Ninguém é obrigado a responder mamadeira de piroca
Igor Natusch
1 de agosto de 2019
A frase do título foi publicada no Twitter pelo editor-executivo do The Intercept Brasil, Leandro Demori. Deveria ser alçada ao status de mantra, ser adotada sempre que nos fosse exigido um posicionamento sobre alegações absurdas e ridiculamente mentirosas. É tudo muito simples, na verdade: tudo que é falso e mentiroso ganha uma estranha espécie de legitimação quando recebe a dignidade de uma resposta. Não alimente os trolls. Não responda mamadeira de piroca.
Infelizmente, as coisas não estão funcionando assim. E é profundamente preocupante quando a legitimação, mesmo indireta, vem dos próprios veículos e espaços criados para combater a falsidade, para deslegitimar a mentira sem-vergonha com a exposição implacável da verdade e dos fatos. Vejamos, por exemplo, essa manifestação do Lupa, especializado em fact-checking:
Com todo o respeito aos profissionais que trabalham no veículo, mas essa manifestação é um absurdo
Mais: é um absurdo perigoso
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Sites como Boatos.org e Snopes prestam um excelente serviço, basicamente porque partem de uma ótima premissa: ser uma database de desmentidos. O valor que oferecem, embora dialogue de forma óbvia com o noticiário, pouco tem a ver com instantaneidade: é ser uma fonte confiável a ser consultada sempre que o usuário da internet tiver dúvida sobre a veracidade de alguma alegação. Você tem dúvidas, e vai até eles fazer uma consulta. É eficiente, e com alto potencial de convencimento.
Veículos de fact-checking como Lupa são diferentes. Sua proposta é enfrentar fake news de forma dedicada e jornalística. O que é igualmente importante nesses tempos difíceis que vivemos, embora com uma metodologia diversa. Há uma informação que finge ser jornalística, e ela é desmontada a partir do próprio método jornalístico.
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Mas checar fatos é muito diferente de checar o que o outro lado tem a dizer
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Glenn Greenwald e David Miranda não têm que dizer absolutamente nada sobre a mentira cretina da qual foram vítimas. Por vários motivos, mas acima de tudo porque é uma mentira cretina, disseminada de forma cretina via redes sociais. Não é como se estivéssemos diante de uma denúncia séria, feita por uma instituição confiável ou a partir de uma metodologia adequada: é uma safadeza absoluta, feita para agredir desafetos políticos e ganhar alguns cliques e likes no processo.
De qualquer forma, o hospital onde supostamente a internação ocorreu já havia negado tudo. O próprio David Miranda havia publicado, no momento em que se disseminava a mentira, um vídeo ao lado do marido, sorridente e tranquilo no quarto do casal. Ainda assim, e mesmo com o histórico nada recomendável do pseudo-veículo que publicou a sujeira, os profissionais da Lupa, que “duvidam por essência”, não se sentiam seguros para cravar um “falso”.
Se a Lupa acha que Glenn Greenwald e David Miranda não “negaram de forma clara a alegação”, é porque o veículo começa a assumir, enquanto procedimento, que a fake news é uma indagação “respondível” e não uma mentira a ser desmascarada. Isso inverte a própria lógica que se espera do fact-checking, de uma forma degradante e que coloca sua própria função de existir em risco.
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Se não tinham convicção de que era falso, o problema não é de Glenn ou do Intercept Brasil: é do seu próprio método e, mais ainda, da sua concepção sobre o próprio trabalho
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É crescente o risco de criar-se uma espécie de simbiose com as fake news. As agências de fact-checking não apenas não saem da postura reativa, nunca conseguindo antecipar os movimentos da indústria de desinformação (o que é difícil mesmo, sem dúvida) como parecem estar retirando o seu próprio valor, por assim dizer, da existência das fake news. Não estão apenas desmentindo, mas sendo pautados por elas. E, na medida em que se permitem ficar em tal posição, vão reforçando o mecanismo que dá a essa indústria seu poder de persuasão.
Pois, em um cenário desses, não são mais apenas os veículos de checagem que precisam se antagonizar à mentira; a realidade também precisa dizer que é a verdade, e não uma versão calhorda dela, que define sua existência. E quem aqui não sabe que, se Glenn Greenwald diz que é mentira, isso será visto, pelos que os detestam, justamente como prova de que tudo é exatamente como as fake news estão dizendo?
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Há um limite, e ele precisa ser delimitado. Ninguém deve ser convocado a responder sobre mamadeira de piroca
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O fact-checking não é, e não pode virar, uma mera tabelinha com as fake news. Não há dois lados no combate a pseudo-notícias mentirosas. Checagem é o espírito do jornalismo, mas como forma de buscar os fatos, não de dar uma satisfação aos que vivem de disseminar a mentira.
Suponhamos que um estado de exceção seja como uma macarronada. Como sabemos, dá para usar muitas coisas diferentes na hora de fazer uma macarronada. Mas, no fim das contas, tudo se resume a dois ingredientes principais: macarrão e molho.
Macarrão é fácil de obter. Toda nação tem uma massa impressionável, exausta pelos abusos de todos os dias, que pouco entende das disputas políticas e que, por isso mesmo, mostra-se relativamente fácil de manipular.
Esqueça o macarrão, portanto. Esse ingrediente está sempre à disposição de quem deseja fazer uma macarronada. Não é sobre ele que vamos falar.
Essa é uma história sobre como se faz extrato de tomate.
Na última terça-feira, foi disparada pela Polícia Federal a Operação Spoofing, que cumpriu mandatos de prisão associados à suposta invasão do celular do ex-juiz federal e atual ministro da Justiça, Sergio Moro. Quatro pessoas foram presas no interior de São Paulo e levadas até Brasília. E isso é, quase literalmente, tudo que sabemos de oficial: mais detalhes, só no dia seguinte, quando será enfim levantado o sigilo sobre a investigação. Escrevo no final da noite de terça-feira; não sei, portanto, de nada que os leitores e leitoras do futuro já devem saber.
Longas horas de incerteza. Uma noite inteira, talvez uma manhã completa e uma boa parte da tarde para especulações, insinuações, palpites. Para disseminar, pelas redes sociais e aplicativos de mensagem, as mais delirantes leituras e as mais infames acusações.
Ninguém que esteja lendo esse texto esteve na nebulosa de Orion nas últimas semanas, então vocês provavelmente sabem que o ministro Sergio Moro e procuradores da Lava-Jato (entre eles, o amigão de Moro, Deltan Dallagnol) estão às voltas com uma série de matérias constrangedoras. Essas matérias estão sendo feitas a partir de material obtido pelo The Intercept Brasil: milhares de diálogos via celular, demonstrando uma série de desvios éticos (e algumas ilegalidades flagrantes) cometidas por Moro, Dallagnol e outros super-heróis da moralidade nacional.
Segundo Moro e a Lava-Jato, esse material foi obtido por um hacker. A única evidência disso, até agora, é a palavra dessas pessoas, e mais nada. Ao que se sabe no momento em que escrevo, sequer uma perícia nos celulares foi realizada.
O mesmo Moro havia denunciado ter sido vítima de um hacker, pouco antes da revelação que o Intercept tinha obtido arquivos comprometedores. Invadiram meu celular, reclamou Moro. Sem demonstrar, mas reclamou.
