Voos Literários

Feminismo para quê? (Quem mandou matar Marielle?)

Flávia Cunha
13 de março de 2020
“Os estereótipos associados ao que é ser uma mulher e as expectativas sobre como devemos nos comportar são facetas do discurso institucional e hegemônico ainda profundamente conservador e reacionário. Registra-se que tal movimento ganha força no momento atual; basta olhar, por exemplo, para o resultado das eleições nos EUA e no plebiscito do Reino Unido, entre outros exemplos possíveis. Em escala internacional, guerras, interdições, perseguições, separações voltam a aparecer e se marcam como impedimentos e controles cada vez maiores do outro, da outra, do corpo que não compõe o grupo social de poder, que tende a ser “colocado para fora”, ou “impedidos”, pelas classes dominantes de conviver com suas “diferenças” na cidade. Com a falácia da narrativa de ‘crise econômica’, busca-se derrubar os direitos conquistados e, uma vez feito, serão as mulheres negras e pobres, moradoras das periferias, principalmente das favelas, que estarão ainda mais vulneráveis à violência e ao racismo institucional impregnado nos poros da formação social brasileira.”
Marielle Franco, no livro Tem Saída? Ensaios Críticos Sobre o Brasil, lançado em 2017, no capítulo A emergência da vida para superar o anestesiamento social frente à retirada de direitos: o momento pós-golpe pelo olhar de uma feminista, negra e favelada.

Muitas pessoas consideram que Marielle foi vítima de um feminicídio político. Foi brutalmente assassinada pela condição de mulher negra favelada, como se auto intitulava. Além disso, sua atuação na política primava pela luta a favor das mulheres, dos negros, da comunidade LGBT, além de atuar fortemente contra as milícias.

Quem mandou executar Marielle naquele 14 de março de 2018 provavelmente não imaginava que, dois anos depois, ela estaria mais presente do que nunca. As investigações de seu brutal assassinato e o do motorista Anderson Gomes seguem nos noticiários. Foi homenageada aqui e no Exterior. Um documentário foi lançado na plataforma de streaming da Globo, sendo que o primeiro episódio foi exibido em rede nacional. O nome de Marielle também segue ecoando em manifestações pelo Brasil.

Mas tentam macular sua memória. Inventaram mentiras a seu respeito, tentaram fazer ligações de sua trajetória ao tráfico de drogas e seguem relativizando com argumentos desconexos a importância dada à seu assassinato. A violência contra essa mulher segue, mesmo após sua morte. Nessa semana, denunciei um comentário de uma postagem no Facebook em que aparecia o rosto Marielle como se estivesse no cartaz de um filme, com a grotesca legenda: “Fácil de matar”. Tamanha falta de humanidade não deveria ser habitual no jogo político brasileiro. 

MULHERES NA POLÍTICA

Enquanto ocupou seu espaço como vereadora pelo PSOL do Rio de Janeiro, Marielle destoava da maioria de seus pares, homens brancos héteros. Isso porque a política brasileira é mais um terreno desigual para as mulheres no Brasil. De acordo com levantamento de 2016, 87% do total de vereadores no país eram homens. Um dos motivos apontados para essa desigualdade é a divisão sexual do trabalho, que faz com que mulheres tenham menos tempo para a militância política. 

Como ela escreveu no capítulo do livro Tem Saída?, os conservadores têm estereótipos sobre o que é ser mulher e expectativas sobre o comportamento feminino. Porém, a vereadora Marielle Franco não se comportava de forma submissa e dócil como esperavam seus pares masculinos. Não tolerava ser desrespeitada. 

Seguir lutando pelo feminismo, como ela, é uma forma de manter seu legado.

E enquanto o crime não for esclarecida, seguiremos perguntando:

Quem mandou matar Marielle?

Imagem: Renan Olez/ Câmara de Vereadores do Rio

Igor Natusch

Deixem a família Bolsonaro em paz!

Igor Natusch
19 de fevereiro de 2020

A família Bolsonaro não tem nada, absolutamente nada a ver com a morte de Adriano da Nóbrega, miliciano, assassino de aluguel e chefe do Escritório do Crime. Nadinha de nada, coisíssima nenhuma. Estão completamente inocentes, sem culpa nenhuma no cartório. Qualquer um consegue ver: é só querer enxergar.

