Geórgia Santos

Nenhuma palavra é dita sem destino

Geórgia Santos
26 de outubro de 2018

Nenhuma palavra é dita à toa. Nenhuma palavra é dita sem destino. E as palavras de Jair Bolsonaro não são diferentes. Nos últimos anos, suas palavras ecoam pelo Brasil e encontram suas consequências pelo caminho. Encontram pessoas reais, que sofrem todos os dias em função do discurso que o “messias” insiste em reproduzir.

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Parece exagero?

Outros candidatos também cometem “atos falhos”?

É apenas brincadeira?

É fora de contexto?

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Se as palavras soltas ao vento não são suficientes para repensar o voto no candidato do PSL, proponho, então, que façamos todos um exercício de empatia: nomear os alvos. Preencha a lacuna com o nome de algum amigo ou parente e sinta na pele a força de uma palavra que encontra seu destino.

 

“Eu vou dar carta branca para a polícia matar.”

(Evento em Deerfield Beach, EUA, 8 de outubro de 2017)

Eu vou dar carta branca para a polícia matar o José.

Eu vou dar carta branca para a polícia matar o __________

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“Jamais iria estuprar você, porque você não merece … vagabunda!”

(RedeTV,  11 de novembro de 2003)

Jamais iria estruprar você, porque você não merece … Rafaela.

Jamais iria estuprar você, porque você não merece … _________

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O que o senhor faria se seu filho namorasse uma negra?

 “Ô, Preta, eu não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco e meus filhos foram muito bem educados e não viveram em ambiente como lamentavelmente é o teu.”

(CQC, TV Bandeirantes, 28 de março de 2011)

 “Eu fui num quilombola em Eldorado Paulista. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais.”

(Palestra no Clube Hebraica, abril de 2017)

Nem pra procriar o Marcelo serve mais.

Nem pra procriar a Leila serve mais.

 Nem pra procriar o ______ serve.

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 “Foram quatro homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher.”

(Palestra no Clube Hebraica, abril de 2017)

Foram quatro homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio a Marielle.

Foram quatro homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio a _______.

 

“Seria incapaz de amar um filho homossexual. Não vou dar uma de hipócrita aqui: prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí. Para mim ele vai ter morrido mesmo.”

(Playboy em junho de 2011)

Seria incapaz de amar o Pedro. Prefiro que o Pedro morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí.

Prefiro que o _________  morra num acidente do que apareça com um homem por aí.

O senhor já deu uns sopapos em mulher alguma vez?

“Já. Era garoto lá em Eldorado, uma menina que forçou a barra pra cima de mim.”    

(CQC, TV Bandeirantes, 26 de março de 2012)

Já. Era garoto lá em Eldorado e a Alice forçou a barra pra cima de mim.

 Já dei sopapos em mulher, eu era garoto lá em Eldorado e a ___________forçou a barra pra cima de mim. 

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“Vamos fuzilar a petralhada!”

(Discurso no centro de Rio Branco, Acre, 1 de setembro de 2018)

Vamos fuzilar o mestre Moa.

Vamos fuzilar o _______

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“Vai haver uma limpeza como nunca houve antes nesse país. Vou varrer os vermelhos do Brasil. Ou vão embora ou vão pra cadeia”.

 

 “O cara lá que tem uma camisa minha comete lá um excesso, o que é que eu tenho a ver com isso?”

(TV UOL, 10 de outubro de 2018)

Geórgia Santos

Entre a imparcialidade e a conivência

Geórgia Santos
24 de outubro de 2018

A imparcialidade é uma espécie de véu que se espera que os jornalistas vistam, como aqueles véus usados por carolas para ir à igreja aos domingos –  nem translúcido, nem opaco. É possível enxergar a silhueta por baixo do pano, mas o tecido não é transparente o suficiente para identificar as feições de quem o veste. Assim é a imparcialidade, um véu que, de certa forma, protege o jornalista de se deixar levar por paixões e afinidades que possam atrapalhar uma abordagem objetiva. A ideia por trás do conceito de imparcialidade é não privilegiar ninguém ou nenhuma parte quando se aborda qualquer fato.  Mas esse véu também está diante dos olhos. Esse véu também nubla a visão.

Faço parte do grupo de pessoas que entende que a imparcialidade é impossível de ser atingida. Não acredito que seja possível para uma pessoa – mesmo que treinada para exercer o jornalismo – se despir totalmente de suas convicções ao escrever uma reportagem. Nossas preferências aparecem até mesmo na escolha das palavras. Em uma cobertura que envolva uma ação do Movimento dos Sem Terra (MST), por exemplo, a escolha entre “ocupação” ou “invasão” já é suficiente para perceber a forma como o jornalista vê o movimento.

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O que não significa que o profissional não deva aspirar a imparcialidade. Podemos não ser imparciais, mas ainda devemos buscar a objetividade, a equidade e a verdade, obviamente. Essa é uma busca que não termina. 

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A questão é que aspirar ser imparcial e justo no exercício do jornalismo é uma excelente forma de disciplina e uma ótima maneira de atingir excelência no trabalho, mas a obsessão com a imparcialidade pode transformar esse traço do jornalismo contemporâneo em conivência, especialmente quando se trata de política.

O Brasil vive o que se pode chamar, com tranquilidade, de a eleição mais turbulenta da história democrática do país, que começa em 1985, depois de duas décadas de Ditadura Militar. Há inúmeros aspectos atípicos que envolvem esse pleito, desde a instabilidade política que se desenhou com os protestos de 2013 e foi agravada com a saída de Dilma Rousseff até a personalidade caricata de candidatos que, entre outras coisas, jejuam no monte. Mas há outras questões.