É o mesmo hacker? Não sei. Ninguém sabe. E é assim que precisa ser, se queremos fazer um bom extrato de tomate. Ninguém pode saber com certeza de coisa alguma.
Enquanto a gente não sabe, a gente vai especulando.
Esse é um elemento que ajuda a dar o ponto para a receita, sabe. A gente fica vulnerável à especulação. Nervosos, inseguros. Impressionáveis. Fica com medo da denúncia do jornalista ser verdade, e também fica com medo que ela seja mentira.
Claro que essa panela de pressão não esquenta de uma hora para outra. Muita coisa foi insinuada e vociferada nos últimos dias. Pavões misteriosos falando de Bitcoins russos. Negociatas envolvendo suposta compra de mandato pelo marido do jornalista à frente das reportagens. Acusações de que fazer matéria jornalística com material vazado é crime, algo que poderia gerar até deportação. Pretensas adulterações de conteúdo das quais muito se fala, mas nada se evidencia. Muita coisa, enfim.
Mas o mais importante é insistir na narrativa. Ninguém viu provas do hacker, mas o ministro Moro diz que foi hacker, então ninguém pode duvidar. E se o informante for alguém do Ministério Público, talvez um membro da própria Lava-Jato? Pode até ser, mas não pode ser. Foi hacker, você não viu? Foi Sergio Moro quem disse – e agora a PF, mesmo sem ter dito, disse também. Foi hacker. Um perigoso e maligno hacker, usando tecnologia desconhecida para atacar um dos super-heróis da nação. Talvez vários hackers. Imagine: uma gangue de hackers. Contratados por alguém. Quem são os hackers? Quem contratou os hackers? O que eles vão dizer?
É mais ou menos nessa hora que as pessoas começam a perguntar: e aí, ninguém vai fazer nada?
O extrato de tomate está ficando no ponto.
É possível, dentro do cada vez menos relevante mundo real dos fatos e acontecimentos verificáveis, que os hackers não tenham nada a ver com a #VazaJato. Que sejam apenas uns golpistas meia-boca, que usaram um cavalo de troia para tentar roubar umas senhas bancárias de Moro ou algo assim. Talvez não sejam nem mesmo isso.
Mas, e aí está o segredo que dá o sabor especial à receita: você não sabe. Até quarta-feira à tarde, ou talvez ainda depois, ninguém vai saber. Mas todo mundo vai querer saber. Todo mundo vai pensar sobre qual é, no fim das contas, a verdade. E todo mundo vai estar querendo que alguém resolva logo essa situação.
Quando a gente quer que alguém resolva logo a situação, a gente fica mais tolerante com atalhos. A gente fica menos apegado ao modo certo de fazer as coisas.
O estado de exceção adora isso. Um líder autoritário gosta muito de tomar atalhos.
Do lado de cá de tudo que está rolando, noto que o pessoal ainda está muito preocupado com o macarrão. Talvez achem que o macarrão pode ser devolvido à prateleira. Talvez achem que, conversando com o macarrão, ele vá se recusar a ir para a panela cozinhar.
Bobagem, digo eu. O macarrão está sempre à disposição. É a parte mais fácil da receita.
O que interessa, agora mais do que nunca, é o extrato de tomate.
Talvez ainda esteja em tempo de estragar a macarronada de domingo. De repente a receita do extrato desande, ou um pontapé bem dado possa até derrubar a travessa no chão. De repente dá para esquentar a panela além da conta e fazer o prato inteiro queimar, ficar intragável e impossível de servir. Mas não é boa ideia perder tempo. Como a gente sabe, uma vez que se tenha o macarrão, fica faltando só o molho para servir uma tremenda macarronada.
Venezuela . a distopia após duas décadas de Chavismo
Alvaro Andrade
19 de julho de 2019
Texto e fotos: Alvaro Andrade / Venezuela
Em Caracas, no bairro 23 de Enero, os olhos de Hugo Chávez ainda pairam sobre o povo. O grafite em preto e branco com la mirada del comandante está por todos os lados e parece manter a vigilância sobre o reduto de maior apoio ao chavismo na Venezuela. A região, a menos de um quilômetro do Palácio Miraflores, sede do regime, é estratégica, pois ali estão concentrados os colectivos, grupos paramilitares criados para operarem como milícias de segurança nos bairros e que hoje são um braço civil armado do governo. No topo de um morro, à direita da entrada para o mausoléu 4 de Febrero, onde estão os restos mortais do ex-presidente, uma capela religiosa leva seu o nome e sua fotografia está posta em um altar, cercada por velas acesas e outras imagens. “Chávez era do povo, por isso é tão amado”, diz o porteiro do quartel 4F, um simpático caraquenho vestido com a indefectível camisa vermelha do PSUV, o partido socialista que comanda a Venezuela.
Pelo caminho, parte do legado chavista pode ser notado nos incontáveis prédios de Misión Vivienda, plano de moradia gratuita que, segundo dados oficiais, já alcançou os 2 milhões de imóveis distribuídos gratuitamente ao povo. No entanto, basta afastar-se das regiões centrais de Caracas para perceber que o bolivarianismo ainda ficou distante de muita gente.Em Petare, maior favela da América Latina, composta por 80 bairros em diferentes morros de Caracas, a insatisfação fervilhava em meados de dezembro. Moradores bloquearam a via expressa que fica logo abaixo e foram reprimidos pela Ordem Interna, um grupo militar destinado especificamente a conter manifestações.
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“Nos falta água, nos falta luz. Não há comida, nem trabalho. Prometeram um pedaço de pernil e nem isso chegou”, reclama um aposentado diante de uma oficina instalada às margens de um dos becos da favela
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Apesar da má reputação de violência e territórios controlados, Petare não se difere muito das favelas brasileiras. Casas sem reboco, vielas, escadarias, falta de saneamento e gatos de luz. Mas na capital venezuelana, a fome mata os sorrisos e todos repetem o mesmo. “Estamos hartos!”, ou seja,cansados, exaustos, fartos de esperar. “Esse era um governo que se dizia do povo, mas já nos esqueceu faz tempo”, diz o mecânico que se desdobra para consertar um dos tradicionais veículos antigos que, assim como o país consome muito e vive cheio de problemas.
LEI DE TALIÃO
Dois retalhos de calça jeans servem como bandagem para conter a hemorragia nas pontas dos braços onde antes havia mãos; o rosto está empapado de sangue, pois os olhos e a língua também foram arrancados. Leocer Maiz, um jovem de 19 anos, foi entregue assim, com vida e consciente, no hospital da cidade de El Callao, no sul venezuelano. Ele sofreu as consequências por ter praticado uma série de roubos na região controlada pelos pranas, máfias locais que exploram ouro ilegalmente e que jamais perdem a chance de reafirmar sua autoridade.
A mutilação de Maiz não foi um fato isolado. As máfias operam sem piedade na região conhecida como Arco Minero, a cerca de 250 quilômetros da fronteira com o Brasil. São cinco povoados às margens da rodovia Troncal-10, em uma área que parece esquecida pelo governo venezuelano.
