Geórgia Santos

Oscar 2017 – O erro não precisava ter sido agora

Geórgia Santos
27 de fevereiro de 2017

Houve erros em edições anteriores do Oscar, mas nenhum como o que ocorreu no último domingo. Faye Dunaway e Warren Beatty anunciaram La La Land como vencedor na categoria de melhor filme quando, na verdade, o ganhador era Moonlight. Bafão.

Mas a culpa não foi dos eternos Bonnie and Clyde, e sim de um dos responsáveis pelos envelopes. Acontece que um funcionário da empresa responsável pela contagem dos votos entregou o papel errado a Beatty.  O veterano claramente ficou confuso ao ler o conteúdo do envelope, mas a confusão foi interpretada como uma tentativa de fazer graça. Não era. Ele tinha em mãos o envelope de melhor atriz, cuja vencedora era Emma Stone, de La La Land. Daí o problema.

Mas erros acontecem. Geralmente não no anúncio de melhor filme do Oscar, mas acontecem. Só não precisava ter sido neste ano. Não neste ano.

Críticas a Trump

O tempo todo, a cerimônia foi permeada por críticas ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (ainda é estranho dizer isso, por sinal). Todas merecidas. Meryl Streep foi a estrela, com sua atuação superestimada; Gael García Bernal, que é mexicano, declarou ser contra “qualquer tipo de muro” que possa dividir as pessoas; e Asghar Farhadi, o diretor iraniano que levou o prêmio de melhor filme estrangeiro com O Apartamento, enviou uma mensagem em que afirmava não estar presente “por respeito às pessoas do meu país e dos outros seis países que foram desrespeitados pela lei dos Estados Unidos, que proíbe a entrada no país”.

Portanto, também foi uma cerimônia bastante política. Sem contar com as sacadas interessantíssimas de Jimmy Kimmel ao longo da premiação, que chegou a mandar um tuíte a Donald Trump, perguntando se ele estava acordado – já que ainda não havia se manifestado sobre os recados dados pelos artistas.

“Absolutamente todas as manifestações contra Trump foram legítimas e fundamentadas”

 

Até que o erro aconteceu e era basicamente tudo o que Trump queria e precisava. Segundo ele, a confusão aconteceu porque eles estavam mais focados em política que na festa em si. Não deixa de ter certa razão, afinal, alguém se distraiu em algum momento. Por outro lado, absolutamente todas as manifestações contra Trump foram legítimas e fundamentadas. Tudo o que foi dito naquele palco foi com base nos atos espúrios do presidente dos EUA. E todos sabem disso.

Por isso esse erro não poderia ter acontecido agora. Porque tirou a força dos protestos emocionantes que testemunhamos na noite de domingo e que mereciam ser destaque na mídia internacional. O acontecido serviu para que o presidente voltasse ao Twitter com recadinhos infames à imprensa norte-americana. Isso depois de banir repórteres das coletivas de imprensa com base naquilo que ele gosta que seja dito ou não. Como bem disse John Stewart, está na hora de a mídia romper o relacionamento com Donald Trump, deixar de lado essa obsessão, sem mimimi, e procurar um hobby. Ele recomenda jornalismo.

Samir Oliveira

Uma farsa criada para perseguir ativistas

Samir Oliveira
23 de fevereiro de 2017
Foto: Caroline Ferraz/Editorial J

Não é exagero afirmar que o ano de 2013 foi um ano decisivo na minha vida. Naquela época trabalhava como repórter e foi nesta condição que acompanhei todas as manifestações que tomaram conta de Porto Alegre, no lastro de uma revolta popular que revirou o Brasil e amedrontou a casta política.

As jornadas de junho fizeram parte do meu amadurecimento político. Foi com a juventude nas ruas em 2013 que fortaleci minha consciência de militante LGBT, percebendo que algo novo estava sendo gestado naquele momento. Conheci muita gente, me aproximei de coletivos e movimentos. Fui tomado por aquela atmosfera incontrolável e potente.

