Geórgia Santos

A morte de Marisa e os lados da ignorância

Geórgia Santos
7 de fevereiro de 2017
Foto: Paulo Pinto - Agência PT

Em inúmeras ocasiões pensei que o ser humano não poderia ser mais torpe. E não falo de ações individuais de um serial killer, falo do inconsciente coletivo, mesmo. De ações de massa. Mas em (quase) todas essas ocasiões eu fui surpreendida: nós sempre podemos descer mais um pouquinho. E as reações à doença e morte da ex-primeira dama Marisa Letícia  e suas consequências foram o exemplo perfeito do quão pequenos podemos ser.

Aos 67 anos, a esposa do ex-presidente Lula sofreu um AVC e permaneceu internada por dias no hospital Sírio-Libranês, em São Paulo. Bastou a primeira linha da primeira notícia para as redes sociais serem inundadas por CELEBRAÇÕES. Sim, houve quem comemorasse o derrame de uma mãe, de uma avó, de uma companheira, de uma amiga, de uma pessoa. Bestas latiam enquanto se deleitavam com o sofrimento da “ladra” – o adjetivo mais leve dirigido à enferma. Houve, também, manifestações de solidariedade, mas essas foram apagadas pela enxurrada de ódio, que exigia resposta dos solidários.

Quando a morte de Marisa foi confirmada, na última sexta-feira (3), a canalhice continuou. Memes de péssimo gosto circulavam pelos celulares via WhatsApp, eram compartilhados no Facebook e enaltecidos por insensíveis.

A ignorância não tem fim, pensei eu. Triste.

Mas os insultos não estavam restritos às redes e pequenos grupos. Tampouco a quem detesta o PT e o que ele representa. Pelo contrário, eles estavam por todos os lados. Mas com alvos diferentes. Durante o velório da ex-primeira dama, um repórter da TV Globo não apenas foi impedido de trabalhar por quem frequentou a cerimônia como foi agredido física e verbalmente. “Assassino”, gritavam. Creditando o AVC sofrido por Marisa ao trabalho da mídia tradicional que, segundo eles, estava empenhada em acabar com Lula. Episódio similar ocorrera um dia antes quanto Michel Temer prestou solidariedade ao ex-presidente com uma visita ao hospital. Ele também fora chamado de assassino.

A ignorância se perpetua, pensei eu. Cada vez mais desiludida.

Então chegou o momento em que Lula discursou ao lado do caixão da esposa. Com os olhos vermelhos e lavados, lembrou da vida que construíram juntos e enalteceu a mulher. Terminou, no entanto, em tom surpreendente: “Marisa morreu triste”, disse ele, que explicou que a mulher estava sofrendo com o que ele chamou de perseguição. Achei inadequado, sim. Mas quem sou eu para dizer como um homem em luto deve se comportar? Como disse um amigo, se existe alguém, nessa história toda, que tinha justificativa para ser inadequado diante de tudo o que está acontecendo, esse alguém é Lula. Não por uma questão política, não está em jogo se é homem bom ou não, se roubou ou não, se foi bom ou mau presidente. Mas por uma questão humana. É um homem que acabou de perder a companheira de uma vida toda.

Porém, não há perdão. Rapidamente uma colunista que prefiro não citar o nome se apropria da situação e escreve: “Case com alguém que não vá fazer comício no seu velório quando chegar a hora.” Ora, é muito baixo. Crítico de velório é demais pra minha cabeça.

De fato, é desumano celebrar a morte de Marisa. É torpe chamar repórter de assassino. E baixo usar a morte politicamente.

A ignorância não escolhe lado.