Apesar da presença militar em postos de controle a cada 50 quilômetros, quem realmente manda na região são os garimpeiros. Las Claritas, um povoado sugestivamente conhecido como Sodoma e Gomorra, é o retrato brutal dos contrastes venezuelanos.
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Às margens das crateras e do barro da estrada que se mistura ao lixo e ao esgoto a céu aberto, se espalham vitrines de lojas com fartura digna de áreas comerciais de grandes cidades.
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“Tudo que falta na Venezuela se consegue aqui: remédios, pneus, máquinas. Também tem drogas e prostituição. Onde tem ouro, tem dinheiro, então essas coisas vêm junto”, conta Manoel González, taxista de El Callao já acostumado com a estética decadente da região. “Se não incomodar ninguém aqui, nada vai te acontecer. Mas nem pensa em filmar ou fotografar”, adverte.
O sol escaldante aquece o piso úmido e o resultado é um abafamento sufocante. Além do forte odor de esgoto, do permanente fluxo de motos barulhentas e caminhões a poucos centímetros da calçada, o semblante de quem está por ali não é nada convidativo. Bancas compram e vendem ouro à luz do dia; um grande mercado oferece de bananas a animais recém abatidos, passando por analgésicos, motosserras e muita bebida alcóolica.
Mesmo tão inóspito, o Arco Minero se converteu em uma das últimas esperanças de trabalho dos venezuelanos dentro do próprio país. Alexiis Urquia Rivas, 24 anos, tenta manter-se afastado dos problemas, mas conhece bem os riscos da região. “Aqui ainda é possível trabalhar e conseguir um pouco mais do que no resto do país. Se encontrar ouro, ganho dinheiro. Muita gente está vindo de outros estados com essa ideia, mas muitas vezes se assustam quando encontram a realidade”.
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EXPROPRIAÇÕES VIRARAM MATO
A crise se agravou desde a morte de Chávez, em 2013. O sucessor, Nicolás Maduro, que não chega à sombra do seu carisma, herdou uma crise diplomática permanente, dívida pública em alta e queda brutal no preço do petróleo, o que em parte ajuda a explicar a dimensão das dificuldades venezuelanas, além do agravamento dos bloqueios econômicos e sanções internacionais.
Enquanto Maduro implementa sucessivos planos econômicos, concede reajustes salariais para tentar conter a inflação e usa o bloqueio como justificativa para todos os males, a produção interna é praticamente nula e o país depende essencialmente de importações. A economia pouco diversificada é outro fator que agrava a situação, levando ao desabastecimento. E quando a demanda é maior que a oferta, naturalmente há inflação.
Poucos meios de produção tomados pela revolução estão organizados e funcionando, especialmente na produção de alimentos. A maioria fica relegada ao abandono, agravando a escassez. Segundo um levantamento do Observatório de Direitos de Propriedade, 1.359 empresas foram expropriadas entre 2005 e 2017, além de mais de 5 milhões de hectares de terras, segundo a Federação Agrícola do país.
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A produção no campo minguou, as empresas alimentícias foram fechadas, o bloqueio externo se agravou e os produtos desapareceram das prateleiras.
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Desde indústrias de lácteos, passando por fábricas de cimento ou insumos agrícolas, a mão do Estado chegou a diversos setores da iniciativa privada, mas não deu sequência ao trabalho. As empresas que não foram estatizadas acabaram abandonando o país, gerando desemprego e pulverizando a classe média.
Em Valencia, multinacionais como GM, Ford, Crysler e Good Year encerraram operações por falta de matéria-prima e deixaram um rastro de mais de 10 mil desempregados na cidade, um polo industrial da região oriental. Hoje, vê-se obras inacabadas, apagões, racionamento de água e rodovias sem manutenção; as gôndolas dos supermercados já não estão tão vazias, mas os preços seguem completamente distantes do poder aquisitivo representado pelo salário mínimo. “Nosso hotel tinha ocupação média de 80%, hoje estamos em 10 a 15%”, lamenta o brasileiro Antonio, radicado há 40 anos na Venezuela. “O comunismo não deu certo. Eu, que sou empresário, já tenho dificuldade. Imagina esse povo todo na rua. As pessoas não tem o que comer, mas isso não era assim”.
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A ESPERANÇA É O MADURO DOS OUTROS
Dificilmente faz frio na Venezuela. Naquela noite de começo de janeiro, nada no céu indicava que iria chover. Jéferson, um menino de 12 anos, percebe que vou dormir na rua após o segurança pedir para me retirar do saguão do terminal de Puerto Ordaz, que será fechado na madrugada. O garoto se aproxima e me convida a dormirmos juntos sob a marquise. Gentilmente estende um dos cobertores e pede para que eu retire os tênis. “Mais tarde vai chover, mas assim você sente a brisa fresca e dorme melhor”. Ato contínuo, ele toma a outra manta e me cobre com delicadeza. “Estás cômodo?” Quase não consigo responder e me ponho a chorar, emocionado com tamanha doçura. Ele senta ao meu lado, me dá um abraço e diz para eu não ter medo. “Aqui estamos seguros”. Logo ele adormece e eu fico acordado a tempo de ver a chuva chegar. É minha última noite na Venezuela.
Antes de dormir Jéferson me contou que fugiu de casa há 5 meses, onde morava com a avó após os pais ‘viajarem’ para outro país, que ele não sabe qual. Não vai a escola. Sua vida e sua casa são o aeroporto de Puerto Ordaz, no centro-sul. Sobrevive da boa vontade dos funcionários e dos passageiros que não conseguem fugir de tanta simpatia. “Bom dia, tudo bem? Que faça boa viagem!”, exclama ele ao amanhecer, distribuindo sorrisos com a cara ainda amassada. O dia começa, os aviões pousam e decolam e ele logo se dispersa em meio ao rebuliço do aeroporto.
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Sigo conversando com os trabalhadores locais e, sabendo que sou brasileiro, fazem uma pergunta recorrente:
E o Bolsonaro, quando chega?
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De norte a sul, sufocados pela crise, é difícil encontrar quem se oponha a algum tipo de intervenção para ‘libertar’ o país. A recente escalada diplomática já era vista com muita esperança em meados de janeiro, quando a oposição articulava com governos do exterior o isolamento do presidente reeleito, Nicolas Maduro. Assim que ele foi empossado, o presidente da Assembleia Nacional, que teve poderes cassados pela Suprema Corte, autodeclarou-se presidente interino. Juan Guaidó, um deputado outsider oriundo dos protestos de 2014, assumiu o enfrentamento aberto com Maduro e convocou as Forças Armadas a apoiá-lo no golpe, mas ficou apenas com parte do apoio popular e estrangeiro.
O FUTURO
“As coisas pioraram muito desde que tu partiu. Os preços subiram ainda mais e a polícia está mais violenta. Prenderam meu sobrinho simplesmente porque ele tinha mensagens combinando que iria ao protesto do dia 23 de janeiro”, diz Jose Zerpa, um dos amigos feitos na Venezuela ao longo dos 20 dias de reportagem. Assim como ele, outros relatam sua esperança com as manifestações de apoio da comunidade internacional.
