Raquel Grabauska

Banho de chuva

Raquel Grabauska
7 de dezembro de 2018

Das lembranças mais fortes que tenho da infância, os banhos de chuva sempre ganham

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Minha mãe era refugiada de guerra. O barulho de trovão remetia às bombas. Mal o tempo começava a nublar, se meu pai não estava em casa, ela nos fazia pular o muro da vizinha para nos refugiarmos. Banho de chuva era só quando o pai tava em casa. A mãe se escondia e o pai parava na porta, nos cuidando, permitindo, zelando. Ele nunca tomava banho de chuva conosco. Mas era visível o tanto que ele gostava de nos ver ali.

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Família humilde, o banho de chuva era uma diversão garantida, democrática

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Morávamos numa casa. O pátio era nosso navio, nosso castelo, o que coubesse na imaginação daquele dia. Com filhos numa cidade grande, os banhos de chuva me são mais raros do que gostaria. Hoje isso se desfez. Almoçamos com amigos queridos num lugar ao ar livre. Uma chuva repentina e intensa nos deixou atrapalhados. A ideia de brincar na praça foi pro brejo. Meu filho mais velho começou a brincar nas goteiras das calhas, de leve. Tentamos conversar de que não era o melhor momento. Pais ponderando. Todas as crianças se recolheram. Ele foi. Tão feliz. Com cara de que sabia que tava aprontando. E tão feliz! Saímos na chuva, os dois. Pisamos em poças, rimos, brincamos, lavamos as almas.

Lembrei da criança que eu fui. Me emocionei com a criança que ele é. Por mais banhos de chuva. Muito mais!

Raquel Grabauska

Chantagem – quem nunca?

Raquel Grabauska
30 de novembro de 2018

Eu nunca gostei de condicionar as coisas aqui em casa. Tipo: se não te comportar, não ganha… Pra mim sempre foi crucial combinar, explicar, dialogar. Como é lindo o mundo das mães na teoria. E quando tu tá atrasada pra uma reunião e o filho não consegue decidir qual brinquedo ele vai levar pra passear? E quando tá tudo pronto e ele toma um gole de água e um micro pingo na roupa é motivo de choro, escândalo, olhar sinistro dos vizinhos que pensam em te denunciar pro conselho tutelar? E quando tu conseguiu deixar tudo bem e do nada fica tudo ruim? E? E? E?

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Nada como uma boa psicologia do desespero. Daí a gente faz o que é possível. Conversa, negocia, tenta, tenta, tenta. E apela.
Bah, apelar é necessário. Quem nunca?
Se atirar a primeira pedra, é certo que só o fez por não ter filho

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Nessas horas em que já tentamos até o impossível, pensamos em mil soluções. Uma delas, claro, é a chantagem. Evita-se ao máximo. Mas tem vezes…

Essa semana meu filho mais velho queria fazer algo, nem lembro mais o que era. Eu não permiti. Ele ficou chateado. Mas mais chateado ficou o irmão mais novo, o defensor do mano. Eles insistiram. Eu mantive a negativa. Depois de argumentos, contra-argumentos, réplica, tréplica e o escambau, o mais novo diz:

(antes disso é importante citar que dia desses ele achou um creme meu e com a desculpa de me fazer massagem, desfez-se da metade do conteúdo)

– Mamãe, tu quer um creme novo? Pensa bem, mamãe, tu pode ganhar um creme novo.
– Porque, filho?
– Deixa o mano fazer o que ele quer.
– Não dá, filho.
– Mamãe, tu que sabe… Tu que decide se quer o creme ou não…

Ai do discípulo que não supere o mestre.

Raquel Grabauska

Meu filho (quase) fugiu de casa

Raquel Grabauska
23 de novembro de 2018

Meu filho mais novo tentou ir embora de casa pela primeira vez

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Estavam os dois irmãos mega brincando. Brincando de um jeito comovente. Até tentei entrar na brincadeira e me deram uma excluída. Fiquei na minha, deixa eles, é o espaço deles, blá,blá, blá. Mãe tentando ser madura. O mais velho cansou da brincadeira. O mais novo continuou. O mais velho pediu para parar. O mais novo continuou. Um pedia para parar, o outro continuava. E assim foi por um bom tempo.

