Igor Natusch

Um dia com gosto de tragédia para Jair Bolsonaro

Igor Natusch
22 de janeiro de 2019
O Presidente da República, Jair Bolsonaro,durante reunião do Conselho Internacional de Negócios no Fórum Econômico Mundial em Davos

É bem possível que o dia 22 de janeiro de 2019 seja lembrado, futuramente, como uma das datas decisivas para o governo de Jair Bolsonaro. Seja pela capacidade de resistir a uma grave turbulência logo na largada do governo, seja pelos efeitos trágicos em um mandato que não chegou sequer ao primeiro mês.

Apostas são sempre muito difíceis de fazer na política, e se tornaram um exercício especialmente arriscado no volátil cenário brasileiro. Mas, se for inevitável fazer uma aposta, a minha seria na segunda opção. Foi uma série de más notícias em um período muito curto, e nenhuma delas parece dar o menor sinal de que possa se dissipar com o passar dos dias. Ao contrário: as nuvens parecem cada vez mais espessas, o horizonte profundamente inseguro e sombrio.

A participação de Bolsonaro no encontro de Davos pode não ter sido a tragédia cheia de gafes e frases escandalosas que muitos esperavam. Essa, considerando o histórico recente, é uma vitória em si mesma para o presidente. Mas essa pequena concessão não pode disfarçar de modo algum o visível fracasso de Bolsonaro em demonstrar uma visão segura ou, pelo menos, compreensível do próprio governo e do que ele tem a oferecer aos investidores internacionais.

Sim, o discurso foi curtíssimo – pouco mais de seis minutos, quando a janela para sua fala era de quarenta e cinco minutos, mais de sete vezes maior. Sim, o discurso foi uma maçaroca sem sentido, uma coleção de frases vazias e garantias sem consistência – sem contar o quase inexistente conteúdo econômico, o que nos faz pensar por onde andava o superministro Paulo Guedes durante a redação do fraquíssimo texto. Mas essas coisas, mesmo muito ruins, nem são o pior.

O que é realmente ruim – para o Brasil, acima de tudo – é a insistência em uma visão paupérrima de geopolítica, em que não avançamos um passo além da guerra fria e o Brasil escapou por um triz de virar uma Venezuela. Esse trololó pode colar (e cola, como bem vimos) no cenário local, mas toca todas as notas erradas quando repetido para investidores de alto calibre, que não têm absolutamente nenhuma preocupação com o fictício avanço do comunismo em escala global.

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Para quem está querendo investir no Brasil, essa papo só denota despreparo e desconexão da realidade, justamente o contrário da impressão que Bolsonaro pretendia causar. É o discurso errado, mas, acima de tudo, é o discurso no lugar errado.

Some-se isso à incapacidade de oferecer qualquer tipo de proposta concreta e a fala presidencial na abertura de Davos vira algo muito próximo do desastre.

Além de ignorante, Bolsonaro conseguiu convencer os líderes políticos e detentores do capital financeiro de que é um bicho do mato. Outro caso de incompreensão de cenário: bancar o humilde que almoça no bandejão pode ser interessante em uma visita à Catedral da Sé, mas passa uma péssima imagem em um encontro global, feito para as pessoas conversarem, estabelecerem relações, montarem estratégias conjuntas. Cada refeição, cada pausa para o café, cada troca de palavras no credenciamento ou dentro do elevador faz enorme diferença – não só para a imagem que se quer mostrar ao mundo, mas também no que o mundo espera do líder de uma das economias emergentes do planeta.

Tão grave foi a falta de diálogo de Bolsonaro e sua equipe que a União Europeia agendou uma reunião com a delegação brasileira, tentando esclarecer o que o Brasil tem em mente, já que simplesmente não houve a menor demonstração de interesse em manter o acordo entre Europa e Mercosul.

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Péssimo sinal para um país que, determinado a superar desconfianças, parece agir exclusivamente para ampliá-las.

E tudo isso é só o desastre internacional

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Ao desembarcar no Brasil, Bolsonaro terá um cenário explosivo pela frente, com seu filho Flávio enredado em denúncias que não consegue explicar – problemas aos quais, neste desastroso 22 de janeiro, somou-se a inexplicável proximidade com milícias que podem ter envolvimento até na morte da vereadora carioca Marielle Franco. A situação do senador eleito é tão grave que merece um texto à parte, mas aqui nos interessa o efeito sobre o governo – e quem comprar a narrativa pobre de “o filho é uma coisa, o pai outra” só poderá fazê-lo por ingenuidade ou interesse. Ou já esqueceu-se que a esposa de Bolsonaro recebeu, em sua conta, dinheiro de Fabrício Queiroz (alguém que pode, muito concretamente, receber dinheiro de milícias) destinado expressamente ao marido?