Pela primeira vez há um candidato que defende abertamente o regime militar e a tortura, a ponto de atestar que “o erro da ditadura foi torturar e não matar” (entrevista à rádio Jovem Pan, junho de 2016). Pela primeira vez há um candidato declaradamente racista, que foi em um quilombo e disse que “o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador ele serve mais” (palestra no Clube Hebraica, abril de 2017). Ele ainda afirmou eu não “corria o risco” de um filho seu namorar uma mulher negra, porque, segundo ele, seus filhos foram “bem educados” (entrevista ao CQC, março de 2011). Pela primeira vez há um candidato claramente machista, que acredita que mulheres devem receber um salário menor que os homens em função do risco da gravidez (entrevista ao jornal Zero Hora, dezembro de 2014; entrevista ao programa SuperPop,  fevereiro de 2016). Pela primeira vez há um candidato assumidamente homofóbico, que disse ser  “incapaz de amar um filho homossexual”, que prefere que um filho seu “morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí” ( entrevista à revista Playboy,  junho de 2011). Pela primeira vez há um candidato abertamente xenófobo, que disse que os imigrantes haitianos, senegaleses, iranianos, bolivianos e sírios são a “escória do mundo” (entrevista ao jornal Opção, setembro de 2015). Pela primeira vez há um candidato  que flerta com o autoritarismo a ponto de dizer que vai “acabar com todo o tipo de ativismo” e que afirma, com todas as letras, que a oposição “se quiser ficar aqui, vai ter se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora ou vão para cadeia.”

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Ainda assim, nós, jornalistas, de maneira geral, vestidos com o véu da imparcialidade, hesitamos em dizer que se trata de um candidato de extrema-direita, racista, misógino, xenófobo e autoritário

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A busca pela imparcialidade, embora utópica, é muito importante. Mas não pode ser desculpa para tratar essa candidatura com equivalência. Não pode ser justificativa para não dar nome aos bois. Não pode ser motivo para ignorar o fato de que esse comportamento é inaceitável em uma democracia sadia. Até porque a excelência profissional não se esgota na neutralidade. No Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros está claro, no Artigo 6º, que é dever do jornalista:

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“I – opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos; “

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A imparcialidade não pode, portanto, ser utilizada para acobertar os riscos que uma candidatura desse tipo representa. Se a busca é a objetividade, o público precisa ser informado sobre o significado do atual momento político e a desinformação precisa ser confrontada com jornalismo de qualidade. Já em 1947, a Hutchins Commission percebeu que não é suficiente relatar o fato, é preciso relatar a verdade sobre o fato. E tratar essa candidatura como qualquer outra não é imparcialidade, é conivência.

Não é crime um jornalista assumir como pensa, muito menos motivo para demérito ou descrença. O exemplo clássico disso é Homenagem à Catalunha, de George Orwell, uma das maiores obras da reportagem política. No último capítulo, Orwell escreve: “Caso eu não tenha dito isso em algum lugar no início do livro, direi agora: cuidado com meu partidarismo, meus erros factuais e a distorção inevitavelmente causada por ter visto os eventos de apenas um ângulo”. Ele completa: “Não acredite em mim.” E por causa de sua transparência, acreditamos.

Geórgia Santos

Festa da hipocrisia

Geórgia Santos
6 de outubro de 2018

Já até vejo os jornais falando da festa da democracia. Piada. Na melhor das hipóteses, neste 2018, temos uma bela de uma festa da hipocrisia. Em que um homem preconceituoso e despreparado passará ao segundo turno como o preferido dos cidadãos brasileiros. Um homem machista, homofóbico e xenófobo que passará como um homem tolerante e do povo. Um homem corrupto que passará como honesto. Um homem que está na política há 30 anos e passará como novo. Um homem que sempre fez mais do mesmo e passará como diferente. Um homem autoritário que passará como democrático.

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Agora me digam, se não é uma bela de uma festa da hipocrisia?

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E tudo a pretexto do medo subjetivo de um partido, o medo mentiroso e sem cabimento de o Brasil virar a Venezuela. Que preocupação com a corrupção é essa, se não se importa com o fato de ele usar auxílio moradia pra “comer gente”?

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Que preocupação com a corrupção é essa que desaparece na hora de votar no PP, o partido mais investigado na Lava Jato? Que preocupação com a corrupção é essa que desaparece na hora de votar em qualquer outro partido?

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Que sexo é esse que ensinam nas escolas que a maioria desses machões não sabe nem onde fica o clitóris?

Que doutrinação esquerdista é essa que produz uma geração de adoradores da Ditadura Militar?

Que doutrinação é essa, que as pessoas sequer sabem o que é socialismo ou foi quem foi Marx?

 Que “marxismo cultural” é esse, tão difundido, que criou uma geração que vai eleger um cara que insulta homossexuais, mulheres, negros e imigrantes? O tal do politicamente correto não está sufocando a todos, afinal de contas, nesse mundo chato?

Que defesa da família é essa, que vem do cara que não quis registrar o filho?

Que valores são esses, que vem do cara que quase bate a cara no poste pra olhar pra bunda de uma adolescente?

Que cristão é esse, que quer matar?

É uma bela de uma festa da hipocrisia, isso sim.

 

Geórgia Santos

A escolha entre a democracia e o autoritarismo

Geórgia Santos
5 de outubro de 2018

Nos últimos dias, conforme chegamos perto do dia da eleição, tem-se equalizado a postura autoritária de Bolsonaro e Mourão à de outras candidaturas. Em comparação com o PT, dizem ser “extremos desdenhando da democracia”; “dois polos autoritários”. Ou, o meu favorito, “vamos virar a Venezuela”.  O mesmo com Ciro.