O mais velho se irritou. Muito. Foi dar um chute no irmão. Não um chute qualquer. Eu vi que a mira era no rosto. Peguei o pé no ar.  Proferi um sermão da montanha. Os dois silenciaram. Depois do discurso voltei a respirar. Me dei conta do risco que havíamos corrido. Passou, pronto, passou…

Quando o mundo parou de girar, olhei para as duas crianças. O mais novo com cara de susto e o mais velho com cara de mais susto. Imaginei a minha cara de susto também. Percebemos os três que estava tudo bem. O mais novo começou uma manha. Expliquei que o que o mano tinha feito não era aceitável, mas que ele deveria ter parado quando foi pedido. Que ele deveria ter ouvido o não. Respeito.

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Nisso, vi que ele foi para perto da porta. Calçou os crocs, me olhou profundamente e girou a maçaneta

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Perguntei para onde ele ia e ele disse que precisava ir embora até eu querer ser uma boa mãe. O mais velho pediu pra ele não ir. Eu aproveitei a deixa e fiz aquela chantagem básica: "Ué, tu queria chutar o mano.” Horrível, eu sei. O mais novo assistindo a nossa conversa, com aquela cara. Daí disse: "O mano que escolhe se eu fico ou vou!"

Resumindo, os dois se abraçaram, foram juntos brincar  de novo. E eu fiquei assistindo.

Meu filho mais novo tentou ir embora de casa pela primeira vez

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Estavam os dois irmãos mega brincando. Brincando de um jeito comovente. Até tentei entrar na brincadeira e me deram uma excluída. Fiquei na minha, deixa eles, é o espaço deles, blá,blá, blá. Mãe tentando ser madura. O mais velho cansou da brincadeira. O mais novo continuou. O mais velho pediu para parar. O mais novo continuou. Um pedia para parar, o outro continuava. E assim foi por um bom tempo.

O mais velho se irritou. Muito. Foi dar um chute no irmão. Não um chute qualquer. Eu vi que a mira era no rosto. Peguei o pé no ar.  Proferi um sermão da montanha. Os dois silenciaram. Depois do discurso voltei a respirar. Me dei conta do risco que havíamos corrido. Passou, pronto, passou…

Quando o mundo parou de girar, olhei para as duas crianças. O mais novo com cara de susto e o mais velho com cara de mais susto. Imaginei a minha cara de susto também. Percebemos os três que estava tudo bem. O mais novo começou uma manha. Expliquei que o que o mano tinha feito não era aceitável, mas que ele deveria ter parado quando foi pedido. Que ele deveria ter ouvido o não. Respeito.

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Nisso, vi que ele foi para perto da porta. Calçou os crocs, me olhou profundamente e girou a maçaneta

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Perguntei para onde ele ia e ele disse que precisava ir embora até eu querer ser uma boa mãe. O mais velho pediu pra ele não ir. Eu aproveitei a deixa e fiz aquela chantagem básica: “Ué, tu queria chutar o mano.” Horrível, eu sei. O mais novo assistindo a nossa conversa, com aquela cara. Daí disse: “O mano que escolhe se eu fico ou vou!”

Resumindo, os dois se abraçaram, foram juntos brincar  de novo. E eu fiquei assistindo.

Raquel Grabauska

Dois dentes moles

Geórgia Santos
16 de novembro de 2018

Eu escrevi semana passada sobre o terror que foi levar meus filhos ao teatro. Escrevi esses tempos sobre a fada do dente. Nesta semana, tudo se misturou. Benjamim, meu filho mais velho, tem 7 anos. Para seu desespero, nunca teve um dente mole. Precisou arrancar dois, pois os permanentes nasceram antes de caírem os de leite.

Todos os colegas com os dentes moles, banguelinhas. Menos ele. Mil perguntas dele sobre o porquê disso. Mil explicações nossas sobre a diferença das pessoas (e aí a mãe já aproveita para dar todos os discursos sobre respeito, diversidade… pobre criança!). Pois bem, amoleceu o primeiro dente, finalmente. E o segundo. E amoleci eu. E ele. Amolecemos todos. Isso nos aproximou de um jeito que nem pensei que podia, pois já tinha sentido todo o amor do mundo, não sei como pode caber mais ainda.

