Eu nunca tomo remédio. Nunca. Semana passada, ao acordar, chamei meu marido e, ainda deitada, implorei por um remédio para dor de cabeça. Ele trouxe um, eu queria 30. Realmente estava além do suportável. Isso foi só o dia começando. Dor no corpo, mal-estar, aquela função toda. Vontade de ficar deitada e sumir um pouco.
. Ouço vozes: mamãe, vamos brincar? Dois filhos sorrindo, aquele sorriso incomparável, irresistível E a mãe sem força
E como a gente faz?
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Não tem o que fazer. A gente cria forças, levanta e brinca. Poucas vezes fiquei doente a ponto de não dar conta de levantar e ser mãe. A sensação é tão ruim, tão ruim, pior que tomar suco de jenipapo. Deveríamos ter super poderes. É o desejo de toda mãe, ao ver o filho doente, que fosse ela no lugar dele. Mas já pensou se fôssemos atendidas nesse pedido? Não dá, realmente não dá.
Só sei que, nesse dia, virei paciente e fui cuidada por dois médicos. Os melhores. Quando voltou do trabalho, mais cedo que o normal para socorrer uma moribunda, meu marido perguntou como eu estava.
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Nosso filho mais novo respondeu: a mamãe não pode falar, ela tá muito fraca
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Ali relaxei, fiquei fraca e pude descansar. Por 30 minutos, pois os médicos queriam continuar o trabalho deles.
Ninho vazio. Não quero nem pensar nisso. Tá, ainda não é hora de pensar, meus filhos têm três e seis anos – mas bem pertinho de quatro e sete. Só um ano a mais, mas parece tanto! Às vezes em conversas hipotéticas sobre o futuro, conversamos sobre onde eles vão morar. O menor continua brincando e nem dá bola. O maior diz com veemência que nunca vai sair de casa, que não quer ficar longe.
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Eu sei que ele vai pro mundo. Mas ainda é bom pensar que não
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A dinda do menor fez aniversário mês passado. Somos muito amigos da família, então fizemos um almoço de comemoração na casa da mãe dela, que foi minha professora, virou orientadora, mãe, conselheira. O mais velho ficou realmente chateado, sem entender o porquê de ela não morar mais na mesma casa que os pais, já que eles são tão legais.
Íamos assim. Até que… semana passada estávamos no carro. A família toda. Esse foi um semestre puxado, de muito trabalho e muita correria, por isso eu comemorei o fato de estarmos juntos sem ter compromisso. Íamos só sair pra brincar. E o maior disse: eu amo fim de semana. Vou sempre ficar com vocês no fim de semana. Passou um tempo (três segundos) e ele:
“Na verdade, não vou conseguir passar todos. Porque vou ser inventor da Lego na Alemanha. Daí eu tenho que pegar um avião, ir lá, trabalhar um dia e falar com meu chefe ou minha chefe (coisa linda) pra ver se posso voltar e passar o fim de semana com vocês. Daí passo o fim de semana com vocês se eles deixarem.”
Meu filho tá crescendo. Meus filhos tão crescendo. Pela primeira vez tô achando rápido. Eu tive a sorte de poder ser a mãe (quase sempre) que queria ser. Amamentei o quanto quis, fiquei com eles o tanto que quis, do jeito que quis. Tudo em concordância/planejamento com o pai deles. Foi uma opção nossa. Abrimos mão de várias cosias, como do nosso tempo, por exemplo. Mas foi calculado. E para nós foi bem bom assim.
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Então tava tudo bem. Eles crescendo, nós achando bonito. Emocionante como tem que ser, cansativo como é. Vida real
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Estávamos nessa até semana passada. Fomos a um parque de diversões. Normalmente quando vamos, cada um de nós, adultos, fica com um dos guris nos brinquedos que precisam de um responsável junto. Dessa vez meu marido foi comprar uma água e eu estava com os dois. Liberou a entrada para o brinquedo e tinha um adulto para duas crianças. Não cabe, disse o moço. Suei prevendo o choro que viria. Meu filho disse: eu vou sozinho, mamãe.
Coração quis pular pra fora do peito. Respirei, dei aquela olhada desesperada para ver se o marido estava perto. Nem sinal ainda. Vamos lá. Tem certeza, meu filho? Tenho, mamãe. Vamos lá. Ajudei a entrada no avião. Sentei no de trás com o pequeno.