A realidade é uma só: trata-se de um tremendo escândalo, nitroglicerina pura, um enrosco que pode engolir a família inteira e jogar a governabilidade do patriarca no abismo. As revelações se atropelam, e é difícil até imaginar que estratégia Jair Bolsonaro poderá adotar para tentar escapar da lama que ameaça soterrá-lo.

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E aí surge a questão incontornável: será Bolsonaro capaz de avançar diante de sua primeira grande crise?

Eterno “outsider” junto ao parlamento, cercado de figuras caricatas e incompetentes, sem qualquer experiência de Executivo e visto na esfera internacional como um pateta, o presidente não encontra forças nem para conceder uma entrevista coletiva, que dirá para tomar as medidas enérgicas que possam dar rumo e autoridade a seu governo. Seus únicos amigos dignos de nota, no momento, parecem usar farda – e eles têm um general naquela que é, no momento, a posição mais estratégica da política brasileira: a vice-presidência da República. Quanto valerá a lealdade a Bolsonaro, caso a situação se torne insustentável?

Jair Bolsonaro sai desse 22 de janeiro de 2019 muito, muito pior do que entrou – e isso que ninguém poderá dizer que tudo estava bem antes do dia começar.

Claro que nada está gravado em pedra, ainda mais em um mandato que mal começou, e uma sequência de acontecimentos positivos pode ser suficiente para que o governo Bolsonaro consiga sair dessa encruzilhada. Mas será preciso uma tenacidade e uma habilidade política que nem Jair Bolsonaro, nem qualquer das pessoas decisivas em seu entorno parece ter. Mesmo Sergio Moro, principal fiador da credibilidade de Bolsonaro junto à opinião pública, mergulha em um silêncio que traz todas as notas de um mau presságio.

Renan Calheiros, a pessoa que melhor entende as intrincadas teias da política brasileira, teria dito que Bolsonaro começaria a fazer água com seis meses de governo. Parece incrível, mas, se ele falou mesmo tal coisa, enganou-se: a crise veio cinco meses e dez dias antes do imaginado.

Foto: Alan Santos/PR

Raquel Grabauska

21 anos da Mulher Gigante . de pais para filhos

Raquel Grabauska
18 de janeiro de 2019
Porto Alegre, 20/09/2014 Esoetáculo "A Mulher Gigante" do Grupo Cuidado que Mancha Local: Sala Álvaro Moreira, Porto Alegre/RS Foto: Cristine Rochol

Ontem fizemos um espectáculo lá no Espaço Cuidado Que Mancha. Era a festa de comemoração dos três anos da casa e 21 anos da Mulher Gigante. Íamos fazer na praça, mas ficou um chove/para/chove e acabam fazendo duas sessões no nosso mini-auditório. Uma casa cheia de pais e filhos. Muitos pais eram crianças quando esse espetáculo estreou. E foi lindo de ver os pais reavivando suas lembranças, a emoção tomando conta, por estar ali de novo, por estar ali mostrando o novo.

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Dia desses escrevi sobre o medo que dá quando a gente vê o filho cometer os mesmo erros que nós. E hoje acordei pensando nisso, na singeleza que é mostrar as coisas boas, construir memórias juntos. Saber que daqui a 20 anos, é disso que ele lembrarão.

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Fiquei extremamente emocionada ao ver cada fama se abraçando, cada historia que vinha ser contada pra gente, cada olho brilhando. O olho curioso de quem tava vendo a primeira vez e o olho emocionado de quem tinha visto. São tempos difíceis para a cultura. Bem difíceis. Tenho visto colegas talentosos que sofrem por não conseguir viver da sua arte. Sei o esforço que faço pra manter meu trabalho. Sei o sono que perco, os momentos em que sou menos disposta brincar com meus filhos por causa de uma conta ou orçamento. Mas dias como o de onde me fazem sentir um oásis no meio disso tudo. Agora vou esperar a festa dos 30 anos pra ver quem vai ter neto já…

E pra quem quiser fazer nosso novo trabalho nascer, segue o financiamento no Catarse.

