Reporteando

O feminismo na vanguarda contra o fascismo

Évelin Argenta
26 de setembro de 2018

A socióloga e pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo, Esther Solano, avalia que o ódio virou uma moeda de troca importante no campo político atual.  Segundo ela existe um uso eleitoral do ódio, já que o “ódio potencializado” é um caminho às urnas.  A pesquisadora espanhola é autora de estudos sobre o que pensam os eleitores do capitão reformado do Exército e deputado federal, Jair Bolsonaro.  Ao comentar seu novo livro “O ódio como política”, lançado pela editora Boitempo, Esther ainda falou sobre o “risco real” de fascismo no Brasil e na vanguarda da luta das mulheres contra esse sistema. Confira a entrevista. 

*Originalmente a conversa foi veiculada pela Rádio CBN.  A entrevista foi realizada em parceria com os jornalistas Roberto Nonato e Kennedy Alencar. 

 

Estamos em uma fase onde o ódio está cada vez mais presente na sociedade?

O que o livro quis fazer é justamente chamar atenção para essa presença de ódio como uma moeda de troca importante no campo eleitoral e no campo político. Vivemos no Brasil em uma sociedade que se constrói muito na ideia do ódio, do machismo, do racismo, da desigualdade. O que vemos hoje é uma politização do discurso de ódio, uma “eleitorização” do discurso de ódio e ódio polarizado, pois ele é um bom caminho para as urnas.

 

O candidato Jair Bolsonaro (PSL) é que mais recorre a esse tipo de discurso. O que explica o crescimento desse discurso de ódio e da extrema-direita no Brasil?

Eu sempre digo que a candidatura da extrema-direita brasileira, de forma geral, se constrói sobre três “antis”. A primeira delas é a politização da antipolítica, que é aquele sentimento de “são todos iguais, todos corruptos”. A segunda é a negação do petismo e da esquerda. Existe um discurso muito forte de combate á esquerda e ao campo progressista e intelectual. E, por fim, há uma reação muito forte aos movimentos identitários, onde ganhou força o discurso antifeminista, movimento negro, movimento LGBT, colocando esses movimentos como culpados pela diferenciação social tão grande que existe nas relações sociais no Brasil.

 

Antes de passar por governos alinhados socialmente à esquerda, o Brasil passou por governos alinhados social e economicamente à direita.  Por que esses discursos de ódio não surgiram antes? Existe um fator econômico no ódio?

Sem dúvida. Existe hoje um realinhamento de uma força neoconservadora e intolerante no campo dos valores e uma força econômica liberal ou ultraliberal. A candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) é altamente simbólica nisso. Ele é um personagem construído nessa ideia dos valores, da família cristã, do militarismo, mas atrás da candidatura dele está o Paulo Guedes, que é uma pessoa que simboliza esse liberalismo ,a privatização e esse capitalismo mais selvagem. Existe um casamento obviamente oportunista aí. Só que as pessoas não são conscientes disso. Quando você pergunta para eleitores da extrema-direita sobre economia, ele não é consciente desse discurso neoliberal que está por trás, já que ele é tratado de forma escondida, às escuras.

 

Essa percepção vai além do Brasil em uma espécie de onda global?

Se dúvida. Globalmente existe um ressurgimento dessa extrema direita e isso é uma coisa que, efetivamente, você vê em países da Europa, América Latina e Estados Unidos. A diferença no Brasil e o que me preocupa bastante é que normalmente nos países europeus a retórica dessa extrema-direita se constrói com base no inimigo externo, no imigrante ou no refugiado. No Brasil existe uma peculiaridade. Essa retórica na extrema-direita se constrói com base em um inimigo interno. Então aqui a luta é contra o jovem negro da periferia, contra a feminista, contra o professor, contra a pessoa da esquerda. Existe uma violência contra o próprio brasileiro que é considerado como um “não cidadão de bem”

 

Nos últimos tempos a palavra fascismo vem sendo dita com uma frequência muito grande. Em alguns momentos , até, corre-se o risco de esvaziar a palavra de significado. Existe um risco real de fascismo no Brasil?