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Isso é simplesmente ERRADO. Em muitos níveis. Explico.

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O candidato do PSL, em mais de uma ocasião, reverenciou o que ele chama de “Revolução” e os livros de História chamam de Ditadura Militar. Disse que “o erro da Ditadura foi torturar e não matar”. Disse que, se eleito, fecharia o Congresso “na mesma hora.” Ele disse que não houve golpe em 64; que “ditadura é de um só” e o Brasil teve cinco presidentes; que Castelo Branco foi eleito da mesma forma que Tancredo; e que as pessoas “diziam ser torturadas para conseguir indenizações”. Sobre as autorizações dadas pelo presidente Ernesto Geisel para executar opositores do regime, disse: “Quem nunca deu um tapa no bumbum do filho e depois se arrependeu? Acontece.” Assim, simples assim. E o Mourão? Esse admitiu autogolpe “em caso de anarquia” e disse “heróis matam”, referindo-se ao Coronel Ustra. E são só alguns exemplos que me saltam à memória.

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Mas se Bolsonaro e Lula ou Haddad representam “polos autoritários” e são “ameaças iguais à democracia”, devemos encontrar declarações similares dos candidatos do PT. Ou de Ciro Gomes, famoso por suas explosões, chamado de “coronelzinho” e considerado autoritário. Certo? ERRADO.

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Há especialistas que apontam para um risco de ruptura democrática derivada do PT. O sociólogo José de Souza Martins diz que o “PT é em certo sentido autoritário.” FHC, por sua vez, denomina “autoritarismo popular” e alerta para a  criação de um bloco de controle da máquina estatal. Há de fato, uma tentativa do PT de retomar o controle, inclusive inviabilizando outras candidaturas de esquerda como a Ciro – por meio de acordo com o PSB. Assim como não há dúvida sobre o controle que Lula exerce no partido. E houve até tentativas de calar a imprensa alegando difamação. Todas frustradas, pelo que me consta. Ainda bem.

Sobre a questão golpe, o sociólogo Martins escreveu que “há uma mentalidade ditatorial subjacente a palavras de ordem desse tipo”. Ainda assim, Dilma aceitou o resultado e se recolheu. A luta está na retórica. A argumentação de que foi “golpe” é amplamente suportada pela academia. Se fosse estratégia para “contragolpe”, passados dois anos, já teríamos visto algo. Ao contrário, Dilma está disputando uma eleição como qualquer outro candidato.

Mesmo no caso da prisão de Lula. Verdade que ele se entregou nos próprios termos e desrespeitando o prazo, o que é um problema em si, mas está lá. Preso. Da mesma forma, não vai concorrer, como determinou o TSE. Não faço juízo de valor do que deveria ou não ser feito; tampouco julgo, aqui, a forma como Lula e o PT conduzem seus affairs. Apenas aponto a conformação com o sistema. “Ah, mas o PT apoia a Venezuela”. Grande erro quando o fez via Gleisi Hoffmann e, sim, um indicativo de alerta. Embora pareça se tratar do famoso “discurso pra torcida”. Tanto que no Jornal da Globo, Haddad admitiu que o país vizinho não vive um clima de normalidade e que o Brasil precisa ser mediador e se manter neutro. Na mesma entrevista, reafirmou que NÃO dará indulto a  Lula. Quanto à Ciro, as acusações de autoritarismo caem na conta do destempero.

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Há, portanto, erros. Muitos erros, mas não há retrocesso da ordem democrática de qualquer outro candidato que não seja o do PSL. NENHUM deles DEFENDE A DITADURA além dele. Nenhum diz que não aceitará o resultado caso não vença. Só ele.

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É desonesto insinuar que um governo do PT transformaria o país em uma Venezuela. O partido governou o Brasil por quase 14 anos e em nenhum momento se assemelhou ao que fez Maduro. Com todos os problemas que teve – e foram muitos, especialmente com relação à corrupção – o Brasil se tornou a sexta economia do mundo, a miséria diminuiu e a democracia se fortaleceu. Dá uma olhada.

A Freedom House, que mede o índice de liberdade no mundo, acompanha a situação política do Brasil desde 1998. A grosso modo, eles analisam a questão a partir de dois âmbitos: Direitos Políticos e Liberdades Civis. A cada um desses âmbitos é atribuída uma nota cuja média determina se o país é livre; parcialmente livre; ou não-livre. O Brasil, em 1998, era considerado parcialmente livre. Com uma média de 3,5 de um total de 7 pontos, sendo 7 o MENOS livre. Recebeu nota 3/7 para Direitos Políticos e 4/7 para Liberdades Civis. Em 1999, repetiu a média.

Foi melhorando até que, em 2003, um ano após Lula chegar à presidência, o Brasil foi considerado LIVRE pela primeira vez, com uma média de 2,5 pontos. E não estou dizendo que é obra dele, não é, mas de TODOS os atores políticos que lutaram pelo fortalecimento democrático – o que inclui aceitar o resultado de eleições livres.

Em 2006, a média melhorou e atingiu 2/7 pontos, com a mesma pontuação para Direitos Políticos e Liberdades Civis. Uma democracia imperfeita, mas democracia. Desde então, o país permanece na categoria LIVRE. Os processos democráticos em si, como a premissa de eleições livres, não sofreram abalo durante os governos do PT e nem mesmo com Temer. Mesmo com a corrupção que se mostrou sistêmica e enraizada em todos os partidos políticos e governos. Mesmo com a violência. Mesmo com a desigualdade.