* Foto da Cristine Rochol

Raquel Grabauska

Desativei as notificações do WhatsApp

Raquel Grabauska
12 de janeiro de 2019

Tenho me perguntado muito como vai ser quando os meninos tiverem celular. Meu filho de sete anos perguntou se poderia ter um quando completasse dez. Glup, pensei eu. Fiz cara de que tava preparada pra uma conversa normal e perguntei: porque tu precisa? Ele: porque quase todos os meus colegas têm.

Discurso sobre as diferenças entre as pessoas, os tipos de família, as escolhas. Ressaltando que devemos respeitar as escolhas diferentes, mas que por motivos x, y e x, na nossa era assim.

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Discurso, discurso, discurso. Tem horas que ser mãe dá uma canseira… porque eu não tenho a menor ideia do que responder. Ou se tô fazendo a coisa certa. É sempre aquela sensação de ter pulado de um avião e não saber se o paraquedas vai ou não abrir.

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Enquanto eu falava, meu celular apitou umas 512 vezes. E meu olho queria ir conferir o que tinha acontecido. Era algo importante? Era do trabalho? Era um orçamento? Era? Era?

E daí me enxerguei. Preciso ter uma relação mais saudável com meu telefone. Desativei as notificações do WhatsApp e sou bem mais feliz. Ainda olho bastante, faz parte do meu trabalho. Mas vejo no meu tempo, e não porque o celular mandou eu olhar.

Raquel Grabauska

Educação Financeira

Raquel Grabauska
4 de janeiro de 2019

Finanças sempre foi uma coisa complicada pra mim. As contas eu sei fazer bem, mas administrar nunca foi o meu forte. A gente comete muitos erros, e quando se tem filhos, sabe que vai errar, que eles vão errar. Há uma vontade danada de que os erros deles não sejam os mesmos que os nossos.
Os guris ( 4 e 7 anos) andavam pedindo brinquedos. Só que o fervor do brinquedo novo era efêmero. Alguns dias e lá tava o pobre brinquedo atirado num canto.
Nesse fim de ano pedi pra eles separarem três brinquedos cada um para doarmos pra outras crianças. Quando vi, separaram quatro sacolas. E brinquedos bons, daqueles que eu quase disse para não dar. Fiquei orgulhosa deles e agradecida por me ensinarem esse tipo de generosidade.
Vínhamos dando mesada, para cada um o valor em R$ correspondente a sua idade. Mas nós mesmos, os pais, às vezes esquecíamos de dar ou facilitávamos a compra de um brinquedo.
Ao ver a quantidade de coisas adquiridas e ao vê-los mega felizes desenhando, brincando com uma caixa, brincando sem brinquedo algum, percebemos que estávamos falhando nesse quesito.
Instituímos com eles a mesada fixa, com nosso comprometimento em pagar em dia, desde que eles façam as tarefas deles na semana.
Tem funcionado bem. Essa semana meu filho mais velho me disse: “mamãe, eu vi um brinquedo que é um absurdo! R$ 119,00 por uma coisinha de nada!”. Ele tá entendendo como funciona. E seguiu: eu não vou gastar meu dinheiro nisso pra brincar um pouquinho e depois não dar bola”.
Num mundo tão consumista, sei que o caminho é longo. Eu realmente andava aflita com isso. Não sou de compras. Reaproveito muita coisa, estou sempre doando também.
Hoje mesmo entregamos para uma creche um carregamento imenso de brinquedos, roupas, panelas e outras costas que arrecadamos entre nós e com amigos.
A educação financeira passa sim pelo dinheiro, é claro. Mas tem mais que isso. Muito mais. Vamos aprendendo.

Raquel Grabauska

O que meu filho vai ser quando crescer?

Raquel Grabauska
28 de dezembro de 2018

Lembro que adorava ler, quando pequena,  a revista Mad. Tinha uma parte em especial: um quadro com a imagem do que os pais achavam que o filho seria e outro com o filho no futuro, sendo algo absolutamente diferente. Hoje, alguns seriam impublicáveis. Totalmente politicamente incorretos.

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Bom, qual pai/mãe não sonha com o futuro dos filhos? Meu filho mais velho tem sete anos. Ele já “foi ser”: baterista, cientista, matemático e engenheiro da Lego que moraria na Alemanha. Possivelmente, já teve outras carreiras que foram descartadas nesses anos todos.

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Quando ele tocava bateria, eu, mãe artista, me emocionava, exibia, orgulhava. Quando começou a fazer contas de cabeça com seus míseros 7 aninhos, o pai, das Exatas, não cabia em si de felicidade. A cada troca de profissão, novos planos e expectativas. E a torcida silenciosa dos pais pra ver se o guri vai para as Humanas ou Exatas.