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Sete anos. Dente mole. Outra fase. Ele está crescendo

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Depois do chilique no teatro na semana passada, fiquei pensando no que significava minha profissão. Se meu modo de apresentar as coisas para meus filhos era acertado. Aquelas dúvidas que a gente tem por não existir manual para criar filhos. Pois bem…

No dia do primeiro dente mole, fui ficar com ele na hora de dormir. Já estava bem emocionada, vendo ele deitado, meu bebê que cresceu, que está crescendo, que vai crescer mais e sair de casa, e… (disfarça as lágrimas pra não ter que explicar todo esse pensamento pra ele). Ele me diz: tu pode fazer uma música da fada do dente? E um pouco depois: e uma peça também?

Pronto. Amoleci, derreti, desintegrei de amor. Claro que posso, filho. Todas as minhas dúvidas sumiram naquele instante. Me dei conta de que tá tudo bem. Que teremos fases, as dele e as minhas. E as nossas. E tá tudo bem se ele não quiser ir no teatro.

Raquel Grabauska

O drama da Feira do Livro

Raquel Grabauska
9 de novembro de 2018

Desde que foram concebidos os guris estiveram no palco. Criei espetáculos com eles na barriga, apresentei até 15 dias antes do parto, voltei a apresentar quando tinham três meses. Crianças de cochia. Familiarizados com a arte, com o palco, com a movimentação do ofício da mãe.

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Agora, tenta ir numa peça com eles!!!!!

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Fui na Feira do Livro. Para convencer a entrar no auditório, quase rolou chantagem. Da minha parte, é claro. Quando o espetáculo começou, os ouvidos doíam que iam explodir. Sendo que o era no mínimo mil vezes mais baixo do que qualquer grito deles.

O mais velho tinha um livro nas mãos. Isso foi ajudando. Um pouco olhava o livro, um pouco a peça. Lá pelas tantas, via algo bem legal no livro e eu tinha que fazer um delicado “psssssst!” para os mil comentários sobre o que ele tinha visto. O mais novo teve a ideia genial de levar um boneco de Lego.

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Claro, quando o mais velho estava concentrado na peça, o boneco maldito caiu arquibancada abaixo. Mas não todo o boneco. Só o capacete. Preto. No paralelepípedo. Embaixo da arquibancada.

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Adivinhem quantos dois segundos demorou para o choro? O pai das crianças já estava embaixo da arquibancada procurando. Eu tentando manter alguma dignidade. A peça lá no palco. Aí mais velho fala: “mamãe, o papai não pode ir ali! Eles avisaram que não podia ir! Se caísse algo era pra chamar alguém de azul!” E explica pra ele. O pai embaixo. O irmão chorando. A peça acabou.

Alguns bons samaritanos do público, entendendo o drama, ajudaram a procurar. A equipe de produção TODA ajudou a procurar. Quando as lágrimas já estavam secas e ele quase conformado, nós já indo embora, o pai achou. Super pai, super herói. Me deu vontade de acender fogos de artifício.

Enquanto isso,  filha da minha amiga que não é do teatro, depois de assistir a peça toda, estava olhando os livros.

Raquel Grabauska

Um dia depois do primeiro turno

Raquel Grabauska
26 de outubro de 2018

Acordar triste e ter que explicar para o meu filho de sete anos os resultados das eleições. Eu estava até indo bem. Ele me fez umas 3500 perguntas. Quando expliquei que um dos motivos para não aceitar Bolsonaro era o fato de ele acreditar que mulher deve receber um salário menor por causa da gravidez, ele me disse:

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Mamãe, isso é um absurdo! A mulher engravida para dar vida para os homens!