“Nem o realismo mágico de Gabriel Garcia Márquez conseguiria ser tão criativo na invenção de uma crônica fantástica como essa montada pela polícia gaúcha, com a cumplicidade do Ministério Público e a anuência do Judiciário”

Mas este texto é mais do que um exercício de nostalgia. É uma necessidade. No dia 21 de fevereiro iniciaram-se as audiências de um processo que se arrasta desde 2013 contra seis ativistas que participaram das jornadas de junho: Matheus Gomes, Rodrigo Brizolla, Lucas Maróstica, Gilian Cidade, Alfeu Neto e Vicente Mertz. Trata-se de uma farsa jurídica. Nem o realismo mágico de Gabriel Garcia Márquez conseguiria ser tão criativo na invenção de uma crônica fantástica como essa montada pela polícia gaúcha, com a cumplicidade do Ministério Público e a anuência do Judiciário.

Estes jovens não estão sendo acusados por acaso. Todos faziam parte da organização do Bloco de Lutas pelo Transporte Público, esforço de diversos coletivos e entidades que se unem em torno de uma pauta comum para mobilizar a sociedade porto-alegrense por um transporte 100% público e de qualidade. Foram selecionados pelo Estado para servir de exemplo a todos os manifestantes, numa tentativa de rebaixar os movimentos sociais a algo semelhante a uma quadrilha perante a opinião pública.

As acusações

Os seis militantes são acusados de liderar depredações e saques. A acusação é baseada no depoimento de uma pessoa desconhecida, que disse ter roubado dois secadores de cabelo a mando do Bloco de Lutas. Uma piada de mau gosto. Como se o levante juvenil e popular de 2013 tivesse ido às ruas do Brasil inteiro para roubar secadores. Mas a trama fica mais interessante quando verificamos as outras testemunhas que embasam a ação: um policial militar e o jornalista Voltaire Santos que, na época, trabalhava na Rádio Gaúcha.

O repórter em questão se infiltrou de forma clandestina em uma assembleia do movimento, afirmando à polícia ter presenciado a organização de ações violentas por parte dos manifestantes. É a expressão de um tipo de jornalismo que sempre atuou em uma relação umbilical com a polícia. O mesmo jornalista foi um dos responsáveis pelo fechamento de uma clínica de aborto em Porto Alegre, gerando constrangimento a mulheres que se veem obrigadas a recorrer a estes locais e ainda por cima acabam sendo expostas como criminosas em uma articulação perversa entre mídia e polícia.

A minha participação

Como repórter, acompanhei de perto todas as manifestações de 2013. Estive em assembleias do movimento durante a ocupação da Câmara Municipal e nunca presenciei qualquer organização de atividade violenta. Eu tinha contato direto com muitos dos ativistas acusados nesta ação. Nunca vi nenhum deles com uma pedra na mão ou incitando – muito menos coordenando – qualquer atitude violenta. As depredações que ocorreram foram um sintoma daquele momento político, um fenômeno espontâneo e incontrolável das ruas em ebulição, não uma atitude orientada por qualquer movimento. Dificilmente multidões se rebelam com um sorriso no rosto e flores nas mãos.

Sei que esta coluna é um espaço para falar de temas relacionados à população LGBT. Talvez pareça que este texto não tem relação nenhuma com isso, mas tem. Em 2013, centenas de milhares de jovens tomaram as ruas mandando um recado ao nosso sistema político apodrecido: “Não nos representam”. Essa foi a síntese de um acontecimento que, mesmo com imprecisões, representou uma fissura no regime. É por isso que a juventude que saiu às ruas está até hoje sendo perseguida. É por isso que o Estado quer transformar ativistas em réus.

A comunidade LGBT nunca foi representada por este sistema denunciado em 2013. A institucionalidade brasileira não dá a seus cidadãos LGBTs direitos básicos, como casamento – regulado pela esfera judicial, mas inexistente no âmbito legal -, direito à livre identidade de gênero e um conjunto de políticas públicas voltadas à educação para a diversidade e ao combate ao preconceito. A ausência destes direitos alimenta uma cultura do ódio e torna cada um de nós, LGBTs, alvos permanentes. Por isso optei por usar este espaço hoje para denunciar esta farsa, este processo kafkiano. Os LGBTs conhecem de perto o arbítrio e estão sujeitos a todo tipo de autoritarismo, portanto nenhum de nós deve compactuar com este tipo de situação.