Sem dúvida. E nesse caso é importante contextualizarmos o que significa fascismo. Muitas pessoas confundem fascismo com uma certa política adotada em determinado momento histórico, fundamentalmente na Europa. Mas o fascismo na sua concepção política e filosófica mais ampla é o silenciamento, aniquilamento do outro que é considerado diferente. É uma política que mobiliza o ódio, que utiliza o ódio como mobilizador para fazer política. Então quando você tem candidatos que são abertamente xenofóbicos, misóginos, que dizem que “bandido bom é bandido morto”, esse é um discurso claramente fascista. O que não quer dizer que todo mundo que vote nesse tipo de pessoa seja fascista. Há pessoas que votam por outros fatores, como a descrença na política. Mas essa tendência política pode, sim, ser nomeada dessa forma.

 

Se o candidato Jair Bolsonaro for eleito, esse movimento terá no presidente da república o seu líder. No entanto, se ele perder a eleição quem ficaria nesse grupo de direita?  A senhora vê uma retomada desse eleitorado pelo PSDB ou pelo João Amoêdo, do Partido Novo?

Por um lado existe um certo paradoxo, pois você tem uma “bolsonarização” da esfera pública. Se o Bolsonaro não foi eleito o que fica capilarizado na esfera pública é esse discurso de ódio, da intolerância, do antipetismo, da moralização do debate público. Agora, ele é um candidato que não tem um partido político com estrutura, é isolado politicamente. Eu não vejo nesse momento uma estrutura político-partidária, institucional que consiga capitalizar esse discurso de ódio a ponto de você ter, de fato, uma estrutura forte ou competitiva como você tem na França. Mas isso é secundário, pois quando você já tem essa bolsonarização do debate na sociedade é questão de tempo para eles encontrarem outros tipos de canalizações. Temos que atacar esse discurso no campo social para que ele não extrapole o campo político.

 

Nos últimos dias vimos o crescimento de um movimento muito forte de mulheres que se opõem ao candidato Jair Bolsonaro. É um movimento que surgiu na internet, mas que já vem sendo usado de forma partidária por outros candidatos. Já havíamos presenciado algo parecido na história recente? Qual a dimensão desse movimento fora das redes sociais?

Já tivemos movimentos parecidos encabeçados por mulheres quando elas encabeçaram a oposição ao Eduardo Cunha, na questão da descriminalização do aborto. Uma coisa muito importante é que a internet tem sido um ambiente muito colonizado ultimamente pelo pensamento feminista. Houve o movimento #meuprimeiroassedio, #agoraéquesãoelas, etc. Esse movimento Mulheres Contra Bolsonaro ele é extraordinário por vários fatores. Primeiro que o voto feminino vai ser determinante nessa eleição, também pelo fato de as mulheres serem claramente atacadas pelo discurso de ódio (estamos na linha de frente dessa luta) e também em função de outros grupos terem se juntado a isso. Temos agora os LGBT Contra Bolsonaro, Negros Contra Bolsonaro, Evangélicos Contra Bolsonaro. Você vê que no campo do social, do coletivo e das ruas o feminismo é muito forte. Ele tem potencial para criar uma frente contra o fascismo. Acho que a onda de feminismo brasileira é a vanguarda da luta contra o fascismo. Somos nós, mulheres, que temos mais dificuldades para entrar na política. Então acho simbólico que sejam as mulheres a tomar a frente desse movimento.

Ouça a entrevista na íntegra

 

Reporteando

A mulher e a moeda de troca na campanha eleitoral

Évelin Argenta
20 de setembro de 2018

Na semana passada o Vós trouxe um compilado das propostas dos candidatos para as mulheres.  No pleito de 2018 há duas candidaturas encabeçadas por elas e outras quatro compostas por mulheres na vice-candidatura, achamos interessante explorar o tema. Tão interessante, que procuramos duas pesquisadoras para comentar os planos.

Deisy Cioccari e Beatriz Pedreira estudam os temas mulher e política e, como já esperávamos, não ficaram surpresas com a falta de propostas para o público feminino. Para Deisy fica claro o uso a mulher como moeda de troca nas campanhas eleitorais. Já para Beatriz, temas como o aborto ainda ficam de fora , pois precisamos ainda desmistificar o tema antes de colocá-lo na berlinda. Separamos dois trechos da entrevista com cada uma delas.