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Eu deixei ele no colégio, dei tchau, andei 100 metros, desliguei o carro e chorei. Quero um mundo em que meu filho de sete anos não tenha que pensar nisso. Nem o teu filho. Nem o de ninguém. Que nenhuma criança ou adulto sofra por ser o que for. Cor, sexo, corpo, tamanho. Somos todos. Nossa diferença nos torna únicos. Por um mundo em que todos os iguais possam ser diferentes. É o que desejo para os meus filhos. Para os teus. Para os nossos.

Raquel Grabauska

O monstro da fome

Raquel Grabauska
19 de outubro de 2018

Eu sempre tentei ser uma pessoa legal. Claro, tem vezes que a gente não consegue. Daí é a hora de ser legal com a gente, se perdoar, seguir em frente e tentar não cair no mesmo buraco outra vez. Quando temos filho, acerto e erro são, por vezes, desesperadores. A pressão que se cria é algo quase possível de entender ou sentir.

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Ver os filhos cometendo os teus mesmos erros, explicitando os teus próprios defeitos é um exercício difícil de amadurecimento, para todos

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Meu filho mais velho fica mega furioso quando está com fome. Normalmente ele é bastante calmo, mas vira uma fera, respondão, intratável, irracional. Igual a mim antes de ter ele. I-G-U-A-L! Hoje ele teve um mega ataque de fome: “vocês vão me matar de foooomeee!” E dizendo isso de verdade, sentindo de verdade. Eu sei. Eu era igual, igual, igual.  Quando deu a primeira garfada, o monstro desapareceu e ele voltou a sorrir e conversar normalmente.

Expliquei pra ele que era assim comigo também antes dele. Ele ficou surpreso: “como tu fez pra melhorar”. Eu ri e expliquei que quando nasce um filho, a gente esquece, muitas vezes, da gente, porque nosso instinto se volta todo para a cria. Expliquei que não entendia muito como, mas que tinha mudado. E ele: então sou teu milagre!

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Sim, meu milagre. Indescritível enxergar o meu humor nele. O sorriso. As caretas. Indescritível me enxergar nele. Isso sim é o verdadeiro milagre

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E depois de escrever, fui fazê-lo dormir. Do nada: mamãe, sabia que eu tenho uma marca de nascença que tu me deu? Eu já tava emocionada e perguntei: qual? Ele: a imaginação. A criatividade. Meu milagre. Meu milagre.

Raquel Grabauska

Dia das Crianças . O que elas fariam na presidência da República?

Geórgia Santos
12 de outubro de 2018

“Fazia tudo ficar mais barato. O Macdonalds viraria uma loja de brinquedos. E proibiria comida com agrotóxico no mundo todo. Eu quero ser presidente do mundo. “
Benjamin, 7 anos

Eu decretaria “o dia da bagunça!”
Tom, 4 anos

“Se eu fosse presidente eu ia tratar as pessoas bem e as meninas, mulheres iam ganhar a mesma coisa que meninos, homens. Também ia deixar as pessoas casarem com quem elas quisessem. Eu também vou dar dinheiro para as pessoa pobres”
Anita, 5 anos

“Se eu fosse o presidente,  eu iria investir em tecnologia nacional de extração e transformação de matérias primas,  além de computadores e softwares, também nacionais,  para não termos que pagar um centavo pro exterior nessa área.  E também eu iria investir na educação,  para ter mão de obra para fazer isso.”
Samuel, 13 anos

“Eu só faria coisas importantes para as pessoas. Água, comida e brincadeiras”
Nicolas, 4 anos

“Eu não roubaria dinheiro da merenda das crianças, eu acabaria com a pobreza, reforçaria a polícia, faria justiça, eu pagaria o salário dos trabalhadores, eu mandaria mais pessoas taparem os buracos das ruas, defenderia os direitos dos gays, dos negros e das mulheres, pararia o tráfico de drogas e investiria na educação e na cultura.”
Franco, 10 anos

“Eu melhoria a economia primeiro, cortando os salários de todos os políticos e depois iria pensar em causas sociais.”
Lucca, 13 anos

“Eu queria um país que não tivesse tênis de cadarço, porque eu não gosto de amarrar cadarço. E depois, eu ia acabar com essas brigas que um fica falando que um é ruim, que o outro não é bom pro Brasil. Eu ia chegar e falar assim, ó: olha aqui, agora eu sou a presidente do Brasil, vamos acabar com essa briga, porque isso aqui é só pra diversão.”
Alice, 7 anos

