Yo No Soy de Aquí

O que Alejandro tem a ver com Sendic, Lula e Temer

Alvaro Andrade
7 de setembro de 2017

Lembro que fazia muito mais frio que agora. Entre um mate e outro, meu primeiro amigo montevideano, o porteiro frenteamplista Alejandro, me apresentava seus conceitos sobre as distorções do regime bolivariano na era Maduro e a vergonha que sentia do ex-colega de faculdade Raul Sendic. Era uma das nossas primeiras charlas, mas logo ali percebi como a política é encarada de forma diferente pelos uruguaios, especialmente à esquerda. Alejandro representa um perfil medio que encontrei por aqui: independente da idade ou ocupação, em geral são politizados, indentificados com valores solidários e humanos, mas nem por isso cerrados em um fanatismo que os coloque em algum pólo extremo do espectro político.

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O motivo da vergonha de Alejandro sobre o hoje vice-presidente do Uruguai e epicentro de um dos maiores escândalos políticos do país nos últimos anos, se deve ao uso de cartões corporativos para despesas pessoais em free-shops enquanto era presidente da estatal de petróleo uruguaia no governo Pepe Mujica

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“En Brasil pasó lo mismo, no?” Me pergunta antes de roncar a cuia. “Si, Alejandro.” Pero en Brasil as coisas foram tratadas de forma diferente, a começar pela própria esquerda. No Uruguay, além do Alejandro e da mídia, O Mujica e a Frente Ampla também consideram errado usar dinheiro público em benefício pessoal. E deixaram isso bem claro.

A FA é uma frente política de centro-esquerda tecida por partidos políticos, movimentos  sociais e sindicais que detém uma grande penetração popular. Há espantosa quantidade de comitês instalados em praticamente todos os bairros do país.  Eles não são poucos: hoje é tão fácil encontrar um frenteamplista na Rambla de Montevideo quanto um Bolsominion na avenida Paulista.

Foto Carlos Lebrato, FA

Diversos setores da coalização que garantiu 15 anos de governo não mediram palavras para apontar os erros do vice-presidente que ajudaram a eleger e era o candidato ficha 1 para a presidência no ano que vem

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O caso será julgado em um tribunal do partido, que analisará um parecer emitido pelos colegas do Tribunal de Conduta Política em que afirma que a atuação de Sendic “..compromete sua responsabilidade ética e política” e denota um “modo de proceder inaceitável”. Eles dão voz à consciência política crítica do Alejandro e 62% dos uruguaios que acreditam que Sendic deveria renunciar.

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Não cedem ao pragmatismo eleitoral, não colocam na perspectiva das realizações de governo, não blindam Sendic como se fosse insubstituível

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Talvez a sanção final que ele irá receber não terá efeitos práticos, afinal, não tem validade jurídica e até agora não pesam sentenças contra ele. Mas a efervescência na base política forçou Sendic a percorrer cada um dos comitês de bairro para dar explicação, pedir desculpas, admitir equívocos e ouvir cobranças.

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Já não faz tanto frio quanto há três meses. Enquanto aqueço a água para o mate, assisto ao vídeo do Lula tentando explicar porque novamente está ao lado de Calheiros e cia. Assisto ao vídeo buscando alguma novidade que justifique o fato de eu ainda cogitar ir até a embaixada brasileira votar em Lula em 2018 para me livrar do Bolsonaro.

Pego a térmica e desço pra charlar com meu amigo.

O elevador abre e logo o Alejandro mostra no celular a foto do bunker de Geddel abarrotado de dinheiro.

Eso parece Narcos! Como ustedes llegaran a tal punto? Me pergunta incrédulo.

Enchi a cuia e apenas respondi que talvez nos faltem mais Alejandros no Brasil.

Foto de capa: Carlos Lebrato, Frente Amplio

Geórgia Santos

Escandalopédia – Os CINCO escândalos do dia

Geórgia Santos
6 de setembro de 2017

Ontem foi pesado, mesmo. Por isso criamos nossa Escandalopédia. O brasileiro tomou uma pedrada atrás da outra nessa terça-feira, 5. Quando acordamos, acreditávamos ter uma pedra no meio do caminho. Quando fomos deitar, tínhamos convicção de que estávamos soterrados. Veja quais foram os cinco principais escândalos do dia.

  1. 1. No meio do caminho, tinha o Geddel

O dia começou e terminou com as malas de Geddel. Pela manhã, acordamos com as fotografias de um apartamento de Geddel Vieira Lima (PMDB), ex-ministro dos governos de Michel Temer e Lula, entupido de dinheiro. Numa apreensão digna de séries de televisão – e estou falando de Narcos, não de House of Cards – vimos uma sala lotada de MUITA grana. À noite, fomos dormir com o barulho das máquinas da Polífica Federal contando o dinheiro apreendido: R$ 51 milhões e uns trocados. Aparentemente, ele guardou até as moedinhas.