Tanto é assim, que é praticamente consenso na literatura acadêmica da Ciência Política o fato de que só se pode pensar em algo parecido à consolidação democrática no Brasil a partir de 2002. Nota-se, porém, que no score agregado, o Brasil vem perdendo pontos desde 2016. Um alerta.

A democracia brasileira parecia segura também aos olhos de pesquisadores estrangeiros. Lembro de ouvir do professor Larry Diamond, de Stanford, em um seminário no ano de 2014, em Lisboa: “You can say that democracy in Brazil is solid.” Você pode dizer que a democracia no Brasil é sólida. até que apareceu o candidato do PSL. Pela primeira vez em mais de 30 anos, e por causa de Bolsonaro e Mourão, a democracia brasileira parece verdadeiramente ameaçada pelo fantasma dos militares, que já não é fantasma, é matéria. Eles trouxeram os militares de volta à cena política e ressuscitaram um grupo que já não tinha importância.

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Por isso, é um EQUÍVOCO colocar Bolsonaro no mesmo saco que QUALQUER outro candidato quando o assunto é respeito pelas instituições democráticas. NINGUÉM flerta com o autoritarismo da forma como ele e Mourão o fazem. E o fazem sem esconder, sem o menor pudor.

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O Brasil já sofreu muito com os anos de chumbo. Pessoas morreram para que nós tivéssemos o direito de escolher o presidente; pessoas foram torturadas porque lutavam por essa liberdade. E nós estamos desdenhando disso quando não atribuímos gravidade ao que que dizem os candidatos da chapa do PSL. A dupla de militares diz que o período de da Ditadura “foi pintado errado pelo PT. Quem tem dúvida, pergunte para o vovô.” Pois eu perguntei, e seu Orozimbo, um homem de poucas letras, me disse de maneira singela que governo não é lugar para o Exército. Com seus 84 anos, ficou surpreso que há jovens que defendem o retorno da Ditadura. 

É nossa democracia que está em jogo, sim. Este texto do professor Steven Levistky deixa muito claro. E isso não é brincadeira, não é engraçado, não é mimimi. Se tu tens alguma dúvida sobre o que foi a ditadura militar, escuta isso:

Geórgia Santos

Festival 3i . Como renovar a agenda eleitoral?

Geórgia Santos
24 de setembro de 2018

No último final de semana, o Vós participou do Festival 3i – Jornalismo Inovador, Inspirador e Independente, em Porto Alegre. O evento é uma iniciativa pioneira no Brasil no fomento de discussões atuais sobre um novo momento do jornalismo, em que veículos concebidos em ambiente digital tem mais relevância, além do surgimento de toda uma geração de jornalistas empreendedores. O festival é uma parceria das plataformas Agência Lupa, Agência Pública, BRIO, JOTA, Nexo, Nova Escola, Ponte Jornalismo e Repórter Brasil com o Google News Initiative.

 

O debate foi centrado nas eleições e foi dividido em três painéis, cada um com três palestrantes: “Os santinhos: o que investigar, como investigar?”, “Corpo a corpo: como novos eixos e perspectivas de cobertura podem renovar a agenda eleitoral?” e “Temos um vencedor: e agora, jornalismo?”. Eu participei da segunda mesa, ao lado da professora Rosane Borges (USP) e da jornalista Flavia Marreiro (El País).

Esse é um tema especialmente caro pra mim porque foi a partir dessa frustração que o Vós nasceu. A partir da frustração de sentir que não havia espaço na mídia tradicional para tratar de forma profunda sobre temas como aborto, encarceramento em massa, violência policial, racismo e outros temas sensíveis e urgentes da nossa sociedade. 
Esse é um debate bastante complexo, que, a meu ver, enfrenta um obstáculo social, institucional e o agendamento da grande mídia. Isso porque a desigualdade faz com que os brasileiros tenham demandas que parecem mais urgentes, como a  fome e o desemprego. Assim, assuntos como aborto e encarceramento em massa se tornam secundários no imaginários das pessoas, moldado por instituições e pela grande mídia.
É confortável pensar que o jornalismo sempre reflete a realidade, mas a verdade é que são decisões editoriais baseadas em uma série de fatores. Ou seja, é um recorte. E isso faz com que as pessoas enxerguem esse recorte como a realidade, como em um ciclo vicioso. O resultado é que temas desconfortáveis acabam sendo negligenciados. Não são tratados com a importância que merecem. No caso do aborto, como tema de saúde pública, por exemplo.
Penso que a maneira de enfrentar esses obstáculos é se posicionar. Sair de trás do véu da imparcialidade, porque não existe confronto sem posicionamento. Nós fazemos escolhas mesmo que a gente não perceba, melhor que as façamos às claras. Violações aos Direitos Humanos não podem ser tratadas como polêmica, mas como crime. Youtuber que relaciona Mbappé à arrastão não é polêmico, é racista. É preciso dar nome aos bois. Além disso, é preciso mudar o enfoque, é preciso trazer os problemas para  a realidade das pessoas a mostrar a urgência desses temas. Forçar empatia.

 

 

Entre os convidados desta edição estavam Leandro Demori, editor-executivo do The Intercept Brasil, Flávia Marreiro, subeditora do El País, Jineth Prieto, editora do site colombiano La Silla Vacía, Sylvio Costa, fundador do Congresso em Foco, Alexandre de Santi, cofundador da Agência Fronteira e Francisco Leali, coordenador na sucursal de Brasília do jornal O Globo.
 