Pelo que conheço dele, pelo que conheço de nós, tanto faz. Meu pai queria que eu fosse nutricionista. Morreu no ano em que fiz vestibular para teatro. Antes de eu fazer, que fique claro. Não foi de desgosto, fiquem calmos. Muitas pessoas ficaram com pena: eu era uma boa aluna, com potencial. Como gastei toda aquela inteligência fazendo teatro?

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Eu não sei o que teria feito se meu pai estivesse vivo no vestibular. Não sei se teria tido coragem. A mãe respeitava minha decisão. Não torcia, mas respeitava. Meus irmãos me incentivaram. Eu fiz no impulso.

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Quando vejo meus filhos crescendo, fico torcendo para diminuir minha expectativa. Porque quando a gente está crescendo, a nossa expectativa em relação a nós mesmos já é imensa. Só nesse ano, meu filho começou uma escola nova, aprendeu a ler, teve que extrair dois dentes e depois disso ainda teve dois dentes moles que não caem nunca. Já pensou?! Como dar conta de tudo isso?

Quando vejo que ele já tem sete anos, vejo que ele só tem sete anos. Está crescendo e é uma criança. E vai errar, e vai bater cabeça, e vai… é lindo e difícil. Vou torcer pra que ele cresça bem. Que tenha a sorte de ter pessoas leais por perto. A minha parte eu estou fazendo: deixar ele crescer sendo ele.

*A imagem da capa é de um robô que mexe braços e pernas. Foi construído pelo nosso ilustrador mirim, Benjamin, de sete anos. 

Raquel Grabauska

Papai noel existe?

Raquel Grabauska
21 de dezembro de 2018

Duas coisas me chocaram muito quando era pequena: descobrir como se faz um bebê e descobrir que o Papai Noel não existe. Ops. Espero que nenhuma criança esteja lendo. Sobre a primeira, falaremos outra hora…

A gente sempre acaba sabendo de uma história triste sobre a descoberta da não existência do bom velhinho. Essa semana mesmo ouvi uma.

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“Minha mãe fica sequeladada quando tá com sono. Quando era pequena, perguntei pra ela, que tava quase dormindo: Mãe, é verdade que papai noel não existe? E ela: Sim, é verdade. Segui: Nem a Fada do Dente? Nem. E o Coelhinho da Páscoa? Também não.” A mãe com sono contou TODA a verdade para a filha de cinco anos.

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Hoje mesmo meu filho me viu com dois presentes na mão. Comprei para meu irmão e cunhada. Ele perguntou para quem era. Eu respondi imediatamente: pro tio e pra tia. Ele: porquê? Eu respondi imediatamente: presente de Natal, ué? Ele: mas não é o Papai Noel quem dá? Eu: …

Ele tem sete anos. Sei que é o último Natal em que vai acreditar no Noel. E daí é certo que o de 4 também vai descobrir. Nunca fomos entusiastas do Natal, mas é divertido ver a fantasia que isso gera. Na nossa família, o Natal tem sido uma data em que nos reunimos para ficar juntos, e é bem bom. Somos uma família pequena, escolhemos passar essa data juntos. E é um dos dias mais bonitos do ano. Eu, que nunca gostei do Natal, agora espero esse dia numa ansiedade quase igual à das crianças que esperam o tão sonhado presente.

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Mas explicar para os filhos o porquê de pedir que eles doem brinquedos para as crianças que não têm presentes, sendo que o Papai Noel traz pra eles, é uma coisa que me faz querer fugir. A mistura das emoções que essa época e o cansaço do ano nos trazem.

 

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Faz uns anos que vi esse vídeo onde a Elke Maravilha conta sobre a origem do Natal. Sempre me emociona.

E dia desses vi um post em que a mãe consegue transformar a descoberta da inexistência do Papai Noel em um momento lindo com o filho.

 

Raquel Grabauska

Pra quem fazemos cultura?

Raquel Grabauska
14 de dezembro de 2018

Das primeiras coisas que lembro da infância, era minha mãe cantando pra eu dormir. Meus irmãos cantando pra eu crescer. Os livros que fui aprendendo a amar. Os quadros que eu não saberia pintar. Tem um filme que se chama Um dia sem mexicanos. Todos os mexicanos desaparecem de uma cidade americana, na Califórnia, e não há quem faça o trabalho pesado. Pensa num dia sem arte. Tua vida sem música, sem filme, sem, sem, sem…

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A arte está em tudo, o tempo todo. E porque não se valoriza isso? Porque sempre se acha o ingresso caro? Porque se pergunta se criança paga um ingresso em um espetáculo infantil? Porque acusam artista de vagabundo?