“ Eu ia tocar violão”
Peterson, 5 anos

“Eu ia fazer todo o bem pras pessoas.”
Gabriel, 7 anos

“Eu faria um país melhor. Sem falta de emprego, emprego pra todo mundo, digno. E comida pra todo mundo.”
Gabriela, 9 anos

“Quem poluísse o planeta, iria pra cadeia, porque não pode poluir. Deveria ser assim. Não pode poluir. Porque se polui, tu acaba te matando e mata todo mundo, porque uma hora acabam as coisas. E também acharia um jeito de criar meios de transporte que não gaste nada de energia elétrica e nem nada de poluir o planeta, porque energia elétrica vem da água, da natureza. ”
Arthur, 8 anos

“Ia ter sorvete grátis!”
Duda, 4 anos

Raquel Grabauska

Amor incondicional?

Raquel Grabauska
5 de outubro de 2018
Eu tive um ataque de amor e abracei meu filho menor bem forte, cherei e disse: como posso te amar tanto?
Ele: porque tu é minha mãe, ora!

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Fiquei rindo muito, claro. E depois fiquei pensando no tal amor incondicional. Eles ainda não me desafiaram a ponto de eu questionar esse amor. Por enquanto, sei que é amor incondicional porque tenho a sorte de ter dois fofos como filhos. Mesmo nos dias em que não dormem. Mesmo nos dias em que deixam os brinquedos jogados. Ou que todas as roupas incomodam. Mesmo quando eles precisam de mim a cada meio segundo. Mesmo quando eles não precisam de mim o dia todo. Mesmo que…

Ver os filhos crescendo é um desafio terno e assustador. Não é só pelas roupas que deixam de servir de um dia pro outro. Não é só porque temos que saber os nomes de todos os personagens dos desenhos animados. Não é só porque num dia tu faz a comida que eles mais amam e no outro dia eles não suportam aquela mesma comida.

É um estado de atenção, vigília. Sem trégua. Porque se a gente não está atento, deixa passar o que mais importa. Deixar de ver que eles aprenderam algo novo, que o vocabulário aumentou, que ele já sabem dizer “procrastinar”e mais, já sabem o que isso significa! Um amor incondicional. Por ora é assim. Pra sempre assim.

Raquel Grabauska

Adoção – Quatro relatos de pais e mães que adotaram uma criança

Raquel Grabauska
28 de setembro de 2018

Ter um filho é algo que não tem como descrever. Posso falar anos e anos sobre o que é. E nunca vou chegar nem perto da complexidade, a felicidade e a inteireza que envolve tudo isso. Sabe como se tem filho? Com amor. Essa é a melhor forma. Meu carinho e admiração a quem tem tanto amor.

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Conversei com quatro pessoas que tiveram umas das atitudes mais lindas que alguém pode ter: adotar uma criança

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Airton, pai do Henrique e do José Guilherme

Quando tiveram a ideia de adotar?
O Marcos sempre teve vontade, porém decidimos no inicio de 2009 e neste mês mesmo agimos…hehehe

Quanto tempo entre a ideia e a adoção?
Dia 26 de janeiro de 2009 fomos até o JIJ (Juizado da Infância e Juventude) nos inscrevemos, já com documentação exigida e, a partir daí, passamos por todo o processo de habilitação (entrevista com psicólogos e assistentes sociais com visita dos mesmos em nossa casa) para adoção como qualquer outro casal ou pessoa que pretende adotar. Em abril já estávamos habilitados e na lista de adotantes do CNA (Cadastro Nacional de Adoção). Em novembro recebemos a ligação do JIJ da cidade de origem deles e fomos conhecê-los no dia 26 de novembro e depois veio duas visitas deles em nossa casa durante fins de semana. Depois da segunda visita decidimos que os queríamos e eles aceitaram ser nossos filhos. No dia 14 de dezembro aconteceu a audiência e saímos dali com a guarda provisória. Após a segunda visita da equipe de acompanhamento fomos dados como totalmente adaptados, teve o parecer favorável do juiz e depois do trânsito julgado do processo (45 dias) fomos registrá-los em maio de 2010.