Claro, na hora as lágrimas correram. As minhas. Ele tava bem feliz. Bem feliz mesmo. Na hora que o brinquedo começou a andar, vi meu marido chegando. Na cara de espanto dele, me enxerguei. Nos enxergamos. Sorrisos e olhos marejados. Voa, meu filho, voa.
A gente sempre quer o melhor para os filhos. Uma boa escola, que seja bonito, inteligente, se dê bem com os amigos, que tenha uma profissão interessante, seja bem resolvido. Ih, tantos quereres.
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Daí tem a vida. E faz coisas que não são o que queremos. E a gente tem vontade de brigar. E tem vezes que a gente briga mesmo.
Só que
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Nossos filhos vão ter suas decepções. E não serão poucas. Como nós também temos. Não precisavam ser tantas, mas elas estão aí e continuarão por aí. Tenho pensado bastante nisso. O que me fez pensar mais, foi um fato que aconteceu há alguns dias. Organizei um evento num espaço privado. O espaço é pequeno. Tínhamos um número limitado de ingressos. Os ingressos foram vendidos antecipadamente e esgotaram antes do evento.
No dia, chegou uma família sem ingressos bem na hora que ia começar. Eu disse que não teria como deixá-los entrar, pois já estávamos com a capacidade máxima. Mas como era o início e as pessoas ainda estavam chegando, eles poderiam entrar, ficar uns 15 minutos e sair depois, sem custo. Pensei em suavizar um pouco, para não deixar a família e principalmente a criança, tão frustrados.
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A mãe ficou bem chateada. Me deixou bem claro que não tinha gostado e que não teria vontade de voltar outro dia. Fiquei chateada, pois queria que entrasse, não queria deixar a criança ir embora frustada… Foram
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Um tempo depois chegaram mais duas famílias. Mesma situação. Pressão. Aí a festa já havia começado e a casa estava bem cheia. Expliquei. Não adiantou. Expliquei de novo. Nada. A mãe das crianças me disse que eram só duas crianças. Expliquei que antes dos filhos dela, já havia dito não para vários outros e que seria injusto deixaá-los entrar, já que outros também não entraram. E todos que ficaram de fora não entraram apenas porque não tinha lugar.
Expliquei que quem havia comprado seu ingresso deveria estar seguro e confortável, que deveria ter lugar para as pessoas aproveitassem o evento. Que é claro que eu queria atender o maior número de pessoas, afina, isso divulga meu trabalho, é renda, é super positivo. Mas que eu tinha responsabilidade, que precisava zelar pela segurança e pelo conforto de quem já estava.
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Ela me ouviu. Pegou seu celular e começou a tirar fotos dizendo que ia falar mal, que havia sido barrada. Isso durou em torno de 40 minutos. As crianças assistindo
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Me passaram tantas coisas pela cabeça. O que estamos ensinando para nossos filhos? Como lidar com a frustração? O que fazer se o mundo não parar porque tu quer? O que fazer se acabou o sorvete de morango e só tem o de chocolate? Ou o contrário? Ou? Ou? Problemas vamos ter sempre. O que nos faz crescer é a forma de lidar com eles.
Ontem assisti um episódio de Charlie e Lola, um desenho que adoramos. A Lola estava muito frustrada porque não conseguiu entrar no cinema para assistir o “Super gato”e a sessão estava lotada. Adivinha do que lembrei?
Eu amo meus filhos. Mesmo. Mais que tudo. Bem clichê. Bem lugar comum. Sabe aquelas frases que todo mundo fala sobre os filhos? Que são a melhor coisa do mundo. Que não imagina a vida sem eles, é bem assim mesmo. Comercial de margarina. Só que hoje…
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Foi um tal de mãe, mãe, mamãe, mãe… me deu vontade de enfiar uma bolacha na boca de um e sentar o outro na frente da TV
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Nossa, que dia! Trabalhei no fim de semana, estamos nos recuperando de um mês de tosses por aqui, tive que planejar o trabalho do próximo fim de semana, alinhar equipe, pensar num cardápio saudável pra semana, pensar num jeito de fugir pra pelo menos um café com o marido. E cada tarefa sendo interrompida por pelo menos 7 ou 8 chamados de mamãe!