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Segundo dados atuais do IBGE, o orçamento da Lei Rouanet representa apenas  0,3% da renúncia fiscal da união, produzindo 400% de retorno e incremento pra cadeia produtiva. As atividades culturais e criativas já representam 2,6 do PIB do país. Vagabundos?

Ontem estava olhando um Edital da Petrobrás, em que pretendo inscrever um trabalho. Esse projeto vai ser para os teus filhos, para os filhos dos outros, para os filhos de quem não conhecemos. E li um comentário (nunca leio comentários, mas ontem, idiotamente eu li). O super mega inteligente e sensível escreveu: pra que arte? Outro: e continuamos pagando R$ 5,00 a gasolina. E outro: enquanto os hospitais estão sem recursos, essa bobagem…

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Sério que a arte faz todo esse mal?
Não seria o contrário? Tenta. Tenta ficar sem arte. 

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Essa semana lançamos um projeto no Catarse, sistema de financiamento coletivo. Não estamos esperando o governo ou um milagre. Contamos com nós mesmos e com quem aprecia e respeita a arte. Se puder, colabora. Senão puder colaborar, compartilha. E seguimos!

Raquel Grabauska

Banho de chuva

Raquel Grabauska
7 de dezembro de 2018

Das lembranças mais fortes que tenho da infância, os banhos de chuva sempre ganham

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Minha mãe era refugiada de guerra. O barulho de trovão remetia às bombas. Mal o tempo começava a nublar, se meu pai não estava em casa, ela nos fazia pular o muro da vizinha para nos refugiarmos. Banho de chuva era só quando o pai tava em casa. A mãe se escondia e o pai parava na porta, nos cuidando, permitindo, zelando. Ele nunca tomava banho de chuva conosco. Mas era visível o tanto que ele gostava de nos ver ali.

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Família humilde, o banho de chuva era uma diversão garantida, democrática

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Morávamos numa casa. O pátio era nosso navio, nosso castelo, o que coubesse na imaginação daquele dia. Com filhos numa cidade grande, os banhos de chuva me são mais raros do que gostaria. Hoje isso se desfez. Almoçamos com amigos queridos num lugar ao ar livre. Uma chuva repentina e intensa nos deixou atrapalhados. A ideia de brincar na praça foi pro brejo. Meu filho mais velho começou a brincar nas goteiras das calhas, de leve. Tentamos conversar de que não era o melhor momento. Pais ponderando. Todas as crianças se recolheram. Ele foi. Tão feliz. Com cara de que sabia que tava aprontando. E tão feliz! Saímos na chuva, os dois. Pisamos em poças, rimos, brincamos, lavamos as almas.

Lembrei da criança que eu fui. Me emocionei com a criança que ele é. Por mais banhos de chuva. Muito mais!

Raquel Grabauska

Chantagem – quem nunca?

Raquel Grabauska
30 de novembro de 2018

Eu nunca gostei de condicionar as coisas aqui em casa. Tipo: se não te comportar, não ganha… Pra mim sempre foi crucial combinar, explicar, dialogar. Como é lindo o mundo das mães na teoria. E quando tu tá atrasada pra uma reunião e o filho não consegue decidir qual brinquedo ele vai levar pra passear? E quando tá tudo pronto e ele toma um gole de água e um micro pingo na roupa é motivo de choro, escândalo, olhar sinistro dos vizinhos que pensam em te denunciar pro conselho tutelar? E quando tu conseguiu deixar tudo bem e do nada fica tudo ruim? E? E? E?

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Nada como uma boa psicologia do desespero. Daí a gente faz o que é possível. Conversa, negocia, tenta, tenta, tenta. E apela.
Bah, apelar é necessário. Quem nunca?
Se atirar a primeira pedra, é certo que só o fez por não ter filho

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Nessas horas em que já tentamos até o impossível, pensamos em mil soluções. Uma delas, claro, é a chantagem. Evita-se ao máximo. Mas tem vezes…

Essa semana meu filho mais velho queria fazer algo, nem lembro mais o que era. Eu não permiti. Ele ficou chateado. Mas mais chateado ficou o irmão mais novo, o defensor do mano. Eles insistiram. Eu mantive a negativa. Depois de argumentos, contra-argumentos, réplica, tréplica e o escambau, o mais novo diz:

(antes disso é importante citar que dia desses ele achou um creme meu e com a desculpa de me fazer massagem, desfez-se da metade do conteúdo)

– Mamãe, tu quer um creme novo? Pensa bem, mamãe, tu pode ganhar um creme novo.
– Porque, filho?
– Deixa o mano fazer o que ele quer.
– Não dá, filho.
– Mamãe, tu que sabe… Tu que decide se quer o creme ou não…

Ai do discípulo que não supere o mestre.

