Fato 1:
O Brasil tem apenas três universidades entre as 600 melhores instituições do mundo. Somente três. O país que tem a quinta maior população, a maior economia da América Latina e a nona maior do planeta, abriga em seu território apenas 0,5% dos centros de conhecimento mais significativos do planeta.
Fato 2:
O governo federal contingenciou, no orçamento deste ano, 15% dos gastos de funcionamento e 40% das despesas com obras nas instituições federais de ensino. Em agosto, diante do asfixiamento das universidades e das perspectivas catastróficas para ensino e pesquisa, o Ministério da Educação resolveu liberar mais uma graninha, um respiro de R$ 450 milhões. Ainda insuficiente para manter as atividades nos patamares anteriores, que dirá para ampliá-las, como seria necessário em um país que abriga só 0,5% das mais significativas universidades do mundo.
Fato 3:
A Polícia Federal encontra um monte de malas cheias de grana em um apartamento de Salvador, na Bahia, onde Geddel Vieira Lima (PMDB), ex-ministro de Michel Temer, armazenaria recursos ilícitos. Nove malas e sete caixas de papelão, lotadas de dinheiro em espécie. Contar todas as cédulas exigiu uma equipe inteira trabalhando, do fim da manhã até a madrugada. Total recolhido: R$ 51.030.866,40. Cinquenta e um milhões, trinta mil, oitocentos e sessenta e seis reais e quarenta centavos. Apenas para uma única base de comparação, é quase um terço de todo o orçamento da UFRGS para o ano de 2017, que era de R$ 178 milhões – e que foi contingenciado, vamos lembrar.
Fato 4:
O governo de Michel Temer liberou R$ 4,03 bilhões em emendas parlamentares nos dois meses anteriores à votação na Câmara, que desconsiderou as denúncias contra ele e impediu a abertura de processo no STF. Isso é mais de 65% do total previsto para 2017 (R$ 6,14 bilhões) e 96% de tudo que havia sido liberado até então (R$ 4,17 bilhões). Os dados são do começo de agosto.
De posse desses dados, caro leitor ou leitora, imagino que a cantilena muito repetida de que “não há dinheiro” para “gastar” em programas de incentivo ao ensino, cultura ou ciência ganha uma outra perspectiva.
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A falta de dinheiro não é uma força da natureza, algo que surge de forma incontrolável e que pouca opção deixa a nós, pobres cidadãos e cidadãs do Brasil, senão aceitar mais um corte de direitos, mais uma cota de sacrifício. Falta de recursos é fruto de desvio, de roubos e negociatas, de prioridades para lá de questionáveis – mas, acima de tudo, de opções
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Só faria sentido falar em insuficiência se houvesse pouca arrecadação, e convenhamos que essa insinuação provoca risos nervosos em qualquer um com um mínimo de conhecimento do que são os encargos e impostos no Brasil. Falta aqui porque em algum lugar, lícito ou ilícito, está sobrando. E sobrando muito.
Nem vou entrar em outros pontos passíveis de semelhante reflexão – como, por exemplo, o brutal atraso de salários que afeta funcionários públicos em diferentes pontos do país. Apenas reforço a necessidade de bater pé e impor alguma resistência sempre que vierem aos meios de comunicação dizer que não há dinheiro, que o Estado está falido, e usarem essa constatação como justificativa para as mais disparatadas propostas, as mais canalhas iniciativas. Entre outras coisas, essa docilidade constrói um país sem perspectivas, atrofiado na produção de tecnologia e conhecimento, que vê diante de si malas com quilos de dinheiro roubado e ainda assim aceita que funcionários passem meses a fio sem receber salário integral ou que seja preciso fazer vaquinha para colocar papel higiênico nos banheiros de escolas e faculdades.
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Ir a protestos com faixas genéricas pedindo melhoras na educação, além de fácil demais, é insuficiente. É nessa hora, quando o dinheiro sonegado ao ensino surge materializado da maneira mais escandalosa e caricata possível, quando a conexão entre a grana que falta e a grana que sobra surge de forma impossível de ignorar, que é preciso ligar o cérebro e ir além dos espantalhos e inimigos óbvios
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Aceitaremos que universidades federais sejam precarizadas ao ponto de demitir terceirizados, ou mesmo que fechem as portas, enquanto o dinheiro que falta está ali, fazendo volume debaixo do tapete? Mais do que um dilema ético, é uma questão de futuro.
Foto: Polícia Federal / Divulgação