Foto: Carolina Ferraz/Editorial J

Igor Natusch

O “voto consciente” perdeu espaço para o protesto. E a culpa é do próprio sistema

Igor Natusch
22 de fevereiro de 2017
Rio de Janeiro - Manifestantes e policiais militares entram em confronto durante protesto no centro da cidade ( Fernando Frazão/Agência Brasil)

Que vivemos tempos de crescente descrença nas instituições e de revoltas quase periódicas nas ruas (e nas redes) de todo o Brasil, é algo que qualquer um pode constatar por si só. Se gostamos ou não do grito de guerra ou da vidraça quebrada presente (ou ausente) na ocasião, a conclusão continua a mesma: muita gente, de diferentes esferas sociais e políticas, resolveu reclamar do que julga incorreto no país. Em resposta, é muito comum que se faça uma defesa do voto como elemento democrático de mudança, quase como se fosse ele o caminho disponível e, mais ainda, o único correto para a manifestação política. Uma fala do ministro do STF Marco Aurélio Mello, dita em entrevista à Veja em 2014, ainda é uma das mais ilustrativas que conheço a esse respeito:

“O local de protesto por excelência é a urna. (…) Não é mediante a apatia nem o protesto extremado que chegaremos no Brasil a dias melhores. Chegaremos com a participação de todos, escolhendo os melhores candidatos. Mais importante do que o “vem para a rua”, que virou moda, é o “vem para a urna”. O protesto eficiente não se faz queimando lixeiras, mas participando da vida pública.”

Considero a fala do ministro equivocada em diferentes níveis. E um tanto simplista em termos de leitura, também.

Fiquemos na prática, sem teorizar muito. “Votar bem”, no Brasil (no mundo?) é cada vez mais difícil, quase impossível em várias situações. E nem tanto pelos candidatos em si: é porque os eleitos, sejam quais forem, têm uma margem de atuação cada vez mais estreita e engessada. Quem nos governa não é (ou é cada vez menos) o presidente, governador, prefeito, deputados ou vereadores: é uma estrutura consolidada de troca de favores, baseada na necessidade de amplas alianças políticas e financiada de forma no mínimo antiética por grandes grupos econômicos e empresariais – que são, no fundo, quem determinam as políticas públicas de médio e longo prazo, obviamente dentro dos próprios campos de interesse.

É um sistema de manutenção de poder e de privilégios, no qual o eleito (use ele uma estrela no peito ou um tucano em sua sigla) tem margem limitada de atuação e quase nenhum espaço para atuar fora dos eixos previamente estabelecidos, por mais que eventualmente deseje. É um problema muito mais sistêmico do que fruto da desonestidade ou incompetência dos eleitos – embora nada disso, é claro, inocente o político corrupto e/ou incompetente de seus fracassos. Meu ponto, aqui, é que o voto individual colide contra um enorme muro que protege os círculos mais altos do poder econômico – o que nos aproxima muito mais de uma plutocracia legitimada pelo voto do que de regimes democráticos de fato. Aqui no Brasil, e em praticamente todo o mundo.

E por que tanta gente protesta – entendendo protesto como algo muito mais comum e numeroso que as manifestações de rua de 2013 ou 2015/16? Porque encontrou no protesto uma forma desesperada talvez, mas muito mais direta e eficiente de atuação política. Coloco fogo em alguns pneus e a companhia elétrica finalmente aparece para consertar a luz na minha rua. Pressiono deputados na Assembleia e eles, de vez em quando, recuam em algumas decisões polêmicas. Eu protesto nas ruas e, às vezes, até reverto o aumento de passagem nos ônibus. Protesto não conquista tudo (e o visível aumento na repressão violenta aos protestos indica claramente a disposição de anular esse modelo de reivindicação), mas é onde as pessoas se sentem capazes de uma atuação política de resultados visíveis. Elas simplesmente detectaram, ao natural, o que a reflexão pode nos mostrar de forma talvez mais elaborada: que o nosso sistema político funciona cada vez menos.