Que idade tinha a criança?
Adotamos dois irmãos. O Henrique tinha 9 anos e o José Guilherme tinha 4 anos.

Qual a parte mais difícil?
Felizmente não tivemos nada de empecílio. Achamos que foi um processo que bem feliz. Todas as pessoas que de uma forma ou de outra se envolviam neste processo eram muito tranquilas e foi facílimo TUDO.

Como foi quando viu a criança pela primeira vez?
Vimos eles pela primeira vez no dia 26 de novembro, quando fomos no abrigo. Nada sabíamos sobre eles. Primeiro conversamos com a equipe maravilhosa do abrigo, nos contaram sobre a vida deles e depois fomos no pátio conhece-los. Estavam junto com outras crianças. Fomos sem eles saber quem éramos e assim conhecemos sem saberem a nossa intenção. Depois eles vieram até a sala da secretaria e conversamos com eles. Foi amor a primeira vista. Falamos o que estávamos fazendo ali e se eles gostariam de nos conhecer melhor, nossa casa. Combinamos a visita. Depois desta tivemos a certeza que eram eles e eles também que éramos nos os pais que eles escolheriam.

O que te fez saber que era aquela a tua criança?
Eu costumo dizer que o universo conspirou e que nossos caminhos estavam traçados para se cruzarem. Sou espirita e acredito que nesta passagem na terra estamos resgatando algo de outras vidas. Estava escrito que assim seria. E está sendo maravilhoso.

O que tu recomenda pra quem tá pensando nisso?
Eu recomendaria que adotasse imediatamente e deixe de pensar. É uma relação de completa troca de amor, carinho, atenção, puxões de orelhas e companheirismo. Portanto, recomendo que a pessoa se jogue de cabeça e totalmente disposto para dar e receber muito amor e carinho. Com certeza será muito feliz.

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Dorana, mãe do Davi e, agora, mãe da Júlia, de um ano e três meses

Quando tiveram a ideia de adotar?

Sempre tivemos a vontade de adotar, mas a atitude veio quando não conseguimos engravidar do segundo filho.

Quanto tempo entre a ideia e a adoção?

A ideia desde o namoro…kkkk Mas entre ir no Foro Central, ficar habilitado e adotar, 6anos e 5 meses..

Que idade tinha a criança?

Um ano e dois meses. Pedimos no perfil uma menina de até quatro anos.

Como foi quando viu a criança pela primeira vez?

A primeira vez a gente se esforça pra se equilibrar, é um momento tenso e intenso!

O que tu recomenda pra quem tá pensando nisso?
O que recomendo, bom, em uma semana com ela em casa, estamos nos adaptando. Que esta busca seja feita com o apoio da tua família, que seja iniciada de uma vez e que lembre sempre que ” ganhar” um filho é um presente. Independente de ser biológico ou não, ele será TEU pra sempre. Responsabilidade como pais…para criarmos uma pessoa que some neste mundo.

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Ana, mãe do Henrique,7 anos

Quando tiveram a ideia de adotar?

Após tentarmos três gestações sem sucesso

Quanto tempo entre a ideia e a adoção?
1 ano

Que idade tinha a criança?
1 ano e 8 meses

Qual a parte mais difícil?
À espera longa sem ter prazo certo e depois não saber muito sobre a criança

Como foi quando viu a criança pela primeira vez?
01 mês antes de ir para minha casa

O que te fez saber que era aquela a tua criança?
Não sabia, ela me foi designada e nós a acolhemos, não sentimos aquela coisa mágica que muitos falam. Houve uma empatia e afeto mútuo pois ele queria uma família e nós queríamos um filho, mas nada mágico, tudo muito construído até hoje, tijolinho por tijolinho. No início há um estranhamento, pois de repente nasce uma criança, sem gestação, sem data de parto.

O que tu recomenda pra quem tá pensando nisso?
Esteja de coração aberto, não coloque ideias em caixinhas, nem planos rígidos, abra-se para aprender, para receber e, claro, para exercitar um amor que com certeza vai te desafiar e exigir muito.