Raquel Grabauska

Meu filho (quase) fugiu de casa

Raquel Grabauska
23 de novembro de 2018

Meu filho mais novo tentou ir embora de casa pela primeira vez

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Estavam os dois irmãos mega brincando. Brincando de um jeito comovente. Até tentei entrar na brincadeira e me deram uma excluída. Fiquei na minha, deixa eles, é o espaço deles, blá,blá, blá. Mãe tentando ser madura. O mais velho cansou da brincadeira. O mais novo continuou. O mais velho pediu para parar. O mais novo continuou. Um pedia para parar, o outro continuava. E assim foi por um bom tempo.

O mais velho se irritou. Muito. Foi dar um chute no irmão. Não um chute qualquer. Eu vi que a mira era no rosto. Peguei o pé no ar.  Proferi um sermão da montanha. Os dois silenciaram. Depois do discurso voltei a respirar. Me dei conta do risco que havíamos corrido. Passou, pronto, passou…

Quando o mundo parou de girar, olhei para as duas crianças. O mais novo com cara de susto e o mais velho com cara de mais susto. Imaginei a minha cara de susto também. Percebemos os três que estava tudo bem. O mais novo começou uma manha. Expliquei que o que o mano tinha feito não era aceitável, mas que ele deveria ter parado quando foi pedido. Que ele deveria ter ouvido o não. Respeito.

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Nisso, vi que ele foi para perto da porta. Calçou os crocs, me olhou profundamente e girou a maçaneta

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Perguntei para onde ele ia e ele disse que precisava ir embora até eu querer ser uma boa mãe. O mais velho pediu pra ele não ir. Eu aproveitei a deixa e fiz aquela chantagem básica: "Ué, tu queria chutar o mano.” Horrível, eu sei. O mais novo assistindo a nossa conversa, com aquela cara. Daí disse: "O mano que escolhe se eu fico ou vou!"

Resumindo, os dois se abraçaram, foram juntos brincar  de novo. E eu fiquei assistindo.

Meu filho mais novo tentou ir embora de casa pela primeira vez

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Estavam os dois irmãos mega brincando. Brincando de um jeito comovente. Até tentei entrar na brincadeira e me deram uma excluída. Fiquei na minha, deixa eles, é o espaço deles, blá,blá, blá. Mãe tentando ser madura. O mais velho cansou da brincadeira. O mais novo continuou. O mais velho pediu para parar. O mais novo continuou. Um pedia para parar, o outro continuava. E assim foi por um bom tempo.

O mais velho se irritou. Muito. Foi dar um chute no irmão. Não um chute qualquer. Eu vi que a mira era no rosto. Peguei o pé no ar.  Proferi um sermão da montanha. Os dois silenciaram. Depois do discurso voltei a respirar. Me dei conta do risco que havíamos corrido. Passou, pronto, passou…

Quando o mundo parou de girar, olhei para as duas crianças. O mais novo com cara de susto e o mais velho com cara de mais susto. Imaginei a minha cara de susto também. Percebemos os três que estava tudo bem. O mais novo começou uma manha. Expliquei que o que o mano tinha feito não era aceitável, mas que ele deveria ter parado quando foi pedido. Que ele deveria ter ouvido o não. Respeito.

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Nisso, vi que ele foi para perto da porta. Calçou os crocs, me olhou profundamente e girou a maçaneta

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Perguntei para onde ele ia e ele disse que precisava ir embora até eu querer ser uma boa mãe. O mais velho pediu pra ele não ir. Eu aproveitei a deixa e fiz aquela chantagem básica: “Ué, tu queria chutar o mano.” Horrível, eu sei. O mais novo assistindo a nossa conversa, com aquela cara. Daí disse: “O mano que escolhe se eu fico ou vou!”

Resumindo, os dois se abraçaram, foram juntos brincar  de novo. E eu fiquei assistindo.