Raquel Grabauska

Banho de chuva

Raquel Grabauska
7 de dezembro de 2018

Das lembranças mais fortes que tenho da infância, os banhos de chuva sempre ganham

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Minha mãe era refugiada de guerra. O barulho de trovão remetia às bombas. Mal o tempo começava a nublar, se meu pai não estava em casa, ela nos fazia pular o muro da vizinha para nos refugiarmos. Banho de chuva era só quando o pai tava em casa. A mãe se escondia e o pai parava na porta, nos cuidando, permitindo, zelando. Ele nunca tomava banho de chuva conosco. Mas era visível o tanto que ele gostava de nos ver ali.

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Família humilde, o banho de chuva era uma diversão garantida, democrática

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Morávamos numa casa. O pátio era nosso navio, nosso castelo, o que coubesse na imaginação daquele dia. Com filhos numa cidade grande, os banhos de chuva me são mais raros do que gostaria. Hoje isso se desfez. Almoçamos com amigos queridos num lugar ao ar livre. Uma chuva repentina e intensa nos deixou atrapalhados. A ideia de brincar na praça foi pro brejo. Meu filho mais velho começou a brincar nas goteiras das calhas, de leve. Tentamos conversar de que não era o melhor momento. Pais ponderando. Todas as crianças se recolheram. Ele foi. Tão feliz. Com cara de que sabia que tava aprontando. E tão feliz! Saímos na chuva, os dois. Pisamos em poças, rimos, brincamos, lavamos as almas.

Lembrei da criança que eu fui. Me emocionei com a criança que ele é. Por mais banhos de chuva. Muito mais!

Raquel Grabauska

Viajar com crianças

Raquel Grabauska
31 de março de 2017

Sabe aquela história de quando a criança não quer dormir tu embala no carrinho ou sai pra dar uma volta de carro? Aqui nunca funcionou. Quer despertar um filho meu é só colocar no carro. Já fizemos uma viagem que devia durar três horas. Com nossos dois filhos, levou 6.

Meu trabalho no teatro exige muitas viagens. Viajei até as semanas finais da gravidez. Quando o bebê tinha três meses, fizemos nossa primeira viagem curta de carro. Pra ele foi tranquilo. Eu fiquei numa tensão… Uma viagem de 2h30min me pareceu durar uns 14 dias.

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“A cara das pessoas ao ver uma família chegando com uma criança é algo memorável”

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Quando ele tinha 9 meses fizemos a primeira de avião. Tuuudo bem. Ele mamou na subida e dormiu quase o vôo todo. Daí fomos nos adaptando e voltamos às muitas viagens de sempre. Quando ele tinha quase dois anos, fizemos a primeira viagem internacional. 12 horas dentro de um avião. A entrada no avião já é algo para os fortes. A cara das pessoas ao ver uma família chegando com uma criança é algo memorável. O pânico que se instala com a possibilidade de ter uma crianças perturbando a viagem é hilário. E compreensível. E um risco real.

Uma vez fizemos uma viagem de carro de nove horas. Meu filho queria que eu cantasse. O caminho todo. TODO. Colocava uma música no rádio: não,a mamãe canta. O pai cantava: não a mamãe canta. Contava uma história: não, a mamãe… A mamãe já cantava que a borboletinha entrou na roda e fiz miau. Não sabia mais o que tava falando.

Agora temos dois filhos. Eles Têm o poder de às vezes virarem 18. Nossos quatro braços às vezes parecem insuficientes.

Dias desses viajamos de trem. Meu marido, eu, nossos dois filhos (3 e 5 anos). Na cabine tinha mais uma criança de 2 anos e outra de 4. Os dois não se conheciam e eram alemães. Pequeno detalhe: ainda não falamos mais que cinco ou seis palavras em alemão. Mas isso não importou. Quando vi, estávamos todos brincando de o limão entrou na roda. Isso rendeu duas horas de viagem. O alemão de 4 anos cantarolava a melodia. As mães deles conversavam animadamente entre elas.

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Desde então desenvolvemos alguns suportes para que as viagens sejam possíveis para eles, para nós e pra quem está por perto:

  • sempre que entramos num avião, imediatamente eu falo pra pessoa que está na nossa frente que estamos viajando com crianças, que se estivermos incomodando, pode falar. Até hoje tivemos sorte. Acho que isso já humaniza um pouco, as pessoas nos veem como pessoas e não como dois portadores de capetas ambulantes;
  • Fazer amizade com quem está atrás. Aquelas espiadinhas, brincar de olhar e esconder, rendem hooooras de brincadeira;
  • Lápis de cor, revistas, livros. Sim, isso funciona sempre!

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Inventamos também alguns jogos nossos (em viagens terrestres):

  1. Quem acha aquele carro daquela cor daquele daquele carro – essa é auto explicativa. Rende muito tempo. Principalmente se eu peço pra achar um carro roxo com bolinhas verdes. Rá;
  2. Acha tudo acha tudo acha– escolhe um objeto e os outro têm qua achar na rua;
  3. Árvore crescente – acha uma placa na rua. Tem que achar várias iguais. Vai montando uma árvore imaginária com as placas. Se parecer uma placa com X, a árvore desmonta;

Os nomes das brincadeiras  e a ilustração são do Benjamin