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“Eu fui às ruas, não podemos mais conviver com Maduro e esse regime”
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Em seu discurso de posse na contestada e desacreditada reeleição, Maduro prometeu combater a corrupção e corrigir rumos, mas frente a circunstâncias tão dramáticas as palavras já não dispõem de credibilidade para aplacar os críticos, muito menos colocar comida na mesa daqueles que, por falta de opção, excesso de persistência ou um tanto de malandragem dia a dia sobrevivem na terra de Bolívar.
A defesa de Schrödinger de Moro e Dallagnol convence cada vez menos
Igor Natusch
18 de julho de 2019
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, durante audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados.
A defesa por insinuação vem sendo, praticamente desde o início, a tática de Sérgio Moro e procuradores da Lava-Jato diante dos diálogos obtidos pelo The Intercept Brasil. Eles dizem que as mensagens não têm nada de mais, são absolutamente normais, mas ainda assim podem ter sido adulteradas e enfim, todo mundo já está por dentro da argumentação. O problema é que a conversa fica cada vez menos convincente, na medida em que as revelações se sucedem. E disfarça cada vez menos o que se esconde por trás da falta de ênfase: o desconforto em estar sempre na defensiva, e a incerteza sobre o tamanho do problema que está por vir.
Como exemplo ilustrativo, tomemos a declaração da conta oficial de Sergio Moro no Twitter, datada do último dia 16:
Sou grande defensor da liberdade de imprensa, mas essa campanha contra a LavaJato e a favor da corrupção está beirando o ridículo.Continuem, mas convém um pouco de reflexão para não se desmoralizarem. Se houver algo sério e autêntico, publiquem por gentileza.
Trata-se de uma fala muito interessante, que traz várias revelações em suas entrelinhas. Para começo de conversa: se não há nada sério no material revelado, qual a necessidade de manifestar-se? Terá um ministro da Justiça, mesmo em licença (inesperada e um tanto estranha, diga-se), tempo para desperdiçar com frivolidades sem valor, para brincar de Schrödinger e defender-se do gato que, segundo ele, nem mesmo está na caixa?
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Ao contrário do que pretende o ministro, a própria manifestação atesta a seriedade do assunto e fornece indício a favor da autenticidade das informações
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Mais: se o que foi revelado não é autêntico, o que impede Sergio Moro de atestar a adulteração com seus próprios registros ou arquivos? Se o material divulgado por tantos veículos de mídia é editado de forma a falsear seu conteúdo, e levando em conta o desgaste evidente causado pelos diálogos, o que aguarda o ministro para ingressar com uma ação por calúnia, por exemplo? Se Glenn Greenwald e sua equipe estão mentindo sobre tudo, dando aparência de crime onde nada de ilícito ocorreu, basta a Moro apresentar as evidências e liquidar, de um só golpe, com a carreira do jornalista inglês.
Nada disso. Para contestar diálogos, Moro usa apenas o Twitter. Para provar que são falsos, parece esperar a intervenção da Polícia Federal – que, segundo boatos fortes dos últimos dias, estaria organizando operação para capturar o suposto hacker responsável pelos vazamentos. Sergio Moro insinua um crime grave contra sua imagem pública e sua honra, mas não move um dedo para desmascará-lo; parece, na verdade, aguardar que isso seja feito por alguma força externa. Por que?
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Parece válido imaginar que, se Moro não prova que é vítima de calúnia, é porque não pode
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Na verdade, são justamente as evasivas dos envolvidos na #VazaJato que nos oferecem a maior certeza de que há mais coisa pela frente, que a amizade entre Sergio Moro e Deltan Dallagnol é ainda mais fraterna e não-republicana do que se revelou até aqui.
Se houver a necessidade de uma cabeça decapitada (e quem poderá dizer que não será necessário, quando a única certeza é a incerteza sobre o que virá?), é razoável supor que o pescoço de Dallagnol é um candidato nada desprezível. Afinal, ninguém usou máscaras com seu rosto em protestos, ou criou acampamentos e vigílias em sua homenagem
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Os fatos se sucedem, de qualquer modo. Nas poucas horas que tirei para batucar esse texto, a Folha de São Paulo já trouxe outra grave denúncia: a de que Sergio Moro interferiu em acordos de delação durante as negociações dos mesmos – o que é absolutamente vedado ao juiz, tanto por procedimento quanto por simples lógica. A resposta do ministro, claro, veio pelo Twitter – dizendo uma verdade (que é dever legal do juiz exigir mudanças ou recusar a homologação) para desviar do ponto central (que isso se dá ao fim da negociação conduzida pelo Ministério Público, não durante o processo).
Ou seja, os acontecimentos em si são imprevisíveis, mas o padrão de reação que despertam é mais que claro: respostas nunca enfáticas, sempre oscilando entre desprezar o conteúdo e insinuá-lo fraudulento, com a sombra de um hacker nunca revelado insinuando crimes e conspirações. “Não há gato dentro da caixa, mas o gato não é meu!”
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É um esforço não de esclarecimento, mas de realce das sombras
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Não condiz com a postura de quem nada tem a temer. E apenas reforça a importância do trabalho da imprensa em pressionar os poderosos da vez, além de reiterar a necessidade de ir cada vez mais fundo no que esses arquivos têm a dizer. É nisso, no fim das contas, que a sociedade pode contar para não mergulhar de vez no nevoeiro.
O governo Bolsonaro é revolucionário – e isso não é nada bom
Igor Natusch
3 de julho de 2019
Presidente da República Jair Bolsonaro chega ao Comando Militar do Sudeste.
Jair Messias Bolsonaro está sendo uma figura revolucionária na política brasileira. Gostando ou não das consequências disso, o fato é esse, e só se torna possível compreender minimamente os primeiros seis meses do governo Bolsonaro a partir dessa constatação.
Esse texto não vai ser uma viagem agradável, então peço que o leitor ou leitora tome fôlego antes de seguirmos em frente.
A partir do atual mandato, o presidencialismo de coalizão à brasileira está encerrado. Esqueça os tempos do passado, quando os grupos políticos construíam, por diálogo, compra ou cooptação, consensos que permitiam algum tipo de governabilidade: isso está no passado, e vai demorar para retornar plenamente, se é que vai voltar um dia.
O Brasil de Bolsonaro propõe uma nova política: impositiva, onde a divergência só se manifesta enquanto conflito, onde o objetivo nunca é convencer, mas sim coagir grupos divergentes a aderir a determinado pensamento. Ou, se isso for impossível, tentar fazer com que desapareçam.
O consenso nada significa para Bolsonaro. Sua trajetória política jamais teve qualquer interesse pela construção: típico deputado “do fundão”, ele nunca liderou uma comissão, jamais defendeu projetos de lei minimamente significativos, migrou entre partidos e vendeu sua própria candidatura sem nenhum constrangimento, dentro de suas próprias regras. A política, para Bolsonaro, sempre foi um projeto pessoal e familiar – e poderíamos acusá-lo de várias coisas nesses primeiros seis meses, mas jamais de estar agindo de forma incoerente.
O conflito é mais que uma estratégia de governo: é uma manifestação espontânea e mais, o ethos e a alma desta administração. Talvez possamos falar em um presidencialismo de crise, em que a estabilidade e a resolução de conflitos não são apenas menosprezadas, mas até mesmo indesejáveis para que o sistema siga em funcionamento.