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Mas e no meio?

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  1. 2. No meio do caminho, tinha o Joesley

O mais famoso delator da Lava-jato, Joesley Batista, foi gravado discutindo seus privilégios com o judiciário brasileiro. Nos áudios entregues à Procuradoria-Geral da República (PGR), o empresário fala em “dissolver o Supremo” com a ajuda de José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça do governo Dilma. Em conversa com o também empresário Ricardo Saud, podemos ouvi-lo dizer: “Eu vou entregar o Executivo e você vai entregar o Zé e o Zé vai entregar o Supremo.”

Mas não termina aí, essas descobertas podem levar a uma mudanças nos acordos de delação premiada. Afinal, os áudios indicam que Joesley omitiu informações em seus depoimentos e, pior, estava no comando da situação.

Mas ainda não termina aí. A gravação ainda implica o ex-procurador Marcelo Miller. Segundo os executivos da JBS, ele atuava em favor da empresa antes da exoneração. Agora é aguardar, porque tudo indica que Joesley perderá seus privilégios. Não por ter mentido, mas por ter omitido e manipulado a própria delação premiada. Parece mentira, mas é Brasil.

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  1. 3. No meio do caminho, tinha a Olimpíada

Como desgraça pouca é bobagem, o mar de lama chegou aos Jogos Olímpicos do Rio. A nova fase da Operação Lava Jato, deflagrada na manhã de ontem (05), investiga um esquema de corrupção de compra de votos para a escolha do Rio como sede da Olimpíada. Durante a Operação Unfair Play (Jogo Sujo, em inglês), a Polícia Federal apreendeu R$480 mil na casa de Carlos Arthur Nuzman, presidente no Comitê Olímpico Brasileiro (COB).

Mas não termina por aí, claro que não. Há uma série de outras investigações em torno da Olimpíada do Rio que envolvem acusações de propinas e superfaturamentos.

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  1. 4. No meio do caminho, tinha o Funaro

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), homologou a delação premiada do corretor Lúcio Funaro. Ele admitiu ser o operador financeiro do PMDB na Câmara dos Deputados e citou autoridades com foro privilegiado no STF. Inclusive o excelentíssimo presidente da República, Michel Temer. Espera-se que a denúncia contra Temer seja apresentada ainda essa semana. Funaro era aliado de Eduardo Cunha, inclusive. Temer cada vez mais enrolado.

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  1. 5. No meio do caminho, tinha o Lula – e a Dilma

Quando a gente achou que tinha acabado, a cereja do bolo. A Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou, nesta terça (05) os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Eles são acusados de participar de organização criminosa para desviar dinheiro da Petrobras. O inquérito recebeu o apelido de “quadrilhão do PT”. O Procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também denunciou os ex-ministros Antonio Palocci e Guido Mantega; a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), e seu marido, o ex-ministro das Comunicações Paulo Bernardo; e os ex-tesoureiros João Vaccari e Edinho Silva. Não há novidades em termos de investigação, é mais do mesmo, mas a denúncia é um balde de água fria aos admiradores do ex-presidente, principalmente porque não vem do “aqui-inimigo”, o Juiz Sérgio Moro. A denúncia parte de Janot, até este momento acusado de ser petista. E o mesmo balde serve pra Dilma, que até então vinha sendo inocentada e, agora, precisa mudar o discurso.

E isso que não listei aqui as discussões sobre a reforma política, a proposta de privatizar ou acabar com a UERJ, os R$ 350,00 que os professores gaúchos receberam, e por aí vai.

Carlos Drummond de Andrade disse que havia uma pedra no meio do caminho. Mal sabia ele que os brasileiros teriam pedreiras inteiras a bloquear o futuro.

Igor Natusch

Na tempestade, o bote do eleitor de esquerda é Lula

Igor Natusch
26 de abril de 2017
Ex-presidente Lula participa da 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Promovi uma pequena enquete pelo Twitter na semana passada. Meu objetivo: entender um pouco melhor a disposição dos setores mais à esquerda para um voto conveniente nas eleições de 2018 (caso elas aconteçam, é claro). Abaixo, o enunciado e as respostas:

