Se alguém eventualmente tem dúvidas de que as mulheres ainda precisam lutar, e muito, pela igualdade plena no Brasil, uma simples observação de nossas casas legislativas traz elementos incontestáveis nessa direção. No Congresso, apenas 55 dos 513 deputados federais são mulheres, o que dá pouco mais de 10% do total. No Senado, a situação é ligeiramente menos ruim, com 12 senadoras em uma casa de 81 representantes, quase 15%. Ainda assim, um desequilíbrio brutal, já que as mulheres são 51,4% da população brasileira. De acordo com o TSE, menos mulheres foram eleitas prefeitas em 2016, no comparativo com 2012 – mais um dado que demonstra, com clareza, como as mulheres estão sub-representadas em nosso sistema político. Votamos muito, muito pouco em mulheres no Brasil.
Muito disso, é claro, vem da permanência de algumas ideias no subconsciente do brasileiro. A mais forte delas, uma suposta incapacidade feminina em tomar as rédeas de empreendimentos coletivos e da própria vida – o que, na mente preconceituosa de muitos, deveria forçar a mulher a um papel de submissão aos homens. A resposta, caso assim não haja, será violenta. Ou alguém tem notícias de um homem defensor de Direitos Humanos no Congresso que seja tão brutalmente perseguido quanto Maria do Rosário – alvo de ataques misóginos por parte até de colegas parlamentares? Alguém imagina Michel Temer, mesmo com a popularidade cada vez mais baixa, sendo vítima de montagens ultrajantes e gritos de guerra sexistas como os que Dilma Rousseff teve que vivenciar até o impeachment, e que possivelmente enfrente ainda hoje por aí? Os ataques a essas e várias outras mulheres em posições de poder político trazem em si um elemento extra, também visível no baixo número de eleitas: o de que a mulher não deve estar lá, de que o lugar dela não é ali. Uma situação, diga-se, que ainda surge em outras esferas de poder, como o Judiciário. Como esperar que os direitos delas sejam devidamente apreciados em um panorama como esse?
As unidades da Casa da Mulher Brasileira, planejadas para serem espaços de acolhimento nas principais cidades do País, sofrem para sair do papel. A aplicação efetiva da lei do feminicídio vai se tornando uma possibilidade cada vez menos concreta. A mudança nas proibições ao aborto, então, nem se fala. Há uma cruzada conservadora em curso no país, e boa parte das ideias que alimentam essa chama são contrárias a qualquer esforço emancipatório feminino: desejam a mulher silenciada, submissa, aceita nos espaços de decisão apenas para dar amém aos homens, jamais para contestá-los. É um cenário grave. E muito embora o voto não seja quase nada sem as mobilizações crescentes da sociedade civil em nome dos direitos das mulheres, ele também cumpre o seu papel.
Vivemos tempos de absurdo na política brasileira, onde um auto-intitulado Partido da Mulher tem dois representantes em Brasília, entre titulares e suplentes (ambos homens) e a presidente nacional afirma categoricamente que a sigla não se identifica com as lutas feministas. Ainda assim (e justamente por isso), reforçar o potencial eleitoral das mulheres é uma necessidade urgente, caso nossa busca seja a de uma sociedade onde homens e mulheres ganhem o mesmo salário, trabalhem durante o mesmo período, tenham o mesmo acesso a direitos e esferas de atuação social e política. Você vota em mulheres, leitor(a)? Se não vota, ou nunca votou, recomendo pensar a respeito. Porque os números que você digita na urna, mesmo cobertos das melhores intenções, podem estar enchendo as assembleias e prefeituras de homens, brancos, heterossexuais e de bom poder aquisitivo – pessoas que não viram criminosos por nenhum desses motivos, mas que são provavelmente bem menos sensíveis aos seus problemas (ou os da sua mãe, irmã, avó, prima, namorada, esposa, amante, vizinha ou amiga) do que você gostaria.
Foto: Cintia Barenho