São dois processos básicos, em permanente sucessão: deixar claro quem são os inimigos e manter os aliados sempre à distância, tratando-os como transitórios e descartáveis – livres, enfim, para serem arremessados para o lado adversário na primeira oportunidade.
Não é à toa que os mais recentes atos em favor do governo incluíram entre os inimigos do santo governo mesmo grupos como o MBL, que são tudo, menos esquerdistas. Não é à toa que aliados fundamentais, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, sejam tratados como obstáculos do Executivo, ou que o STF esteja permanentemente acuado a cumprir sua única função aceitável, que é manter o ex-presidente Lula na cadeia. Não é à toa que Bolsonaro estava “por aqui” com Joaquim Levy, que o general Santos Cruz foi ridicularizado publicamente antes de ser afastado do governo, que o general Juarez Cunha foi afastado dos Correios por agir “como um sindicalista”.
No presidencialismo de crise bolsonarista, o conflito é a assinatura, e nenhuma aliança tem qualquer tipo de solidez.
Além da estética do enfrentamento permanente entre os Poderes, que aproxima o momento brasileiro de uma interminável tentativa de sequestro, é escancarada a falta de solidariedade e lealdade dentro da própria gestão. Como já disse aqui várias vezes, Bolsonaro não é líder, mas sim o avatar que representa vários grupos heterodoxos. Entre eles, a única pauta comum é o patriotismo chão e tosco, profundo como uma poça d’água. Fora disso, não há interesse em construir nada, nenhum respeito a bandeiras alheias, sequer um gesto de consideração. Nem mesmo seus medos, ódios e preconceitos os aproximam, pois não são sempre os mesmos, e cada um reconhece o seu recalque como mais urgente que os demais. Nessa aliança entre figuras que se desprezam, todos querem ser protagonistas, brigam às cotoveladas para ver quem receberá primeiro os aplausos da torcida.
Diante de tão sufocantes exigências de fidelidade, e com quase nenhuma lealdade oferecida em retribuição, quem vai ser aliado de Bolsonaro?
A resposta é simples: ninguém.
A tendência será de pagar deslealdade com deslealdade, de tratar como descartável um governo incapaz de ser um aliado confiável.
E aí se impõe a questão que Bolsonaro e seus apoiadores próximos, sejam quais são, deveriam fazer: é possível atuar em tantos campos de batalha ao mesmo tempo?
Dizer que Bolsonaro não conta com apoio popular seria uma tolice. Verdade que seus índices de popularidade são os mais baixos de um presidente recém-eleito desde a redemocratização, mas ainda há muita gente ao seu lado: os que desejam andar armados nas ruas, os que sentem-se oprimidos pela comunidade LGBT, os que acreditam que seus filhos correm risco real de doutrinação esquerdista nas escolas e universidades do país. Os que se agarram no patriotismo sem reflexão e em gritos de guerra paupérrimos para terceirizar o próprio senso crítico estão com Bolsonaro, e ao lado dele estarão por bastante tempo ainda – afinal, ninguém projeta tanto em um pretenso herói para abandoná-lo no primeiro solavanco da viagem. Mas quem muito exclui pouco agrega, e os atos pró-governo do dia 30 de junho – menores de público, inchados de inimigos – mostraram isso com clareza. E as manifestações contra Bolsonaro, significativas e numerosas em todo o país, também entram nessa equação.
Não haverá paz. Jair Bolsonaro não é o gerador de crises: ele é a crise, ele a personifica e dela necessita para legitimar a própria existência.
E nisso reside também o caráter exaustivo de seu governo: sem a crise, ele é um conjunto vazio. Então, é preciso reproduzir o conflito o tempo todo, para que se discuta a tomada de três pinos ao invés de falar de um crescimento econômico ínfimo ou de mais de 13 milhões de desempregados no Brasil. A revolução personificada em Bolsonaro é feita apenas de pressa e ímpeto, de tal forma que nem mesmo sua figura principal está no controle e até seu próprio líder é, em boa medida, dispensável. Se deixada livre, tende a deixar somente terra arrasada em seu lugar – e por isso mesmo precisa ser temida, exposta, questionada e combatida.
Dizer que a Lava-Jato foi ferida de morte seria uma grande besteira, é claro. Mas não há exagero em apontar que a operação, personificada em suas figuras definidoras, está definitivamente desmoralizada a partir da série de reportagens divulgadas pelo The Intercept Brasil no último domingo. A broderagem explícita, escandalosa e ilegal entre Moro e a operação, em especial o procurador Deltan Dallagnol, estava há tempos visível, mas ainda existia em um terreno, digamos, não material. Agora, com a revelação de conversas indecentes e dos acordos absurdos que qualquer um pode ler, está escancarada de forma acachapante, impossível de ignorar.
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Os justiceiros estão nus, e sua nudez é tamanha que ignorá-la deixou de ser um acordo coletivo para virar profissão de fé. A Operação Mãos Limpas Made in Brasil revela suas mãos encardidas, imundas. A casa caiu, em suma
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Estivesse o Brasil em condições normais de temperatura e pressão, o ministro Sergio Moro renunciaria ao cargo ainda hoje
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Sabemos, no entanto, que o Brasil está muito longe das CNTP dos tempos de escola. As reações de Moro e Dallagnol até aqui, fazendo pouco ou nenhum caso das graves revelações, demonstram uma aposta na força do capital político e social adquirido: isso é algo menor, não nos tira do rumo, olhem tudo que já fizemos pela nação, seguiremos atuando de forma incansável para combater a chama corrupta que consome o país. Difícil imaginar que as multidões que organizaram “Acampamentos Sérgio Moro” e usaram camisetas com o rosto do ídolo vão simplesmente abandoná-lo a essa altura – afinal, como bem sabemos, a idolatria não deixa de ser uma forma de teimosia.
Apostar em uma rápida desidratação que forçasse Moro a juntar os cacos de dignidade e pedir a renúncia seria apostar em um Brasil onde a razão, o respeito às instituições e o bom senso fossem levados em conta. Talvez esse Brasil exista em algum best seller de livraria de aeroporto, porque no mundo real não há nem sinal dele.
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Ainda assim, o golpe é duríssimo. O capital moral de Moro e da Lava-Jato sangra em praça pública, com consequências imensas e potencialmente imprevisíveis
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O STF, apenas para citar o aspecto mais óbvio, tem em mãos material mais do que suficiente para botar abaixo boa parte da Lava-Jato – o que, por óbvio, implica sim em tornar nulos os casos contra Lula e soltá-lo o mais rapidamente possível. Se isso de fato ocorrerá, veremos nos próximos capítulos.
Verdade que nada do que vem sendo exposto significa que não tivemos desvios criminosos na Petrobrás e que agentes públicos não tiveram envolvimento na bandalheira. Nada inocenta Lula ou qualquer outra pessoa das acusações imputadas. Mas não se pode, em um Estado que se pretende de Direito, manter alguém preso apenas porque se deseja que ele fique atrás das grades, muito menos tolerar que o julgador atue como acusador. Se o absurdo uso de escutas de advogados para montar o caso contra o ex-presidente já seria suficiente para abalar decisivamente a condenação (e é), os fatos agora revelados deixam tudo ainda mais inescapável.