Ficou curioso? Dá uma olhada em como foram as discussões do Festival 3i.
Programação completa:

Mesa 1 – Os santinhos: o que investigar? Como investigar?
– Leandro Demori (editor-executivo do The Intercept Brasil)
– Taís Seibt (co-fundadora do Filtro Fact-Checking)
– Francisco Leali (coordenador na Sucursal de Brasília de O Globo)
Mediação: Breno Costa (BRIO)

Mesa 2 – Corpo a corpo: como o jornalismo pode renovar a agenda eleitoral
– Rosane Borges (USP)
– Flavia Marreiro (El País)
– Geórgia Santos  (Vós)
Mediação: Antônio Junião (Ponte Jornalismo)

Mesa 3 – Temos um vencedor: e agora, jornalismo?
– Alexandre de Santi (editor no The Intercept Brasil e co-fundador da Fronteira)
– Sylvio Costa (diretor do Congresso em Foco)
– Jineth Prieto (editora do La Silla Vacía – Colômbia)
Mediação: Moreno Osório (Farol Jornalismo)

 

Geórgia Santos

VIVA EL CANCER

Geórgia Santos
10 de setembro de 2018

Essa foto me choca. Parece impossível que alguém seja capaz de dizer isso, quanto mais escrever com tinta em pedra. Não é algo que se apague com água e sabão, nem do muro nem da memória de quem ouve e de quem diz. Ainda assim, foi dito e escrito no período que sucedeu a morte de Eva Perón, em 1952, então primeira-dama da Argentina.

Fui lembrada desse episódio na semana passada, enquanto visitava o Cemitério da Recoleta, em Buenos Aires,  onde Evita descansa não em paz. À época, os inimigos políticos do General Juan Domingo Perón picharam uma parede com a frase “Viva el cancer”, celebrando a morte da chamada líder espiritual da argentina e heroína dos descamisados.

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Celebrar a morte de alguém que faleceu vítima de uma doença devastadora
Vibrar diante de tragédias pessoais
Alegrar-se com a miséria de adversários
Já viu algo parecido? 

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As pessoas gostam de acreditar que suas tragédias são exclusivas. Só acontece comigo, gostamos de dizer. Mas não. Tragédias são universais, assim como a maldade se encontra em qualquer lugar. As pessoas gostam de acreditar que suas tragédias são fruto de seu tempo. Antigamente não era assim, gostamos de dizer. Mas não. Tragédias são atemporais, assim como a mesquinhez se encontra em qualquer momento.

Nós éramos assim antes, em 1952, e somos assim agora, em 2018

No Brasil, a morte da ex-primeira dama Marisa Letícia, esposa de Lula, também foi celebrada. Também já ouvi muitas pessoas desejarem, com fervor, a morte do ex-presidente. Assim como se encontra em qualquer esquina de Twitter as diversas celebrações pelo assassinato de Marielle Franco, que, segundo alguns, mereceu o seu destino. Em 2015, na ocasião do processo de Impeachment, Jair Bolsonaro disse em alto e bom som que Dilma Rousseff deveria sair de qualquer jeito, nem que fosse “infartada; com câncer”. Em um comício no Acre, o candidato do PSL ainda falou em “fuzilar a petralhada”.  No início do ano, a senadora Ana Amelia Lemos (PP) parabenizou os gaúchos que “deram de relho” nos petistas. Na semana passada, após Bolsonaro levar uma facada durante atividade de campanha, houve quem dissesse que foi pouco, que foi bem feito. E esses foram apenas os exemplos mais recentes aos quais minha memória se apegou.

E assim, com o passar do tempo e em qualquer espaço, em nome da política, vamos deixando nossa humanidade pelo caminho e normalizando a barbárie. 

Geórgia Santos

196 anos de que?

Geórgia Santos
7 de setembro de 2018

Brasil afora, militares marcham com orgulho. Também há milhares de crianças e adolescentes com seus uniformes escolares para celebrar o sete de setembro em desfiles tão coloridos quanto antiquados. Nas roupas tingidas de verde e amarelo, o orgulho de carregar a pátria no peito com um eventual azul, a alegria de celebrar sua história que começa como Brasil em 1822. Os desfiles variam em tamanho e em vontade. Ao lado dos jovens orgulhosos, há os sonolentos que preferiam estar em casa, a dormir. Há os que não tem ideia do que se passa. Há quem faça ideia mas não considera importante. Há os patriotas. Há os cínicos. Há os que não se importam e está tudo muito bem. Quem nunca? Eu participei de vários. Várias e várias vezes. Quase nunca por vontade, diga-se. Minha categoria era uma mescla dos sonolentos com os cínicos e os que não se importam.

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Já são 196 anos do grito de Dom Pedro, que bradou “Independência ou morte!” – de trás de um arbusto e durante uma diarreia

Mas são 196 anos de que?

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Nesta semana, o local em que a Imperatriz Leopoldina assinou o decreto da Independência pegou fogo. O Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, virou cinzas. Também nesta semana, um candidato à presidência da República foi agredido. Jair Bolsonaro (PSL) levou uma facada durante atividade de campanha em Juíz de Fora, Minas Gerais. Também nesta semana, esse mesmo candidato usou o tripé do microfone para imitar uma metralhadora com a qual mataria seus adversários “petralhas”. Meses atrás, a caravana de Lula (PT) foi recebida a relho no Rio Grande do Sul. Houve quem aplaudisse. Pior, foi recebida a tiros no Paraná. Antes, ainda, uma tragédia da política contemporânea brasileira: a morte da vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada de forma brutal por defender as pessoas e ideias que defendia.