Sabe quando tu acha que vai explodir? Daí vem a gata (sim, eu tava achando pouco ter só dois filhos e resolvi dar a gata que eles tanto queriam) e derruba TODA a caixa de lego. E quando me preparo pra ter o maior chilique da história, meu filho menor me diz: mamãe, tu tá provocando a gata!
Não consigo não rir de mim, de nós, da gata é daqueles benditos legos pelo chão. Sim, tem dias que em que a vida é um imenso pisar em peças de Lego.
Eu não gosto de me expor. Minhas redes sociais dizem muito pouco de mim. Uso bastante para o trabalho. Acho que fui a última pessoa a entrar no facebook. Sim, entrei até depois que tua vó!
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Mas hoje fiquei com vontade de contar uma história minha
Bem pessoal mesmo
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Eu nunca quis ter filhos. Acho que já contei um pouco disso aqui. Achava que perderia minha vida, que seria infeliz, que me sentiria roubada. Realmente, era a pior ideia do mundo. Não conseguia entender como as pessoas procriavam sem parar! Assustador.
Engravidei sem planejar, sem querer. Continuei não querendo. Marido que dizia que também não queria, festejou como nunca. Ele, sim, queria muito. Mas com três meses de gravidez, perdemos o bebê, teve anencefalia. Aborto, sofrimento, desgaste emocional. E aí, tudo mudou. Quando o bebê foi, passei a querer a maternidade mais que qualquer coisa no mundo. Instinto, me sentia um bicho. Só pensava nisso. Só sentia essa vontade.
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Ao perder o bebê, me dei conta que o meu medo de ter um filho era justo esse: o de perder um filho
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Minha família tem esse histórico. Minhas duas avós perderam duas filhas muito jovens. Minha mãe também perdeu um filho. Meu irmão mais velho faleceu aos 43 anos, um a menos do que tenho hoje. Muito cedo. Não sei como minha mãe ainda viveu alguns anos. Ou melhor, sei sim, por amor a nós, seus outros dois filhos, e aos netos. Uma linda a minha mãe. Com toda a dor que sentia, ainda distribuía amor pra nós.
Essa semana uma amiga do meu marido perdeu um filho. Quase da idade do nosso mais velho. Uma criança. Não sei o que houve. Meu marido me contou e ficamos chorando juntos. Não tem dor maior. Não tem.
Que façam todas as manhas. Que chamem mãe mil vezes. Que esparramem os brinquedos pela casa. Que estejam conosco.
Está chegando ao fim uma das experiências mais ricas da minha vida. Desde fevereiro estamos morando na Alemanha. A cidade é Erlangen. Pequena e universitária, um lugar tranquilo e bom demais pra viver em família.
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Chegamos aqui uns, vamos embora outros. Muita transformação. Pra mim, a maior foi o aprendizado que tive com os pais/mães/cuidadores/professores alemães. Sem dúvida. Eles criam as crianças para serem independentes desde muito cedo
Muito independentes, muito cedo. Claro, isso tem o lado bom e o lado ruim, como quase tudo na vida
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Vi em duas situações diferentes bebês de colo chorarem por um tempo imenso. Uma num ônibus. O bebê visivelmente incomodado no carrinho. Chorava copiosamente. A irmã pequena ao lado, olhava pela janela como se nada tivesse acontecendo e nos premiava com um dos sorrisos mais doces que já vi. A mãe nada fazia. Nada mesmo. Pensei que não cabia a mim julgar. Visivelmente ela não dormia há dias. Ela parecia muito cansada. Não sei o que ela estava passando. Se tinha problema como o marido, se perdera o emprego ou o que podia estar errado em sua vida. Tentei não julgar. Mas confesso que foi bem difícil. Julguei, sim. Não consigo pensar em deixar um bebê chorar por 30 minutos e não fazer nada.
A outra situação foi numa praça. Uma cuidadora com três crianças. Dois brincavam felizes e soltos na areia e o bebê no carrinho. Chorava muito. A cuidadora entregava uma pá daquelas de brincar na areia. Ele parava de chorar por cinco segundos e recomeçava. Foi assim por umas duas horas. Usei todo meu auto-controle pra não me meter. Tá, auto-controle e minha impossibilidade de argumentar em alemão com uma senhora de seus sessenta anos.
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Por outro lado, cheguei aqui com duas crianças de vidro. Eles pensavam em cair e já estávamos, meu marido e eu, dando colo e querendo impedir o sofrimento que poderia acontecer.