Se houve tabelinha entre juiz e força-tarefa para prender Lula (e quem duvidará que houve, depois de tudo que se revelou desde ontem?), o caso revela-se nulo, sua condenação nada vale e ele é um homem livre. Agir de forma diferente é confirmar que a Constituição virou papel para acender lareira, que estamos no reino do arbítrio e nada vale senão a vontade de quem tem poder. Se o material publicado pelo The Intercept Brasil foi obtido pelo hacker de forma ilegal, ainda assim ele serve para declarar nulidade de processos – o que, aliás, diz o próprio ministro Alexandre de Moraes, em livro elogiado por sua doutrina.
É um jogo de muitos riscos – e soltar Lula, é claro, também envolve riscos tremendos para muitas pessoas. Mas a disputa de poder entre Lava-Jato e Supremo não é de agora, e fica difícil visualizar os ministros perdendo a chance de aplicar em seus inimigos um golpe potencialmente mortal. Isso para não falarmos no quanto o sonho de Moro em tornar-se ministro do STF fica distante depois do escândalo em torno de seus procedimentos.
Além disso, temos as ruas. A revelação das conversas nada institucionais de Moro surge dias antes de uma greve geral, convocada para o dia 14 – um ato que, desde o início, amplia a pauta dos cortes em universidades em um discurso potencialmente mais amplo, mais aberto ao combate à reforma da previdência, por exemplo. Não é nada difícil imaginar que os setores que pedem Lula Livre estão inflamados, e engrossarão ainda mais essas manifestações daqui para frente.
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Quem viveu 2013 sabe que os protestos se transformaram em fenômeno viral justamente quando se tornaram permeáveis a outros gritos, indo (de forma não raro histriônica e caótica) muito além da pauta original do transporte público. Em uma semana que se promete horrorosa para o governo, os movimentos de oposição ao governo Bolsonaro ganham uma boa chance de saírem das cordas de vez
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Não se trata, aqui, de tentar prever uma onda de arrependidos abandonando Moro e Bolsonaro rumo à oposição. É um cenário meio fantasioso, na verdade, e que no fundo pouco interessa. O que surge, a partir das conversinhas de Moro e da inserção delas em um cenário já incerto e conturbado, é a possibilidade de um movimento agregador de insatisfações, até aqui, pulverizadas. Impossível dizer se acontecerá, mas os fatores estão presentes. E, caso ocorra uma escalada da crise, somada a um fortalecimento de seus antagonistas, Lava-Jato e governo Bolsonaro estarão colocados, juntos, no olho do furacão. Tudo por força de Sergio Moro, o elo que liga essas duas pontas em risco.
Algo está acontecendo no Brasil. E isso é péssimo para Bolsonaro
Igor Natusch
16 de maio de 2019
Fiquei durante cerca de 20 minutos no topo do Viaduto Otávio Rocha, nesta quarta-feira, observando os manifestantes de Porto Alegre que passavam logo baixo, de um ponto a outro da avenida Borges de Medeiros. Em nenhum momento consegui enxergar o final da massa humana, seja de um lado, seja do outro. Não sou bom nesse tipo de conta e não vou me arriscar, mas era muita gente. Mesmo. Bem mais do que eu imaginava que seria. Muitos universitários, sim, e muita gente ainda mais jovem, que quer ter a chance de ser universitário ou universitária um dia.
Ouvi buzinas e vi pessoas aplaudindo das janelas. Ouvi o motorista do ônibus que me levou até o Centro de Porto Alegre comentando com passageiros sobre o protesto, demonstrando concordância, explicando os cortes na educação com bastante propriedade. Vi outro cobrador, no circular que me levou ao trabalho no começo da tarde, usando o celular para registrar, solidário e sorridente, professoras que se dirigiam ao abraço simbólico em um instituto federal. Não vi um xingamento sequer – seja contra vagabundos, contra petralhas ou qualquer outra coisa.
Os atos de 15 de maio foram um grande sucesso. São indicativo claro de que algo está acontecendo. E, seja lá o que for, não é nada bom para Jair Bolsonaro.
Jair Bolsonaro está desnorteado, sem trunfos na mão, carente de amigos, ausente de aliados. E tudo isso sem citar a quebra de sigilo bancário de Flávio Bolsonaro, que coloca a família inteira diante de perspectivas funestas na esfera criminal.
A posse, vale lembrar, foi há menos de cinco meses.
Penso que não há sentido em procurar grandes estratégias onde nada indica que elas existam. O que estamos vivenciando, no Brasil, não é um esforço coordenado e metódico de construir um regime duradouro: o que se vê é um plano semi-articulado de autoritarismo de direita, à Viktor Orban / Recep Erdogan, incapaz de manter sua própria coesão interna e ruindo muito antes de conseguir consolidar seus alicerces. Aliás, se há algo que esses regimes nos ensinam, é que o autocrata moderno não se faz com explosões espalhafatosas, mas contaminando e sequestrando a legalidade. É trabalho para populistas, sim, mas não para tolos: requer método, paciência e manutenção do apoio popular.
Dos três itens, Bolsonaro só tem – ainda – o último.
E aí está a tragédia que 15 de maio simboliza para o presidente: é um sinal claro de que essa popularidade está se esvaindo.
Brigar com as universidades foi um desastre tático. Graças a esse confronto inútil, rancoroso e impulsivo, as ruas trocaram de sinal. Agora, o barulho que ecoa delas é contra Bolsonaro.
Será preciso muito mais que sinais de arminha com a mão e hashtags fajutas no Twitter para reverter esse quadro.
Bolsonaro é o avatar divertido de um governo que ameaça desandar
Igor Natusch
15 de fevereiro de 2019
Ridicularizada por seus opositores, a insólita escolha de roupas para o encontro de ministros deve ter sido um dos maiores acertos de Jair Bolsonaro desde que assumiu a presidência. De sandálias, calça de tactel e camiseta pirata de time de futebol, o presidente faz uma poderosa declaração de princípios, que talvez passe batida para quem o detesta: afirma-se como outsider em todas as situações, o líder que despreza liturgias vazias, o cara simples que não se esforça em agradar os engravatados.
Ele não está tentando ser um dos poderosos: o presidente está, na verdade, trollando todos eles. E dessacralizando a instituição Presidência da República no processo.
Convenhamos: é exatamente para isso que os fãs de Bolsonaro o elegeram, é exatamente isso que esperam que ele faça. Essa inadequação deixa o sistema mais fraco diante de Bolsonaro, e não o contrário. Populismo moderno, em sua essência. Um golaço simbólico, goste você disso ou não.
Jair Bolsonaro é, de fato, muito bom em ser o avatar do movimento que encabeça. Talvez seja a única coisa em que ele é, de fato, acima da média.
A questão que fica é: será suficiente?
Porque qualquer um que olhe para os primeiros 45 dias de governo Bolsonaro com o mínimo de espírito inquiridor vai poder constatar que, no que se refere ao governar propriamente dito, o atual mandatário está sendo um desastre. Não há, por assim dizer, um governo: há uma maçaroca de interesses distintos e divergentes, uma coleção de agendas em conflito, uma explosão de impulsos, vaidades e recalques exigindo imediata gratificação.