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A isso, pode-se somar a insegurança, os graves problemas na área da educação, o salário de fome dos professores, o abandono da cultura, as filas da saúde, os direitos ameaçados dos trabalhadores e os escândalos de corrupção que são empilhados em nossa memória

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Aliás, por falar em memória, também ela anda esquecida neste país que insiste em esquecer do passado e flerta com o autoritarismo ao negar a Ditadura enquanto horror. E então, são 196 anos de que? Não ignoro que há o que se comemorar. O Brasil se desenvolveu de forma importante em diversos setores e é considerada uma das nações mais importantes do mundo. Ainda assim, a sensação, agora, é de desesperança. A sensação é que a barbárie vence a razão.

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O que aconteceu com Jair Bolsonaro é inadmissível.  Simples assim. Sem “mas”, sem “porém”, sem condicionantes de qualquer ordem. E enquanto candidato à presidência, o ataque a ele é um ataque à democracia e à liberdade

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Em boa nota, os concorrentes de Bolsonaro na corrida presidencial manifestaram votos de solidariedade e suspenderam atividades públicas de campanha. De um jeito torto, parecia que o tom da campanha finalmente melhoraria no sentido de que os valores democráticos prevaleceriam. Mas a boa nota é curta. Rapidamente o tom virou e as redes sociais foram inundadas com aquilo que há de pior. O presidente do PSL disse que “agora é guerra”; o candidato a vice de Bolsonaro, General Mourão, fez acusações levianas indicando que o PT e PSOL estariam por trás do ataque; teorias da conspiração que insinuavam que a facada seria uma armação; questionou-se o sangue; questionou-se a faca. Jornalistas histéricos davam informações desencontradas enfeitadas por pirotecnia. E assim, de maneira irresponsável,  a agenda ideológica do candidato se mesclava ao mérito do golpe que ele recebeu. E então, são 196 anos de que?

 

 

Geórgia Santos

Não se distraiam com a loucura do Cabo Daciolo

Geórgia Santos
15 de agosto de 2018

O primeiro debate na televisão entre os candidatos à presidência da República, organizado e transmitido pela Rede Bandeirantes, deu o que falar. Houve a ladainha de sempre, é verdade, mas o costumeiro festival de desinformação ganhou uma nova roupagem. Neste ano, ficou por conta dos delírios de Cabo Daciolo, que concorre pelo Patriotas. O deputado federal surpreendeu a todos quando questionou Ciro Gomes, do PDT, sobre o plano da Ursal – União das Repúblicas Socialistas da América Latina, do qual, segundo ele, o pedetista faz parte.

 

 A loucura de Cabo Daciolo deu vazão à ótima resposta de Ciro Gomes, que disse que a democracia, apesar de ser uma delícia, tem seus custos e a uma legião de memes maravilhosos.  Além da Ursal, destacam-se obsessão com o “Glória a Deus”, a paranóia do comunismo, Iluminatti e uma suposta Nova Ordem Mundial que destruiria o Brasil e acabaria com as fronteiras. Bom, não seria nada mal uma seleção com Messi, Cavani, Suárez e Neymar, hein – para citar uma das maravilhosas pérolas que li por aí.


Nesta semana, Cabo Daciolo voltou aos holofotes. Divulgou um vídeo em sua página do Facebook em que, do alto de uma montanha, grita “Glória! Glória a Deus!” – super novidade. Em 15 minutos, ele associa a crise brasileira a problemas espirituais, diz que está ameaçado de morte pela “nova ordem mundial” e diz sua estratégia de campanha será a oração. Ah, ele vai ficar no monte jejuando. Galera gosta de jejuar no Brasil.

Mas enquanto a gente ri e ridiculariza este homem, ele serve como uma ótima distração pra os verdadeiros problemas desta campanha eleitoral. Depois de assistir ao debate, a primeira coisa que eu disse, foi:

Perto dele, Bolsonaro é bolinho!

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Imediatamente me dei conta do problema dessa frase. Quando aparece uma pessoa mentalmente desequilibrada – como parece ser o caso do Cabo Daciolo – e disposta a ridicularizar o processo eleitoral porque não tem nada a perder, a figura de Jair Bolsonaro  (PSL) começa a parecer aceitável até mesmo para quem, inicialmente, não tinha intenção de votar nele. Não que isso vá fazer com que alguém que abomine as ideias de Bolsonaro, passe a gostar. Mas pode fazer diferença na balança dos indecisos, e isso é tudo o que ele quer.

Bolsonaro é um notório canastrão, isso não é novidade. Assim como também sabemos que é preconceituoso em diversos níveis.  Mas a distração de Daciolo pode ser prejudicial para toda a campanha, porque a tendência é que a gente “passe pano” também para outros candidatos.

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Afinal, quando alguém estabelece uma linha de corte tão baixa, todos os concorrentes – mesmo com inúmeros problemas – passam a ser aceitáveis, uma ameaça menor

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Bem, eu usei alguns minutos para escrever este texto e é todo o tempo que vou gastar com Cabo Daciolo. Nem um minuto a mais. Meu tempo – e o do Brasil – é precioso demais. Espero que vocês façam o mesmo e não desperdicem tempo e energia com um balão de ensaio.