Não é que votar não preste para nada. No mínimo, é algo que deve ser feito com grande responsabilidade, pois ainda é o mecanismo para definir quem, individualmente, estará em nossas casas representativas. E é bem melhor ter um Congresso pavoroso, mas eleito no voto, do que um definido autocraticamente por um tirano de ocasião. Ainda assim, a lógica do excelentíssimo ministro me parece distorcida. Votar, cada vez mais, para o bem e para o mal, é um gesto acessório; o que marca nosso atual momento é a ação política direta, seja elaborada ou ingênua, seja fechando ruas ou gritando contra um determinado partido nas redes sociais. E a culpa, se é que podemos falar em culpa, não é de quem incendeia a lixeira ou de quem quer o fantoche reacionário como Presidente da República: é do nosso sistema engessado, contaminado pelo poder financeiro, que se afunda mais e mais em descrédito para que indivíduos possam salvar a própria pele. A política representativa, no Brasil (no mundo?) precisa mudar muito, mas muito mesmo para reverter esse jogo. E não é falando em “votar bem” que vamos conseguir evitar qualquer desdobramento negativo. Por um simples motivo: antes de pedir um “voto consciente”, é preciso criar um cenário onde ele possa, de fato, ter eficiência.

Geórgia Santos

R.I.P. Jornalismo ou (Você não pode achar isso normal)

Geórgia Santos
12 de setembro de 2016

Em 2013, os brasileiros foram surpreendidos com protestos massivos, que reuniam milhares e milhares de pessoas nas ruas de inúmeras cidades do país. Quem preferiu testemunhar do sofá, via a tudo estático, extasiado, empolgado e até assustado. Em grande parte, foram transmitidos em tempo real em canais de notícias da TV Fechada, especialmente a GloboNews. Até que alguém cunhou uma frase que resumia bem a situação: “O gigante acordou”. As pessoas, de repente, lembraram que a rua era, sim, lugar de protesto e reivindicação. E mesmo um público tão heterogêneo como aquele poderia querer a mesma coisa.

Ao longo desses últimos três anos, muita coisa aconteceu. Muitos protestos também. E com eles, muitos repertórios de reivindicação pertencentes a uma gama ampla e diversa (cartazes, gritos, apitos, depredação etc). Foi contra o governo em 2013, contra a Copa em 2014, contra Dilma em 2015, contra e a favor do Impeachment em 2016.

Com relação a esses últimos, a grande imprensa teve uma reação quase orgásmica. Deleitava-se com os protestos que fazia questão de dizer que eram pacíficos enquanto mostrava fotografias de criancinhas abraçadas em policiais e babás empurrando os carrinhos do bebê. Mas tudo bem, manifestação mais do que legítima e definitivamente expressiva (alguns falam na casa do milhão, mas as fotos são contraditórias. Deixemos assim).

Já sobre protestos contra impeachment, o foco da mídia é a “destruição”. Milhares de pessoas tomam as ruas, mas o mais importante é confronto com a polícia. Milhares estão indignados com a situação política, mas o grupo de 10 vândalos tem mais destaque. Uma menina ficou cega, mas o absurdo está em queimar contêiner.

Que seja. It happens.

Mas nada foi como que o jornal O Estado de São Paulo fez hoje.

Ontem (04), mais de cem mil pessoas saíram às ruas da capital paulista (e outras cidades do Brasil) para protestar contra o novo “presidente”, Michel Temer, que havia dito que havia umas 40 pessoas na rua. O “Fora Temer” ecoava pelo país inteiro em um grito pacífico. Sim, pacífico. Sem quebradeira, sem vandalismo, sem incêndio.

Sabe qual foi a capa do jornal O Estado de São Paulo nesta segunda-feira, dia 05?

A CANONIZAÇÃO DE MADRE TERESA DE CALCUTÁ.

Meia dúzia de palavras sobre o protesto em uma nota microscópica que ressalta um tumulto inexistente e nenhuma foto.

Em outros periódicos, frisaram o “confronto” que ocorreu no final do protesto. Detalhe, não houve confronto, apenas uma ação arbitrária da polícia, que usou bombas de gás para dispersar o público que não fez absolutamente nada a não ser gritar. Além, é claro, do jornalista agredido gratuitamente por policiais.

Se os manifestantes choraram a morte da democracia, eu registro aqui meu pesar pelo falecimento do jornalismo.