O governo Bolsonaro é, na verdade, a geleia formada pela união dessas coisas todas, incapaz de passar firmeza e que dá sinais evidentes de estar prestes a desandar. E o comando de Jair Bolsonaro sobre esse agrupamento tem se mostrado precário, para não dizer inexistente.
A forma amadora e inepta como o governo federal lidou com a situação em torno de Gustavo Bebianno é o mais recente desdobramento dessa incapacidade – e, possivelmente, um dos mais graves para a gestão como um todo. Diante das graves acusações de candidaturas laranjas nas eleições de 2018, Carlos Bolsonaro não hesitou em expor o desafeto, chamando-o publicamente de mentiroso – e logo viria a própria conta de Jair Bolsonaro no Twitter dar RT na acusação, em uma fritura pública das mais escancaradas que já se viu.
O problema é que Bebianno, embora novato na política, não é um qualquer. Trata-se de uma figura bem vista pela ala militar do governo e um dos raros interlocutores do governo Bolsonaro no Congresso – ao ponto do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deixar bem claro que a saída dele daria um recado tão ruim aos parlamentares que até a reforma da previdência poderia entrar em risco.
Diante da necessidade inarredável de decidir, Jair Bolsonaro ausentou-se. Recusou-se a receber seu suposto braço-direito em reunião, ficou esperando que ele se demitisse por vontade própria e, quando ficou claro que isso não aconteceria, foi preciso que Onyx Lorenzoni fosse até Bebianno assegurar-lhe que não haveria demissão. Se pensarmos que, há cerca de três anos, Bebbiano e Bolsonaro sequer se conheciam, o temor em desagradar o companheiro na berlinda sussurra coisas nada tranquilizadoras para o país.
Recém saído de uma longa internação hospitalar, tudo que Bolsonaro se dispôs a fazer diante da crise foi aparecer em uma reunião de governo de chinelos e calça de abrigo, usando a própria falta de jeito como ferramenta midiática.
Deu certo, até certo ponto: as redes sociais, pelo menos, estão discutindo mais o desalinho do presidente do que sua escancarada incapacidade de governar. Mas é pouco – e todos em Brasília e adjacências sabem disso, por mais que se esforcem para não admitir.
Preocupado com as manchetes, o governo precisa igualmente achar um jeito de, ao menos, tentar governar. Há uma reforma encomendada a aprovar, há investimentos internacionais para atrair, uma economia que ainda está longe de vender saúde, e nada disso irá embora com meia dúzia de aparições engraçadas e propostas (como a Lei Anti-Crime) que jogam para a torcida sem pensar no que virá depois. Isso pode funcionar para a fandom estabelecida, e tende a ter efeito transitório sobre os que depositaram um voto de angústia em Bolsonaro, mas nem todo mundo está disposto a apostar seu dinheiro e seu futuro em um avatar, como o Brasil fez. E logo grandes atores econômicos vão exigir algum tipo de certeza – de uma forma, ou de outra.
Mesmo porque, por mais divertidos que sejam, os avatares não são eternos. Quando a gente não se sente mais representado pela foto de perfil no Facebook, a gente troca por outra. Sabe como é.
O Presidente da República, Jair Bolsonaro,durante reunião do Conselho Internacional de Negócios no Fórum Econômico Mundial em Davos
É bem possível que o dia 22 de janeiro de 2019 seja lembrado, futuramente, como uma das datas decisivas para o governo de Jair Bolsonaro. Seja pela capacidade de resistir a uma grave turbulência logo na largada do governo, seja pelos efeitos trágicos em um mandato que não chegou sequer ao primeiro mês.
Apostas são sempre muito difíceis de fazer na política, e se tornaram um exercício especialmente arriscado no volátil cenário brasileiro. Mas, se for inevitável fazer uma aposta, a minha seria na segunda opção. Foi uma série de más notícias em um período muito curto, e nenhuma delas parece dar o menor sinal de que possa se dissipar com o passar dos dias. Ao contrário: as nuvens parecem cada vez mais espessas, o horizonte profundamente inseguro e sombrio.
A participação de Bolsonaro no encontro de Davos pode não ter sido a tragédia cheia de gafes e frases escandalosas que muitos esperavam. Essa, considerando o histórico recente, é uma vitória em si mesma para o presidente. Mas essa pequena concessão não pode disfarçar de modo algum o visível fracasso de Bolsonaro em demonstrar uma visão segura ou, pelo menos, compreensível do próprio governo e do que ele tem a oferecer aos investidores internacionais.
Sim, o discurso foi curtíssimo – pouco mais de seis minutos, quando a janela para sua fala era de quarenta e cinco minutos, mais de sete vezes maior. Sim, o discurso foi uma maçaroca sem sentido, uma coleção de frases vazias e garantias sem consistência – sem contar o quase inexistente conteúdo econômico, o que nos faz pensar por onde andava o superministro Paulo Guedes durante a redação do fraquíssimo texto. Mas essas coisas, mesmo muito ruins, nem são o pior.
O que é realmente ruim – para o Brasil, acima de tudo – é a insistência em uma visão paupérrima de geopolítica, em que não avançamos um passo além da guerra fria e o Brasil escapou por um triz de virar uma Venezuela. Esse trololó pode colar (e cola, como bem vimos) no cenário local, mas toca todas as notas erradas quando repetido para investidores de alto calibre, que não têm absolutamente nenhuma preocupação com o fictício avanço do comunismo em escala global.
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Para quem está querendo investir no Brasil, essa papo só denota despreparo e desconexão da realidade, justamente o contrário da impressão que Bolsonaro pretendia causar. É o discurso errado, mas, acima de tudo, é o discurso no lugar errado.
Some-se isso à incapacidade de oferecer qualquer tipo de proposta concreta e a fala presidencial na abertura de Davos vira algo muito próximo do desastre.
Além de ignorante, Bolsonaro conseguiu convencer os líderes políticos e detentores do capital financeiro de que é um bicho do mato. Outro caso de incompreensão de cenário: bancar o humilde que almoça no bandejão pode ser interessante em uma visita à Catedral da Sé, mas passa uma péssima imagem em um encontro global, feito para as pessoas conversarem, estabelecerem relações, montarem estratégias conjuntas. Cada refeição, cada pausa para o café, cada troca de palavras no credenciamento ou dentro do elevador faz enorme diferença – não só para a imagem que se quer mostrar ao mundo, mas também no que o mundo espera do líder de uma das economias emergentes do planeta.
Tão grave foi a falta de diálogo de Bolsonaro e sua equipe que a União Europeia agendou uma reunião com a delegação brasileira, tentando esclarecer o que o Brasil tem em mente, já que simplesmente não houve a menor demonstração de interesse em manter o acordo entre Europa e Mercosul.
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Péssimo sinal para um país que, determinado a superar desconfianças, parece agir exclusivamente para ampliá-las.
E tudo isso é só o desastre internacional
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Ao desembarcar no Brasil, Bolsonaro terá um cenário explosivo pela frente, com seu filho Flávio enredado em denúncias que não consegue explicar – problemas aos quais, neste desastroso 22 de janeiro, somou-se a inexplicável proximidade com milícias que podem ter envolvimento até na morte da vereadora carioca Marielle Franco. A situação do senador eleito é tão grave que merece um texto à parte, mas aqui nos interessa o efeito sobre o governo – e quem comprar a narrativa pobre de “o filho é uma coisa, o pai outra” só poderá fazê-lo por ingenuidade ou interesse. Ou já esqueceu-se que a esposa de Bolsonaro recebeu, em sua conta, dinheiro de Fabrício Queiroz (alguém que pode, muito concretamente, receber dinheiro de milícias) destinado expressamente ao marido?
