Voos Literários

Precisamos de Elite da Tropa 3

Flávia Cunha
28 de fevereiro de 2020

Há muito se fala das ligações escusas de Jair Bolsonaro e de sua família com as milícias, mas agora o tema atingiu proporções difíceis de disfarçar, depois da morte do chefe miliciano Adriano da Nóbrega durante operação policial na Bahia, em circunstâncias ainda a serem esclarecidas. Adriano – ex-policial acusado de envolvimento na morte da vereadora Marielle Franco no Rio de Janeiro – tinha uma proximidade inegável com a família Bolsonaro. Familiares trabalharam para o então deputado estadual Flávio Bolsonaro, além de o filho 01 de Jair ter condecorado Adriano quando este ainda era policial. Depois, até fez visitas para ele na cadeia. 

Para completar esse mês de fevereiro com policiais fora da lei, explodiu um motim de PMs encapuzados no Ceará, levando a uma escalada de violência nas cidades cearenses. Até o momento da publicação desse texto, esses policiam seguiam paralisados, exigindo melhorias salariais. A questão é que quem atua na área da segurança pública é proibido por lei de fazer greve. Muitos especialistas consideram que essa onda de insurgência policial no Ceará foi promovida por PMs milicianos e adeptos do bolsonarismo. Policiais favoráveis ao uso da intimidação e de uma greve ilegal, em uma inversão do que se espera da corporação: a manutenção da ordem pública. Enquanto isso, o Exército e a Força Nacional foram chamados às pressas para dar conta da segurança da população, assustada diante de ações policiais que promoveram toques de recolher e ameaças para exigir o fechamento de lojas. Isso sem esquecer o episódio do senador licenciado Cid Gomes, baleado pelos policiais amotinados ao tentar entrar em um quartel com uma retroescavadeira. 

Essas notícias reais poderiam fazer parte do enredo de um livro semelhante a Elite da Tropa 2, focado na “banda podre” da polícia. A obra escrita pelo antropólogo e cientista político Luiz Eduardo Soares, em coautoria com Rodrigo Pimentel, André Batista e Cláudio Ferraz, foi lançada em novembro de 2010, junto com a continuação de Tropa de Elite nos cinemas. No trecho a seguir, o personagem principal (um policial civil honesto) explica, através de uma conta no twitter, as relações entre milícias e política no Rio de Janeiro (e no Brasil):

“Estamos na merda porque policiais malpagos sobrevivem graças à insegurança. A degradação começa no bico e evolui até a milícia. about 16 minutes ago via web 

Havia, e ainda há, grupos de extermínio. Policiais tiravam graninha por fora matando quem atrapalhasse comerciantes e o sossego do bairro. about 15 minutes ago via web

Havia, e há, segurança privada informal. O bico. Policiais recebem pagamento de clientes voluntários. É ilegal, mas o serviço é decente. about 15 minutes ago via web 

Você jogaria a primeira pedra? PF e autoridades fingem que não veem por escrúpulo de reprimir ações decentes que compensam salários ruins. about 15 minutes ago via web 

Tem mais. Os governos toleram o bico porque, sem essa complementação, a demanda salarial levaria os policiais às ruas e o orçamento ao ralo. about 14 minutes ago via web

Entenderam? A segurança privada (informal e ilegal) financia o orçamento público da segurança. Maravilha! É o gato-orçamentário. Budget-cat. about 13 minutes ago via web

Sensacional: Brasil, paraíso da malandragem e do jeitinho. Você não olha o que faço e eu fecho os olhos pro que você faz. E está tudo certo. about 12 minutes ago via web 

Claro que sempre há os parasitas que recebem uma grana fixa ou um percentual do tráfico, das maquininhas caça-níqueis, do jogo do bicho. about 12 minutes ago via web 

Agora vem a melhor parte. O mar estava pra peixe, e os mais espertos avaliaram que era hora de virar tubarão e passar do varejo pro atacado. about 11 minutes ago via web 

Pronto, chegamos à máfia. Às milícias. Os espertos conclamaram os comparsas a organizar a bagunça e ganhar dinheiro feito gente grande. about 11 minutes ago via web 

Por que só os políticos ganham propina de empreiteiras, em licitações? Por que não cobrar taxa de tudo que tem valor, é útil ou gera renda? about 9 minutes ago via web 

Se o cara é policial, tem arma e sabe o caminho das pedras, por que não cobrar pelo direito de morar, vender, transportar, ter luz, gás, TV? about 8 minutes ago via web 

O Estado não usa força para cobrar impostos? Por que não fazer o mesmo com menos burocracia? Até ‘segurança’ os milicianos dariam em troca. about 7 minutes ago via web 

Começaram expulsando traficantes e os substituindo no domínio territorial e político das favelas e dos bairros pobres. Rico repele extorsão. about 7 minutes ago via web 