https://twitter.com/igornatusch/status/854020659072180224

Algumas ressalvas. É evidente que se trata, acima de tudo, de um estudo de bolha – afinal, a imensa maioria das pessoas que tiveram contato com a enquete ou eram meus amigos e seguidores, ou eram pessoas próximas a esses que tiveram a chance de ver a enquete por meio de algum retweet. Um círculo pouco extenso e, portanto, de pouco ou nenhum valor científico. As opções também não foram as ideais: minha ideia inicial era ter cinco opções, com a candidatura do PSOL separada dos votos nulos. Porém, a ferramenta do Twitter infelizmente limita a quatro o número de alternativas – e, como para mim os nomes de Lula, Marina e Ciro eram fundamentais, fui forçado a juntar o partido com a opção de não votar em nenhum dos candidatos. Isso gera problemas óbvios para a leitura, como o fato de eu não saber exatamente quantos votariam nulo no cenário proposto. Ainda assim, acho que dá para tirar algumas reflexões usando essa enquetezinha como suporte.

A amostragem não é de todo desprezível, e a bolha no caso quase ajuda, pois a maioria dos meus seguidores são identificados com ideários progressistas e, portanto, mais pretensos a buscar opções de centro-esquerda em um cenário tão polarizado como deve ser o do ano que vem.

Ideologia fragmentada

O cenário que se desenha, a gente bem sabe, é de centro-esquerda fragmentada. É um momento de queda de hegemonia do PT, que durante décadas praticamente monopolizou o voto viável para esse nicho, ao menos em escala federal. Há um vácuo evidente nesse protagonismo, que será mais ou menos acentuado na medida em que Lula – única figura petista (e da centro-esquerda) cujas chances de vencer estão acima de debate – tiver ou não a oportunidade de concorrer.

Um exemplo é Ciro Gomes. Sem Lula, é um candidato a ser levado em conta; com o barbudo no páreo, perde muito de sua força, não sendo absurdo supor que possa deixar de lado sua convicção de momento e aceite concorrer como vice em uma chapa PT-PDT.

Talvez até mais do que uma briga pelo Planalto, o lado esquerdo do cenário político vê o pleito como uma chance de tomar a dianteira entre seus iguais – acima de tudo, se Lula não estiver na disputa.

Para o eleitor, a coisa é bem outra. Trata-se de lidar com um cenário desesperador – onde João Dória aparece como fenômeno midiático, Jair Bolsonaro cresce no submundo das redes sociais e não faltam Alckmins e Aécios aguardando o momento mais adequado para colocar o bloco na rua. Direitos históricos dos trabalhadores estão sendo profundamente visados, outros que vinham sendo construídos estão sob sério risco diante de um verdadeiro levante obscurantista, e tudo isso enquanto minorias seguem oprimidas por movimentações cada vez mais hostis, no Executivo e no Congresso.

Em resumo, ninguém parece pensar nas urnas como forma de legitimar um possível nome forte para o futuro à esquerda: o negócio é apagar incêndio, e rápido. A pequena amostra que temos até aqui mostra isso: o voto por convicção ou identificação ideológica fraqueja, diante de uma escolha cada vez mais clara por alguém que evite o pior. A quantidade de frases nessa direção, na enquete e no dia a dia, que tenho ouvido é testemunho claríssimo disso.

Esse cenário é de Lula

O discurso de que votar é uma escolha entre o criticável e o inaceitável vem sendo há tempos o mote das campanhas petistas – foi assim na reeleição de Dilma Rousseff, qualquer um há de lembrar. Num cenário onde os sonhos ruins de todos os progressistas viram realidade em frequência quase diária, reforçar esse discurso torna-se muito mais fácil.  Ainda mais para uma figura como Lula.

Além de ter construído uma imagem quase messiânica em torno de si, o ex-presidente tem sido igualmente eficiente em construir, na imaginação de enormes contingentes, a narrativa de pai dos pobres perseguido por uma direita rancorosa e uma investigação injusta, determinada a destruí-lo.

Some-se a essa conjunção de fatores o já bastante consolidado ‘mito do gestor’: a convicção tácita e crescente de que o problema dos políticos é justamente serem políticos, e que é importante colocar no poder figuras que vejam o Executivo como um espaço de eficiência e objetividade. Sem desperdícios e sem perder tempo com discussões de fundo. Sem o debate conceitual, a esquerda perde muito do seu potencial, e a maré não está nem um pouco para esse tipo de discussão. Lula, com sua figura e seu discurso, é talvez o único político da “velha guarda” praticamente imune a esse tipo de colocação – praticamente.

Não é surpreendente (embora seja digno de nota) que muitos setores críticos ao modelo petista de governo federal estejam dispostos a engolir todas as críticas e reconduzir Lula ao Planalto. Há uma certeza (sustentava inclusive em pesquisas de opinião de escala nacional) de que, se ele concorrer, ele pode ganhar, somada a uma impressão não-expressa, mas presente, de que os outros não podem. E, ao menos para grande parte, sua vitória parece muito menos apavorante que a alternativa. Não que o voto convicto esteja inviável, mas vê-se na maioria das mentes submisso a uma narrativa de urgência que, pouco ou muito real que seja, é suficientemente convincente para ditar todas as decisões.