A realidade é uma só: trata-se de um tremendo escândalo, nitroglicerina pura, um enrosco que pode engolir a família inteira e jogar a governabilidade do patriarca no abismo. As revelações se atropelam, e é difícil até imaginar que estratégia Jair Bolsonaro poderá adotar para tentar escapar da lama que ameaça soterrá-lo.
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E aí surge a questão incontornável: será Bolsonaro capaz de avançar diante de sua primeira grande crise?
Eterno “outsider” junto ao parlamento, cercado de figuras caricatas e incompetentes, sem qualquer experiência de Executivo e visto na esfera internacional como um pateta, o presidente não encontra forças nem para conceder uma entrevista coletiva, que dirá para tomar as medidas enérgicas que possam dar rumo e autoridade a seu governo. Seus únicos amigos dignos de nota, no momento, parecem usar farda – e eles têm um general naquela que é, no momento, a posição mais estratégica da política brasileira: a vice-presidência da República. Quanto valerá a lealdade a Bolsonaro, caso a situação se torne insustentável?
Jair Bolsonaro sai desse 22 de janeiro de 2019 muito, muito pior do que entrou – e isso que ninguém poderá dizer que tudo estava bem antes do dia começar.
Claro que nada está gravado em pedra, ainda mais em um mandato que mal começou, e uma sequência de acontecimentos positivos pode ser suficiente para que o governo Bolsonaro consiga sair dessa encruzilhada. Mas será preciso uma tenacidade e uma habilidade política que nem Jair Bolsonaro, nem qualquer das pessoas decisivas em seu entorno parece ter. Mesmo Sergio Moro, principal fiador da credibilidade de Bolsonaro junto à opinião pública, mergulha em um silêncio que traz todas as notas de um mau presságio.
Renan Calheiros, a pessoa que melhor entende as intrincadas teias da política brasileira, teria dito que Bolsonaro começaria a fazer água com seis meses de governo. Parece incrível, mas, se ele falou mesmo tal coisa, enganou-se: a crise veio cinco meses e dez dias antes do imaginado.
Vídeos de Michel Temer são o abraço de um homem tóxico
Igor Natusch
6 de setembro de 2018
Os recentes vídeos de Michel Temer falando de candidatos à presidência surgiram de forma tão inesperada que ficou difícil, em um primeiro momento, entender o que havia por trás deles. O primeiro, destinado a Geraldo Alckmin, poderia trazer algumas leituras nas entrelinhas, já que muito se referia a partidos da base aliada do atual presidente – que podem, quem sabe, estar em polvorosa com a aparente dificuldade do tucano em decolar nas pesquisas. Veio um segundo, agora chamando o PSDB às caras pela parceria de governo que, agora, tenta a todo custo ignorar, e aí a leitura ganhava outros contornos: poderia ser um grito para não ser abandonado na estrada, ou talvez uma ação calculista para confundir os potenciais eleitores do ex-governador de São Paulo.
Mas aí surge um terceiro vídeo, no qual Michel Temer lança críticas pouco lógicas contra o vice-que-deve-virar-cabeça-de-chapa-do-PT Fernando Haddad. “Leia a Constituição. Tome cuidado, Haddad”, diz ele, por razões que talvez só ele entenda, e todas as tentativas de uma leitura estratégica ou calculista para tais manifestações vão pro espaço.
Trata-se, pura e simplesmente, de orgulho ferido. Temer está passando recibo, para usarmos termos mais populares. O presidente do Brasil está, pura e simplesmente, dodói.
Michel Temer é, hoje, um proscrito. Uma figura tóxica, com quem ninguém deseja ser visto, que ninguém gosta muito de ter por perto. Seu governo já é um zumbi, e não é de agora – em certo sentido, é assim praticamente desde o início, quando áudios comprometedores o associaram a condutas claramente criminosas, situação da qual só se livrou ao abrir a guaiaca de forma escandalosa. Foi vassalo do próprio Congresso, atropelado em pautas que veste como suas, mas das quais herda a impopularidade e nada mais.
E de impopularidade Temer entende: bateu recordes negativos em pesquisas, sendo execrado por quase a totalidade dos brasileiros. É visto, de forma generalizada, como um traidor que conspirou contra Dilma Rousseff e que, uma vez alçado ao posto que a ela pertencia, esmerou-se em salvar a própria pele e implantar medidas que fizeram ainda mais dura a vida de brasileiros e brasileiras.
Ninguém gosta de Michel Temer – e ele sabe disso tão bem quanto todo mundo, se não ainda melhor.
A situação é tão curiosa que Henrique Meirelles, candidato da situação, simplesmente ignora o governo que representa em seus espaços de campanha. Menciona mais o ex-presidente Lula (que acusa o atual governo de golpe, e que está preso) do que Temer, de quem era ministro até dias atrás. É de se pensar que palavras carinhosas terá Michel Temer a dizer sobre seu candidato presidencial, que ostensivamente finge que o atual governo não existe e recusa-se a colocar o rosto do ex-vice em um panfleto sequer.
Temer é um homem vaidoso. E o rancor que o consome quando sente-se desprezado já rendeu outras situações tragicômicas, como no famoso “verba volant, scripta manent” que mandou para Dilma. Solitário em seu castelo, recebendo desprezo de seus parceiros de artimanhas recentes, viu-se consumido pelo orgulho ferido – e passou a cuspir fel nas redes sociais, em falas cuja linguagem escorreita mal consegue disfarçar a revolta figadal que as motiva.
Se Collor, em tempos idos, pediu que não o deixassem só, Michel Temer adota uma variante amarga: não me deixarão sozinho coisíssima nenhuma. Mesmo que queiram.
A correção (para não dizer a decência) de um presidente ficar dando recadinhos, em plena campanha eleitoral, aos que concorrem para substituí-lo é altamente questionável, mas isso pouco importa em um país cuja política já abandonou qualquer ideia de rito ou civilidade. Trata-se do abraço do homem tóxico, disposto a envenenar o futuro político de todos que dele tentam se escapar.
E a verdade é que, embora pareça ter pouco de estratégia, o magoado rompante de Temer tem, sim, consequências políticas. Mesmo porque, ao menos no que se refere ao PSDB e seus aliados de momento, as críticas podem ser patéticas, mas estão longe de serem injustas. Geraldo Alckmin já tratou de responder, tanto em público quanto nas redes, às acusações do atual presidente – sinal inequívoco de que entende, e muito bem, o quão danosa essa conexão pode ser à sua já claudicante candidatura. Em um cenário onde a chance de Alckmin ir ao segundo turno parece distante, o recado de Temer pode soar de forma peculiar aos ouvidos de partidos como PP, PTB e DEM – que ainda estão gravitando em torno do cadavérico governo Temer, mesmo aliados à chapa do tucano, e certamente estudam movimentos em uma campanha que, em cerca de um mês, já pode estar no segundo round.