Geórgia Santos

Danço eu, dança você, na dança da convenção

Geórgia Santos
6 de agosto de 2018
Com a voz mansa acompanhada de um violão e um pandeiro, Paulinho da Viola canta, sorrindo, que
Solidão é lava que cobre tudo
Mas não é sorrindo que eu concordo. É concordando que me entristeço ao perceber a semelhança. Estamos sozinhos. A solidão, a lava, cobriu tudo e nos deixou petrificados.
Treze pessoas afirmaram, no último final de semana, que não nos deixarão sozinhos. Querem uma chance para provar que não estão mentindo, querem nosso voto para comandar o Brasil. Eu acredito que a democracia seja o único caminho para o restabelecimento de um sistema político saudável e, principalmente, para alcançarmos a justiça social. Por isso, quero acreditar em uma dessas pessoas.
Montagem sobre o quadro Almoço dos Barqueiros, de Pierre-Auguste Renoir
Aliás, gostaria de acreditar em todos os candidatos e candidatas à presidência da República. Mas é difícil. Estamos sozinhos há muito tempo. Sozinhos, desempregados, miseráveis, sem esperança e com o gosto amargo do abandono na boca.
[A ] Amargura em minha boca,
porém, não é exclusividade, é sintoma social de refluxo de desespero, medo, cansaço e insegurança. Desesperança.  Natural que nos sintamos assim diante dos rumos que o Brasil vem tomando. Milhões de pessoas sem emprego; cortes na saúde e educação; problemas gravíssimos na área da segurança; sem contar a crise política e institucional do país. É natural, portanto, que nos sintamos assim. Mas não é saudável. Essa combinação é muito perigosa porque permite que esses sentimentos tomem conta de decisões que deveriam ser racionais. É essa dormência no pensamento que torna sedutores candidatos como Jair Bolsonaro (PSL), que
Sorri seus dentes de chumbo,
ou dos anos de chumbo, que seja. Ele e seu vice, General Mourão (PRTB), saudosos da Ditadura e com o discurso cheio de frases prontas e inflamadas, prometem o que não podem cumprir; falam o que não deveriam dizer. Iludem. De novidade, o meme ambulante não tem nem o preconceito. Mas a mesma dormência que faz com que parte da população deposite sua confiança em Bolsonaro também favorece paixões que nos cegam por conveniência. Ciro Gomes (PDT), por exemplo, está sendo achincalhado por parte da esquerda e por ter escolhido Kátia Abreu (PDT) como vice – a rainha da motosserra para alguns, em alusão ao vínculo com o agronegócio. A mesma Kátia Abreu que apoiou Dilma Rousseff de forma incondicional e, por isso, foi expulsa do MDB. Aliás, a mesma Kátia Abreu que apoiou Dilma Rousseff, que escolheu Michel Temer (MDB) como vice.
A decisão de Ciro Gomes foi pragmática, pode ser boa ou ruim, mas não se pode negar que ele não teve escolha depois de o PT inviabilizar sua coligação com o PSB e o deixar sozinho.
Solidão [é] palavra cavada no coração
de Ciro Gomes, cuja candidatura tem apenas o apoio do obscuro AVANTE e terá de sobreviver ao seu temperamento para levar uns votinhos daqui e outros dali. Ciro se mantém em um muro conveniente, sem se posicionar sobre assuntos polêmicos ou que demandem atenção ideológica. Afinal, a centro-esquerda está fragmentada e o PT deixou muito claro que está pensando em si, apenas. Lançou a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, preso desde abril, e indicou Fernando Haddad como vice. Mas todos sabemos que essa candidatura não será autorizada e que Haddad será o candidato de fato, com Manuela D´Ávila (PCdoB) como vice.
Faz sentido que o coro por Lula Livre siga eleição adentro, é legítimo que seja assim. Assim como faz sentido, do ponto de vista estratégico, o acordo com o PCdoB, porque estender a possibilidade de candidatura de Lula dá força à chapa. Mas não é transparente com o eleitor. Simplesmente não é.
O candidato é Lula, mas não é Lula, é Haddad; o candidato a vice-presidente é Haddad, mas é Manuela, que foi confirmada como candidata pelo seu partido, mas depois desistiu e agora é a vice do vice. É a dança da convenção.
Do lado de cá, do lado dos que só assistem, o povo espera uma resolução,
Resignado e mudo
No compasso da desilusão
Desilusão por tudo. Desilusão porque, no final das contas, continuamos sozinhos. No final das contas, parece que nada muda. O discurso de Geraldo Alckmin (PSDB), por exemplo, continua o mesmo engodo. Na convenção em que foi indicado, disse que vai “devolver aos brasileiros a dignidade que lhes foi roubada.” Ele fala como se o seu partido não tivesse parte nesse roubo. Ele ainda criticou quem usa “o ódio como combustível de manipulação eleitoral”, logo ele, que convidou Ana Amélia Lemos (PP) para ser sua vice, a mesma que “confundiu” Al Jazeera com Al Qaeda e acusou a petista Gleisi Hoffmann de violar a Lei de Segurança Nacional ao fazer o que ela chamou de “pedido para o Exército Islâmico atuar no Brasil”. A mesma que aplaudiu violência na caravana promovida por Lula pelo interior do Rio Grande do Sul. “Botaram para correr aquele que foi lá, levando um condenado se queixando da democracia. Atirar ovo, levantar o relho, levantar o rebenque é mostrar onde estão os gaúchos”, disse. Parece piada, mas é a mais pura realidade da política brasileira. Isso sem contar o apoio do “centrão” –  que bem poderia ser direitão -, aquele bloco de partidos cuja foto está no dicionário ao lado da palavra fisiologismo.
Desilusão, desilusão
Danço eu dança você
Na dança da [convenção]
Na dança da convenção e convenções. Marina Silva (Rede) se uniu, justamente, ao seu antigo partido, o PV, e na dança das convenções se apresenta contra tudo e contra todos. No primeiro evento após sua candidatura ter sido oficializada, disse que “discursos extremistas que prometem saídas fáceis para uma crise complexa crescem na sociedade brasileira, alimentando-se de nossa insegurança e de nossa revolta. Já vimos esse filme antes e sabemos como ele acaba”, disse.
Meu pai sempre me dizia, meu filho tome cuidado
Quando eu penso no futuro, não esqueço o meu passado
Bem, Marina está certa. Paulinho da Viola também, não podemos esquecer do passado. Mas é aí que Marina erra o pulo, afinal, ela fez parte desse passado. Como ministra de Lula, como candidata à presidência pelo PSB, ao dar apoio a Aécio Neves (PSDB). Ela também atuou nesse filme. O mesmo vale para Henrique Meirelles (MDB), presidente do Banco Central durante o governo Lula e Ministro da Fazenda nos últimos dois anos.
Paulinho da Viola diz, com entusiasmo, que
Apesar de tudo, existe uma fonte de água pura
Quem beber daquela água não terá mais amargura
Apesar da análise amarga, permaneço otimista em encontrar a fonte de água pura que me curará da amargura. Escolho acreditar na democracia, escolho acreditar em um desses 13 candidatos. Os que listei acima são os melhores colocados nas pesquisas mais recentes, mas há outros candidatos na disputa. Abaixo, veja a lista dos candidatos e candidatas à presidência.
Geórgia Santos