Os caras enriqueceram, se elegeram vereadores e deputados, absorveram parte da mão de obra do tráfico, explodiram delegacias e estão por aí. about 6 minutes ago via web 

Estão em toda parte: Zona Oeste e Sul, Baixada, São Gonçalo. Violentos e audaciosos. Matam, extorquem, torturam, humilham, sequestram. about 6 minutes ago via web 

Nas eleições, além de elegerem-se, diretamente, aliam-se a políticos corruptos e vendem acesso exclusivo a comunidades inteiras. about 4 minutes ago via web 

Com mandatos e aliados no coração do poder, ganharam relativa imunidade. […] about 2 minutes ago via web 

Pior é ver uns cretinos defendendo milícias. Não sei se são idiotas ou cúmplices, ou ambos. Hoje, andam meio envergonhados, os canalhas. about 1 minutes ago via web”

Certamente, um terceiro volume de Elite da Tropa nos ajudaria a entender melhor a conjuntura atual. Quem sabe, diante de todos esses episódios milicianos, os quatro autores, que têm muito conhecimento sobre corrupção policial e suas ligações com a política, não se animam a escrever um novo livro?

Confira uma cena de Tropa de Elite 2:

Imagem: Tropa de Elite 2/Divulgação

Igor Natusch

Deixem a família Bolsonaro em paz!

Igor Natusch
19 de fevereiro de 2020

A família Bolsonaro não tem nada, absolutamente nada a ver com a morte de Adriano da Nóbrega, miliciano, assassino de aluguel e chefe do Escritório do Crime. Nadinha de nada, coisíssima nenhuma. Estão completamente inocentes, sem culpa nenhuma no cartório. Qualquer um consegue ver: é só querer enxergar.

Por exemplo: vocês não viram o presidente Jair Bolsonaro no Twitter, deixando clara sua preocupação com a aparente execução do ex-PM? Ninguém perguntou nada, ninguém disse um ai, e lá estava ele, cedo de manhã em plena terça-feira, desviando de seus muitos compromissos para deixar claro que estava muito, muito preocupado com a morte de Adriano da Nóbrega. Exigindo uma perícia independente, temendo que inocentes sejam acusados no caso Marielle, que sejam forjadas mensagens e áudios nos celulares apreendidos junto ao morto. Um homem preocupado com a verdade!

Vocês acham que Jair Bolsonaro agiria assim, de forma tão desprendida, pedindo justiça para a morte de uma pessoa como Adriano da Nóbrega, se tivesse algo a ver com a história?

Ora, é claro que não!

Quanta tolice, quantas insinuações cruéis desse bando de malvados esquerdopatas!

E o advogado dos Bolsonaro, Frederick Wassef, dando entrevista para dizer que a morte do miliciano é uma farsa e que querem incriminar a família presidencial no crime? A maldade chegou a tal ponto que ele precisou vir a público defender os pobres Jair e Flávio das cretinas e cruéis insinuações! Teve até que defender o morto, denunciar as horríveis torturas que a perícia com certeza vai revelar, dizer que o miliciano não era miliciano! Pede para federalizar o caso, e é claro que isso é com a melhor das intenções, com o objetivo exclusivo de esclarecer essa situação toda!

Longe de tentar desviar a atenção para longe de seu cliente, Wassef quer apenas nos chamar à razão. O que Marielle tinha que Adriano não tem?

Respondam, bando de hipócritas, corações de pedra, malvados!

É bonito ver que mesmo Flávio Bolsonaro, perseguido por acusações absurdas de rachadinha, desviou-se de seus inúmeros problemas para defender o santo homem que morreu sozinho em solo baiano. Postou um vídeo da autópsia em seu perfil de Twitter, vejam só. Tudo para denunciar as torturas sofridas pelo corpo! Dirão que é excesso de preocupação, que está querendo esconder algo, mas é o contrário: um homem sério, desinteressado, que se importa com seu povo e quer revelar a verdade, doa a quem doer! Quanta dignidade, a de nosso querido Flávio!

E essa imprensa sem-vergonha, que inventa que Adriano foi morto na fazenda de um filiado ao PSL, que fica lembrando que parentes próximos de Adriano da Nóbrega trabalhavam no gabinete de Flávio Bolsonaro? Ora bolas, o que há de suspeito nisso? Claro está que é apenas uma coincidência. Terem homenageado Adriano em plenário, as muitas falas defendendo milicianos como gente “do bem”, o fato de alguns dos prováveis assassinos de Marielle Franco morarem no mesmo condomínio em que Jair Bolsonaro reside, talvez até tocando em seu interfone para pedir autorização para entrar – qual o sentido de supervalorizar todas essas coisas? É uma maquinação diabólica, coisa de gente que vende o corpo para ter matéria, pessoas que não têm um pingo da moral ostentada pelos sempre impolutos, sérios e respeitáveis membros do clã Bolsonaro!