Super protetores
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Aprendemos a deixar que eles resolvam as coisas que pensamos eles têm capacidade pra resolver. E tentar. E errar. E pedir ajuda quando precisam. Aprendemos a confiar mais neles. Na força deles. Eles nos ensinaram um montão de coisas. São muito mais fortes do que jamais pensamos. Não foram poucas as vezes em que quis chorar vendo meu filho com seus seis aninhos cair um tombo homérico da bicicleta sem rodinhas que ele usou pra aprender a andar aqui. Caiu, se machucou feio. A gente por perto. Ele caía e já do chão nos dizia: tô bem. Lindo, forte. Ensinando aos pais a ver o filho aprender a andar de bicicleta.
Essa confiança que os alemães dão às crianças é impressionante. Ensinaram aos nossos filhos, ensinaram principalmente aos pais dos nossos filhos.
Quando nasce um filho, tudo aquilo que a gente pensou, idealizou, sonhou, muda drasticamente
A distância que se cria entre a teoria e a prática é imensa. E essa tentativa de unir uma coisa com a outra resulta na criação dos nossos filhos. Uma das principais coisas que tenho lido em relação às mães recentes é a necessidade de ficar mais tempo com os filhos. Li esses dias o desespero de uma mãe que teria que colocar a filha de 4 meses na creche para poder voltar ao trabalho. Pagando a creche, restariam R$ 200,00 do salário dela.
O que fazer então? Tenho visto muita mãe criando seu próprio negócio. Recriando, inventando uma nova carreira.
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Vou citar aqui apenas quatro mães que conheço e admiro muito Certamente elas inspiram muita gente
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A Flávia criou o Brechó Infantil Entrou na Roda Virtual após o nascimento da sua filha. A ideia era ter mais tempo para dedicar à pequena e também colocar em prática os conceitos aprendidos no Mestrado de Educação Ambiental.
As roupinhas entram na roda entre os bebês e crianças e auxiliam na reutilização de materiais, já que muitas peças são recuperadas e garimpadas de uma mãe para outra.
A Fernanda foi comissária de vôo por 5 anos, normalmente ficava longe de casa de 5 a 6 dias. Quando teve seus filhos, optou por ficar com eles e abandonar a profissão. E estando em casa, precisava fazer algo pra ajudar no orçamento. Foi quando falou com uma amiga de SP que já trabalhava com mimos pra festa e resolveram abrir uma filial da “Tuca Minuca” em Porto Alegre. E então há três anos faz os trabalhos em casa: “assim pude juntar duas coisas que amo, meus filhos e as festas!”
Para a Mah, do Design Bárbaro, tudo começou após sua demissão ao término da licença maternidade. Seis meses depois, seu marido também foi demitido. Entraram com toda a energia num projeto conjunto. “Nossa forma de trabalhar é intensa e apaixonada, acreditamos no trabalho de nossos clientes”.
A Diva tem dois filhos e queria mais tempo ao lado deles. Quando o mais novo nasceu, foi diagnosticado aplv e alérgico a ovo. Precisava de maiores cuidados com a alimentação. Foi então que surgia a ideia de trabalhar em casa. Sua mãe, costureira há mais de 40 anos, fazia fantasias para sua filha mais velha e elas viam uma grande demanda nesse mercado. Criaram assim a Imaginar e Brincar, uma loja de fantasias e acessórios infantis que valorizam o conforto e diversão em suas roupas.
Sei que a gente cria os filhos pro mundo e quer que o mundo seja bom com eles. Mas também quero muito que meus filhos sejam bons com o mundo. Que respeitem os outros, que sejam conscientes … tenho pensado tanto nisso. Tem dias em que enlouqueço com as demandas dos meus dois filhos e tem dias que penso que estão crescendo rápido demais. Ontem foi um dia desses.
Estamos morando no campus da universidade. As aulas estão começando por aqui e vejo famílias chegando. Os filhos vindo morar com outros estudantes e os pais entregando os filhos pro mundo. Trazem travesseiros, mantimentos, espelho… trazem de tudo. Pra cada família, o essencial é diferente. E ao mesmo tempo vai ficando tudo tão parecido.
Não vi ninguém chorando ainda. Eles me viram chorar algumas vezes. Me emociono muito.
Seguimos crescendo, meus filhos. Tô tentando fazer um mundo melhor pra vocês e vocês pessoas pra um mundo melhor.