“Quem faz pesquisa é vagabundo que só quer estudar”

Geórgia Santos
3 de agosto de 2018

Pesquisa científica e desenvolvimento estão intimamente ligados pelo simples fato de que sem pesquisa, não há desenvolvimento. É por meio da pesquisa  que se encontra a cura para doenças; que é possível identificar padrões políticos e sociais; por meio da pesquisa surge a inovação; foi com pesquisa que se desenvolveu a penicilina, meu Deus do céu. A pesquisa é fundamental para o crescimento de qualquer país em absolutamente todas as áreas, da economia à medicina, da sociologia à biologia. Nada mais lógico, portanto, que os governos invistam pesado em pesquisa, especialmente em momentos de crise.

Por óbvio, não é diferente no Brasil, onde a maior parte da pesquisa é feita dentro de universidades durante a produção de dissertações de mestrado e teses de doutorado – e onde a maioria dos pós-graduandos não pode seguir estudando sem bolsa.

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A lógica, então, é que o governo brasileiro invista sempre e cada vez mais, certo? ERRADO

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A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), uma das principais agencias de fomento à pesquisa no país, afirmou, em nota enviada ao Ministério da Educação (MEC), que o teto de gastos previsto para o ano que vem pode inviabilizar o pagamento de bolsas de estudos. O documento foi assinado pelo presidente da Capes, Abilio Barra Neves, e indica que a entidade só teria recursos para cumprir os compromisso até agosto de 2019. A limitação do orçamento da Capes também afeta praticamente todos os programas de cooperação com o exterior.

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O número de prejudicados pode passar de 440 mil – 93 mil alunos de pós-graduação; 105 mil da Educação Básica; e 245mil pessoas ligadas à Universidade Aberta do Brasil (UAB)

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Em resposta ao jornal Folha de São Paulo, a assessoria do MEC disse que os limites de orçamento são definidos pelo Ministério do Planejamento. Este,  por sua vez, respondeu também em nota que estabelece apenas o montante global de cada pasta – que deve diminuir em 11% para o MEC. Ou seja, não se responsabiliza pela alocação de recursos.

O orçamento da entidade previsto para 2018 foi de R$ 3,880 bilhões. Isso significa que o orçamento para 2019 deve ser o cálculo desses R$ 3,880 bilhões mais a correção da inflação. A questão é que o projeto pode sofrer vetos do Executivo, e é justamente essa a parte que preocupa o Conselho da Capes. A entidade só resolveu encaminhar o ofício depois que recebeu a informação de que haveria redução de, pelo menos, R$ 580 milhões.

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Não é a primeira vez que a ciência é deixada de lado

Nos últimos anos, o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação (MCTIC) sofre cortes constantes que afetam de forma direta a pesquisa produzida no Brasil. Em fevereiro deste ano, o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, anunciou um contingenciamento de R$ 16,2 bilhões no Orçamento da União. Desses, R$ 477 milhões seriam destinados ao investimento na ciência.

Esses cortes devem ser apenas uma amostra do que nos aguarda caso a regra do Teto de Gastos não seja revista. Essa mudança constitucional limitou o aumento dos gastos públicos à variação da inflação por duas décadas. Ou seja, ao longo de 20 anos, o governo brasileiro não poderá investir valores acima da inflação em saúde e educação, por exemplo.

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“Quem faz pesquisa é vagabundo que só quer estudar”

Essa frase apareceu no Twitter. E pensar que tudo o que a gente ouvia na infância era a mãe mandando a gente estudar. Agora virou coisa feia. Eu já ouvi coisas do tipo algumas vezes. Estou no último ano do Doutorado em Ciências Sociais e, certa vez, um cidadão disse que doutorado em humanas até orangotango fazia. Achei simpático. Estranhamente, a atividade de pesquisador não é vista com bons olhos por parte da sociedade brasileira, que não vê a função como um “trabalho de verdade.” Isso tem um reflexo direto na forma como a pesquisa é conduzia no país e, consequentemente, no lento desenvolvimento do Brasil, que perde grandes mentes para polos internacionais de pesquisa como Estados Unidos, Alemanha e China.

O Instituto de Estatística da Unesco tem um projeto em que é possível acompanhar os investimentos – públicos e privados – de cada país com Pesquisa e Desenvolvimento. Cerca de dez países são responsáveis por 80% dos gastos – o Brasil não é um deles, como se pode ver abaixo.

O nosso caminho é longo e tudo indica que não será encurtado em um futuro próximo. Enquanto há quem pense que “quem faz pesquisa é vagabundo que só quer estudar” (?) , o grande florão da América vai ficando para trás.