Como se vê, não existe motivo algum para desconfianças e insinuações. Vocês estão entendendo? Ficou claro? Será que precisamos frisar mais duzentas, quinhentas, mil vezes que os Bolsonaros não têm nada a ver com nada disso daí?

Não existe nada acontecendo. Nada. Circulando. Deixem a família Bolsonaro em paz!

Não há nada a temer, de qualquer forma. Uma explicação surge no submundo das redes sociais: Adriano foi executado pela PM da Bahia, estado governado pelo PT, o que deixa evidente que a queima de arquivo foi para favorecer os malvados do PT! Vão forjar provas contra Bolsonaro, vocês não percebem? Ninguém nunca enxergou qualquer conexão entre Adriano e os petistas, e muita gente enxergou inúmeras conexões entre a família Bolsonaro e as mílicas, mas quem se importa? Problema é o Rui Costa, que é amigo de bandidos como Lula! E os mandantes da facada em Bolsonaro, onde estão? É tudo fraude, tudo fruto de fake news, a imprensa protege os petistas e persegue os que querem salvar o país!

Do Celso Daniel ninguém fala nada nunca nunca nunca, já perceberam?

Que coisa.

Foto: Polícia Federal / reprodução

Geórgia Santos

Colectivos brasileiros?

Geórgia Santos
19 de junho de 2019
(Santa Maria - RS, 15/06/2019) Presidente da República, Jair Bolsonaro cumprimenta apoiadores da população de Santa Maria. Foto: Alan Santos/PR

Durante evento na cidade de Santa Maria (RS), no último sábado (15), o presidente Jair Bolsonaro (PSL) voltou a defender que os brasileiros tenham acesso a armas de fogo. Mas desta vez, a justificativa foi além da autodefesa e do papinho de que “se os bandidos estão armados, os cidadãos de bem também precisa estar”. Ele disse que é preciso armar a população para evitar golpes políticos.

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“Nossa vida tem valor, mas tem algo muito mais valoroso do que a nossa vida, que é a nossa liberdade. Além das Forças Armadas, defendo o armamento individual para o nosso povo, para que tentações não passem na cabeça de governantes para assumir o poder de forma absoluta”, disse Jair Bolsonaro

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Primeiro que eu tenho dificuldades para entender o conceito de liberdade sem vida, mas vamos deixar isso de lado. O que importa aqui é que Bolsonaro descreveu o que se conhece por formação de milícias armadas com objetivos políticos. E ele o fez de forma bastante direta.

É curioso que ele tenha proposto isso enquanto ele é o presidente. Ele quer armar a população para que os cidadãos não permitam que ele se perpetue no poder? Provavelmente, não é o caso. É mais provável que ele queira armar a população para que ninguém permita que ele seja removido do poder.

Infelizmente, a história recente da política latino-americana não permite que essa sugestão seja entendida como mais uma ideia de Bolsonaro a não ser levada a sério ou, pelo contrário, seja encarada como a visão de quem defende a democracia e a liberdade acima de tudo. Isso porque, pasmem, foi exatamente o que Hugo Chavez fez na Venezuela.

Colectivos 

Os colectivos são organizações comunitárias criadas para dar suporte ao governo da Venezuela e à revolução Bolivariana. Oficialmente, apresentam-se como grupos dedicados à promoção da democracia, à promoção de grupos políticos e atividades culturais. Alguns deles de fato auxiliam com a manutenção de centros de cuidado infantil, programas para as crianças em horário alterando ao da escola, reabilitação de dependentes químicos e ainda atividades esportivas. Mas inúmeras organizações descrevem os colectivos como gangues armadas.

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Os colectivos podem ser considerados, então, grupos paramilitares que operam como milícias e, hoje, são um braço armado do governo
Um braço civil armado do governo

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A ONG Human Rights Watch descreve os colectivos como  “grupos armados pró-governo”  e que assediam e agridem oponentes do governo venezuelano. Entre outras coisas, são acusados de atacar funcionários de canais de televisão de oposição, inclusive enviando ameaças de morte a jornalistas. Estima-se que haja entre 20 e 100 colectivos diferentes na Venezuela.

O jornalista 

Não sei se as “tentações” a que Bolsonaro se refere são as suas ou as de seus opositores – embora eu arrisque um palpite. De todo modo, é interessante que o homem que se elegeu como a salvação a quem temia que o Brasil virasse a Venezuela seja tão simpático aos métodos do vizinho. 

Ao fim e ao cabo, espero mesmo que não passe de uma conjectura minha e que seja somente mais uma ideia de Bolsonaro a não ser levada a sério. Porque duvido que seja apenas a visão de quem defende a democracia e a liberdade acima de tudo. Acima de tudo está outra coisa.

Para saber mais sobre a situação da Venezuela, ouça nosso podcast aqui.

Foto: Santa Maria – RS, 15/06/2019 / Alan Santos/PR