Raquel Grabauska

Filhos de vidro

Raquel Grabauska
28 de julho de 2017

Está chegando ao fim uma das experiências mais ricas da minha vida. Desde fevereiro estamos morando na Alemanha. A cidade é Erlangen. Pequena e universitária, um lugar tranquilo e bom demais pra viver em família.

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Chegamos aqui uns, vamos embora outros. Muita transformação. Pra mim, a maior foi o aprendizado que tive com os pais/mães/cuidadores/professores alemães. Sem dúvida. Eles criam as crianças para serem independentes desde muito cedo

Muito independentes, muito cedo. Claro, isso tem o lado bom e o lado ruim, como quase tudo na vida

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Vi em duas situações diferentes bebês de colo chorarem por um tempo imenso. Uma num ônibus. O bebê visivelmente incomodado no carrinho. Chorava copiosamente. A irmã pequena ao lado, olhava pela janela como se nada tivesse acontecendo e nos premiava com um dos sorrisos mais doces que já vi. A mãe nada fazia. Nada mesmo. Pensei que não cabia a mim julgar. Visivelmente ela não dormia há dias. Ela parecia muito cansada. Não sei o que ela estava passando. Se tinha problema como o marido, se perdera o emprego ou o que podia estar errado em sua vida. Tentei não julgar. Mas confesso que foi bem difícil. Julguei, sim. Não consigo pensar em deixar um bebê chorar por 30 minutos e não fazer nada.

A outra situação foi numa praça. Uma cuidadora com três crianças. Dois brincavam felizes e soltos na areia e o bebê no carrinho. Chorava muito. A cuidadora entregava uma pá daquelas de brincar na areia. Ele parava de chorar por cinco segundos e  recomeçava. Foi assim por umas duas horas. Usei todo meu auto-controle pra não me meter. Tá, auto-controle e minha impossibilidade de argumentar em alemão com uma senhora de seus sessenta anos.

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Por outro lado, cheguei aqui com duas crianças de vidro. Eles pensavam em cair e já estávamos, meu marido e eu, dando colo e querendo impedir o sofrimento que poderia acontecer.

Super protetores

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Aprendemos a deixar que eles resolvam as coisas que pensamos eles têm capacidade pra resolver. E tentar. E errar. E pedir ajuda quando precisam. Aprendemos a confiar mais neles. Na força deles. Eles nos ensinaram um montão de coisas. São muito mais fortes do que jamais pensamos. Não foram poucas as vezes em que quis chorar vendo meu filho com seus seis aninhos cair um tombo homérico da bicicleta sem rodinhas que ele usou pra aprender a andar aqui. Caiu, se machucou feio. A gente por perto. Ele caía e já do chão nos dizia: tô bem. Lindo, forte. Ensinando aos pais a ver o filho aprender a andar de bicicleta.

Essa confiança que os alemães dão às crianças é impressionante. Ensinaram aos nossos filhos, ensinaram principalmente aos pais dos nossos filhos.