eles que aprendi a gostar de música boa, de ler, de ir atrás de cultura. Nossos pais não tiveram acesso à muita coisa. Nós, de certa forma, também não. Mas meus dois irmãos me deram acesso à muitas coisas legais. Essa semana lembrei com meus filhos da Lenda do Pégaso, do Moraes Moreira com Jorge Mautner.
https://youtu.be/J-CbW7OO-H4
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Aprendi essa com os meus irmãos. Linda demais essa música. E vocês devem imaginar o tamanho da minha emoção ao ver meus filhos pedindo pra dormir aos som da música que eu ouvia na voz dos meus irmãos quando era pequena…
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Essa semana meu filho mais velho estava chateado com alguma coisa e foi desenhar. Desenhou um menino. E achou feio. Não ficou como ele queria. Deixou de lado, chateado, e foi começar outro. Meu filho mais novo viu que o irmão estava chateado. Pegou o desenho, pegou as tintas, tudo no silêncio pouco usual dos seus três anos. Sentou e começou a pintar. Disse: vou deixar bem bonito pro mano ficar feliz.
Feliz fiquei eu por ter meus irmãos. Feliz fiquei eu por ver meus filhos crescendo juntos.
NA GRAVAÇÃO DE TEMER, É PRECISO OUVIR TAMBÉM O QUE NÃO SE DIZ
Geórgia Santos
19 de maio de 2017
Foto: Beto Barata/PR
(Brasília - DF, 18/05/2017) Pronunciamento do Presidente da República, Michel Temer, à imprensa. Foto: Beto Barata/PR
Não resta dúvida que, quando as manchetes dizem que o Presidente da República concordou com o pagamento de mesada a um político preso para que ele não faça delação, temos todos e todas que prestar muita atenção. A comoção em torno da afirmação foi tão grande que a revelação dos áudios da fatídica conversa de Michel Temer com Joesley Batista, presidente da JBS, acabou parecendo menos grave do que de fato é, já que o “tem que manter isso aí, hein” não é tão explícito e espetacular quanto as transcrições davam a entender.
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Verdade que, mesmo assim, Temer é um cadáver político e seu governo, seja lá a sobrevida que eventualmente tenha, está em processo visível de decomposição pública – e não vai ressuscitar, a não ser que apareça um Jesus Cristo do céu dizendo “levanta-te e anda” para esse Lázaro coberto de vermes.
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Mas eu queria destacar outro elemento nessa gravação – que, ao contrário da satisfação do não-vice-presidente com Joesley estar “de bem” com Cunha, não fica preso a uma frase pretensamente definitiva, dissolvido que está em quase todos os momentos do diálogo. Joesley fala que está “segurando” juízes, que conseguiu “um procurador dentro da força tarefa” que está passando informações – e a essas afirmações chocantes Michel Temer reage com naturalidade, sem nenhuma surpresa, sem manifestar nem digo indignação, mas um toque que fosse de incredulidade.
O que interessa aí é mais o não dito do que o efetivamente pronunciado: não apenas o chefe do Executivo federal não demonstra reação diante desses absurdos (ao contrário, parece no mínimo desinteressado a respeito) como também não se sabe de qualquer ação posterior, que tenha pedido esclarecimentos sobre a situação, que tenha orientado algum ministro ou secretário para tomar alguma providência ou, no mínimo, buscar informações.
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Recebe um investigado, conversa furtivamente com ele na garagem do Jaburu, ouve que ele faz esforços hercúleos para corromper a investigação que o ameaça, não solta um gemido sequer de desagrado e volta para seu palácio, sem tomar qualquer providência. E querem me convencer que está tudo bem
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Eles, os mesmos que hoje ocupam o Planalto após condenarem os crimes do governo anterior – eles agora querem me convencer que Joesley falava e Temer ouvia, que não era um diálogo entre cúmplices que dividiam interesses, que essa fumaça tomando conta da casa é oxigênio colorido e não sinal de incêndio.
Já é possível localizar, em certos veículos de imprensa, o esforço de apagar as chamas, adotando rótulos como “inconclusivo” e outras contemporizações. Um esforço condenado ao ridículo, com encher baldes no chuveiro do banheiro para combater o incêndio que devora a sala e a cozinha. Já temos mais: a afirmação de que Temer pediu dinheiro para influenciar na posição das redes antes do impeachment de Dilma Rousseff, para a campanha de Gabriel Chalita em São Paulo, em 2012 e até para “despesas de marketing” contra ataques na internet.
A delação já está homologada e, ao contrário de outras tantas, vem acompanhada de evidências obtidas de forma controlada pela Polícia Federal – ou seja, não estamos apenas no terreno do dito contra o não dito, não está apenas no peso das palavras a doença que devora a carcaça do governo Temer. E que já devorou politicamente Aécio Neves, e que tem fôlego para deixar o sistema de Justiça de orelhas em pé – já que, como sabemos, apenas um dos homens no bolso de Joesley Batista está atrás das grades no momento. A promessa é de muito, muito barulho nos próximos dias – e o estrondo não está apenas no que se ouve, mas talvez ainda mais no que não se diz ou se tenta não dizer.