Queiramos ou não, Lula já é o nome forte do lado esquerdo do ponteiro. E isso já está consolidado.

A pergunta de um milhão de dólares: Lula conseguirá concorrer?

Que ele deseja, não há dúvida; sua situação com a lei, no entanto, pode facilmente impedi-lo. Poucos desejam que ele concorra – e isso não se aplica apenas à centro-direita, mas igualmente aos mais diferentes setores de esquerda que se opõem, por lógica político-eleitoral ou divergência ideológica, ao modelo petista de gestão e construção de alianças. Mas o eleitorado que teme as alternativas conservadoras e/ou liberais que estão na mesa demonstra claramente sua disposição de votar no barbudo, com uma convicção que pode ser pouco calorosa, mas não dá qualquer sinal de que possa arrefecer.

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Geórgia Santos

A morte de Marisa e os lados da ignorância

Geórgia Santos
7 de fevereiro de 2017
Foto: Paulo Pinto - Agência PT

Em inúmeras ocasiões pensei que o ser humano não poderia ser mais torpe. E não falo de ações individuais de um serial killer, falo do inconsciente coletivo, mesmo. De ações de massa. Mas em (quase) todas essas ocasiões eu fui surpreendida: nós sempre podemos descer mais um pouquinho. E as reações à doença e morte da ex-primeira dama Marisa Letícia  e suas consequências foram o exemplo perfeito do quão pequenos podemos ser.

Aos 67 anos, a esposa do ex-presidente Lula sofreu um AVC e permaneceu internada por dias no hospital Sírio-Libranês, em São Paulo. Bastou a primeira linha da primeira notícia para as redes sociais serem inundadas por CELEBRAÇÕES. Sim, houve quem comemorasse o derrame de uma mãe, de uma avó, de uma companheira, de uma amiga, de uma pessoa. Bestas latiam enquanto se deleitavam com o sofrimento da “ladra” – o adjetivo mais leve dirigido à enferma. Houve, também, manifestações de solidariedade, mas essas foram apagadas pela enxurrada de ódio, que exigia resposta dos solidários.

Quando a morte de Marisa foi confirmada, na última sexta-feira (3), a canalhice continuou. Memes de péssimo gosto circulavam pelos celulares via WhatsApp, eram compartilhados no Facebook e enaltecidos por insensíveis.

A ignorância não tem fim, pensei eu. Triste.

Mas os insultos não estavam restritos às redes e pequenos grupos. Tampouco a quem detesta o PT e o que ele representa. Pelo contrário, eles estavam por todos os lados. Mas com alvos diferentes. Durante o velório da ex-primeira dama, um repórter da TV Globo não apenas foi impedido de trabalhar por quem frequentou a cerimônia como foi agredido física e verbalmente. “Assassino”, gritavam. Creditando o AVC sofrido por Marisa ao trabalho da mídia tradicional que, segundo eles, estava empenhada em acabar com Lula. Episódio similar ocorrera um dia antes quanto Michel Temer prestou solidariedade ao ex-presidente com uma visita ao hospital. Ele também fora chamado de assassino.

A ignorância se perpetua, pensei eu. Cada vez mais desiludida.

Então chegou o momento em que Lula discursou ao lado do caixão da esposa. Com os olhos vermelhos e lavados, lembrou da vida que construíram juntos e enalteceu a mulher. Terminou, no entanto, em tom surpreendente: “Marisa morreu triste”, disse ele, que explicou que a mulher estava sofrendo com o que ele chamou de perseguição. Achei inadequado, sim. Mas quem sou eu para dizer como um homem em luto deve se comportar? Como disse um amigo, se existe alguém, nessa história toda, que tinha justificativa para ser inadequado diante de tudo o que está acontecendo, esse alguém é Lula. Não por uma questão política, não está em jogo se é homem bom ou não, se roubou ou não, se foi bom ou mau presidente. Mas por uma questão humana. É um homem que acabou de perder a companheira de uma vida toda.

Porém, não há perdão. Rapidamente uma colunista que prefiro não citar o nome se apropria da situação e escreve: “Case com alguém que não vá fazer comício no seu velório quando chegar a hora.” Ora, é muito baixo. Crítico de velório é demais pra minha cabeça.

De fato, é desumano celebrar a morte de Marisa. É torpe chamar repórter de assassino. E baixo usar a morte politicamente.

A ignorância não escolhe lado.