Por exemplo: vocês não viram o presidente Jair Bolsonaro no Twitter, deixando clara sua preocupação com a aparente execução do ex-PM? Ninguém perguntou nada, ninguém disse um ai, e lá estava ele, cedo de manhã em plena terça-feira, desviando de seus muitos compromissos para deixar claro que estava muito, muito preocupado com a morte de Adriano da Nóbrega. Exigindo uma perícia independente, temendo que inocentes sejam acusados no caso Marielle, que sejam forjadas mensagens e áudios nos celulares apreendidos junto ao morto. Um homem preocupado com a verdade!

Vocês acham que Jair Bolsonaro agiria assim, de forma tão desprendida, pedindo justiça para a morte de uma pessoa como Adriano da Nóbrega, se tivesse algo a ver com a história?

Ora, é claro que não!

Quanta tolice, quantas insinuações cruéis desse bando de malvados esquerdopatas!

E o advogado dos Bolsonaro, Frederick Wassef, dando entrevista para dizer que a morte do miliciano é uma farsa e que querem incriminar a família presidencial no crime? A maldade chegou a tal ponto que ele precisou vir a público defender os pobres Jair e Flávio das cretinas e cruéis insinuações! Teve até que defender o morto, denunciar as horríveis torturas que a perícia com certeza vai revelar, dizer que o miliciano não era miliciano! Pede para federalizar o caso, e é claro que isso é com a melhor das intenções, com o objetivo exclusivo de esclarecer essa situação toda!

Longe de tentar desviar a atenção para longe de seu cliente, Wassef quer apenas nos chamar à razão. O que Marielle tinha que Adriano não tem?

Respondam, bando de hipócritas, corações de pedra, malvados!

É bonito ver que mesmo Flávio Bolsonaro, perseguido por acusações absurdas de rachadinha, desviou-se de seus inúmeros problemas para defender o santo homem que morreu sozinho em solo baiano. Postou um vídeo da autópsia em seu perfil de Twitter, vejam só. Tudo para denunciar as torturas sofridas pelo corpo! Dirão que é excesso de preocupação, que está querendo esconder algo, mas é o contrário: um homem sério, desinteressado, que se importa com seu povo e quer revelar a verdade, doa a quem doer! Quanta dignidade, a de nosso querido Flávio!

E essa imprensa sem-vergonha, que inventa que Adriano foi morto na fazenda de um filiado ao PSL, que fica lembrando que parentes próximos de Adriano da Nóbrega trabalhavam no gabinete de Flávio Bolsonaro? Ora bolas, o que há de suspeito nisso? Claro está que é apenas uma coincidência. Terem homenageado Adriano em plenário, as muitas falas defendendo milicianos como gente “do bem”, o fato de alguns dos prováveis assassinos de Marielle Franco morarem no mesmo condomínio em que Jair Bolsonaro reside, talvez até tocando em seu interfone para pedir autorização para entrar – qual o sentido de supervalorizar todas essas coisas? É uma maquinação diabólica, coisa de gente que vende o corpo para ter matéria, pessoas que não têm um pingo da moral ostentada pelos sempre impolutos, sérios e respeitáveis membros do clã Bolsonaro!

Como se vê, não existe motivo algum para desconfianças e insinuações. Vocês estão entendendo? Ficou claro? Será que precisamos frisar mais duzentas, quinhentas, mil vezes que os Bolsonaros não têm nada a ver com nada disso daí?

Não existe nada acontecendo. Nada. Circulando. Deixem a família Bolsonaro em paz!

Não há nada a temer, de qualquer forma. Uma explicação surge no submundo das redes sociais: Adriano foi executado pela PM da Bahia, estado governado pelo PT, o que deixa evidente que a queima de arquivo foi para favorecer os malvados do PT! Vão forjar provas contra Bolsonaro, vocês não percebem? Ninguém nunca enxergou qualquer conexão entre Adriano e os petistas, e muita gente enxergou inúmeras conexões entre a família Bolsonaro e as mílicas, mas quem se importa? Problema é o Rui Costa, que é amigo de bandidos como Lula! E os mandantes da facada em Bolsonaro, onde estão? É tudo fraude, tudo fruto de fake news, a imprensa protege os petistas e persegue os que querem salvar o país!

Do Celso Daniel ninguém fala nada nunca nunca nunca, já perceberam?

Que coisa.

Foto: Polícia Federal / reprodução