Vanessa, mãe da Dora, três anos

Quando tiveram a ideia de adotar?
No nosso caso não foi uma “ideia”. Eu sempre acreditei ser essa uma das certezas que tinha sobre maternidade. Minha companheira abraçou o meu mundo e as minhas certezas e com a vida em comum começamos a reconhecer os ecos uma da outra como nossos também. Assim se deu a decisão íntima de sermos mães pela via da adoção.
Entendemos que para nós o caminho da maternidade pela inseminação de um doador de sêmen já é uma adoção. Adoção essa unilateral, no nosso entender . E ainda com variáveis muito elásticas quanto ao que mobiliza esses doadores.
Outra questão quanto à seleção dos possíveis doadores em um banco de sêmen brasileiro que nos deixou tão distantes dessa ideia foi o fato de que, como mulheres brancas que somos, só poderíamos ter doadores igualmente brancos. Para nós isso é assustador. Já na época. Ainda mais hoje, nós mulheres brancas, mães de uma menina negra.

Quanto tempo entre a ideia e a adoção?
Alguns anos (quase 4 anos) desde a primeira vez que falamos sobre o assunto. Em um primeiro momento nos dedicamos a construir nossa relação. Nosso entendimento como casal. Do amor sedimentado cresceu a vontade de expandir esse amor para alguém que nascesse desse amor. E a adoção é só AMOR – pelo outro. Um outro que não é gerado em você mas nasce e cresce em você. E a razão de ter aqui a “palavra Amor” repetidas vezes é porque só é possível a entrega quando o AMOR é maior e transborda.
Porém de tudo – demoramos 17 meses para sermos habilitadas e da habilitação até a chegada da Dora foram quase 4 anos.

Que idade tinha a criança?
A conhecemos com menos de um ano e ela chegou com 1 ano e meio.

Qual a parte mais difícil?
Como mãe a parte dilacerante é quando já se sabe que sua filha existe; tem um rosto, um olhar, um cheiro… e você precisa dia após dia se despedir e a deixar no abrigo até que alguém compreenda que essa criança já tem uma família para chamar de sua.

Para nós como mulheres que se amam o mais difícil foi lidar com o preconceito. Em muitas etapas iniciais do processo de habilitação e ainda pela parte técnica do abrigo.

Como foi quando viu a criança pela primeira vez?
Foi um turbilhão. Dentro do abrigo, noite, frio. Eu ali em dia de festa para as crianças maiores. Ela doente sem nada de festa. Muito séria, olha triste, desconfiada, vem pro meu colo. Foi a emoção mais doida e doída que já vivi. Fui tomada por uma coragem de mundo e ao mesmo tempo um medo imenso do que estava por vir me pegou pela mão. Não é fácil quando nos damos conta de que o coração bate fora do peito.

O que te fez saber que era aquela a tua criança?
Como não saber?

O que tu recomenda pra quem tá pensando nisso?
Recomendo leitura, escuta, compartilhamento, entrega. Recomendo urgentemente que participe de grupos de apoio à adoção. Apenas os sérios. Tem muita bobagem nas redes e muito preconceito.
E antes de mais nada que somente pense a adoção se ou quando o coração estiver pronto. Adoção não pode ser vista e não é a última opção para se formar uma família. Os adotantes é que devem ser na verdade os adotados. As famílias é que devem adotadas por essas crianças. Já passaram por muito. Não são consolo nem nos devem gratidão. O luto é delas e não nosso. Precisamos ser e estar inteiros para elas que muitas vezes são fragmentadas, apenas parte de histórias que “preferimos” não contar, que “preferimos” esquecer.
E por fim termos a certeza segura de que uma família formas pela adoção tem raiz no amor. E isso – o amor – também passa de pais para filhos.

Lugares bem legais para ver um pouco sobre isso

DNA da Alma

Adoção Tardia

CEJA – PE

E aqui, pra chorar um pouquinho

* Na foto estão a Vanessa e sua companheira, Júlia, junto com a filhota, Dora. O clique foi da Maria Clara Adams, para a exposição Amores Perfeitos.