Deisy Cioccari, jornalista, mestre em Produtos Midiáticos: Jornalismo e Entretenimento, doutora em Ciência Política e pós-doutoranda em Comunicação

A surpresa seria se as pautas do aborto e da equiparação salarial entre homens e mulheres estivessem bem específicas nos planos de governo. Lendo os planos de governo lembrei da presidente Dilma Rousseff na campanha de 2010. Ela tentou tocar na pauta do aborto e depois passou a campanha inteira sofrendo pelo que falou. Ela teve até que escrever uma carta à população e, ainda assim, foi super genérica. Eu costumo dizer que a política é feita de homens para homens e quando surge uma questão feminina eles silenciam. A conversa com o congresso (sobre o aborto) é quase impossível. As bancadas mais fortes na Câmara são a bancada ruralista, a bancada da bala e a bancada evangélica. E a bancada evangélica vai trancar qualquer pauta ligada ao aborto”

“A mulher é usada na propaganda eleitoral como moeda de troca. Quando interessa, ela aparece na pauta do debate eleitoral. Um exemplo é quando você vê o Bolsonaro falando algo sobre a mulher. Ele que é o candidato mais misógino que vimos nos últimos anos! Fora isso, a própria equiparação salarial não tem nenhuma proposta concreta. É tudo muito genérico quando a pauta é o feminismo. É uma política de homens para homens. Quando a mulher aparece nos planos de governo, ela aparece ainda associada a políticas voltadas para criação de creches, ou com alguma função mais familiar. A mulher não assume o protagonismo nos planos de governo. Mesmo tendo duas mulheres como candidatas a presidente e quatro como vices, não há protagonismo feminino.”

Beatriz Pedreira, é cientista social e especialista em inovação política, cofundadora do Instituto Update (instituto que mapeia iniciativas de inovação política na América Latina)

Eu não fiquei surpresa, mas fiquei impressionada com a pouca presença das mulheres nos planos, mesmo nos candidatos que têm uma visão mais progressista. Mesmo no que diz respeito a iniciativas de incentivo à equiparação salarial, qualquer mudança na legislação precisaria passar pelo Congresso. O que o presidente pode fazer é criar campanhas e incentivos para começar a discutir de uma forma mais direta isso na sociedade. A equiparação salarial entre homens e mulheres que ocupam os mesmos cargos já está na Constituição, só precisamos encontrar maneiras de cumprir.”

“O aborto é um tema muito sensível, um tema que não tem espaço para discussão na sociedade brasileira. Muitos candidatos, mesmo pessoalmente à favor, entendem essa iniciativa como inviável politicamente. É um tema extremamente impopular. Somos uma sociedade conservadora, religiosa, que tem pouquíssima informação sobre a descriminalização do aborto como política de saúde pública. Não temos nenhuma conscientização sobre isso. É outro tema que depende do Congresso. O que o presidente pode fazer é criar campanhas de conscientização, ir trabalhando isso na sociedade para desmistificar esse processo. Os números são muito racionalmente explicáveis, mas o tema é ainda muito tabu. É uma questão de tempo, não é algo para agora.”

Glow

Que uma mulher nunca deixe de acreditar que é maravilhosa

Fernanda Ferrão
28 de junho de 2018

Quando eu vi a foto da minha amiga Daylane Cerqueir comemorando um ano de pole dance, fiquei muito feliz. Fiquei feliz porque ela estava linda. Mas também fiquei triste, porque sabia que em breve eu também completaria um ano desde que comecei a praticar. É estranho dizer que eu ficaria triste com uma façanha dessas, mas eu tinha absoluta certeza que não tinha nada para me orgulhar.

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A cabeça das mulheres é assim, nunca está bom. E não de um jeito perseverante, mas de um jeito destrutivo, triste, desanimador

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Mas tudo bem, continuamos. E que bom que continuamos. De repente, em uma mesma semana, subi três andares na barra na segunda-feira e, na sexta, fiquei no devil sozinha e soube, inclusive, sair da barra – vi a Bianca Castanho fazer isso tantas vezes e achei que não ia rolar. Mas assim, de repente uma ova, né? Trezentos e sessenta e cinco dias olhando esse corpo grande no espelho, de hot pant e top, esticando, puxando, forçando e pensando que vai mais mas o peito grande não deixa. Foram vários dias fugindo da aula, matando a sequência de giros porque back hook é muito ruim e nem é tão bonito, vários dias em que a mão escorregava, alguns dias dando caô porque eu não queria enfrentar. Fiz duas aulas praticamente chorando, segurando mesmo e em uma delas a Eloísa De Souza Honorato me disse:“Tu consegue fazer, tu só não consegue ver”.

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Teve um outro dia em que eu vi uma foto minha e a posição estava diferente das gurias –  óbvio, já que cada uma tem um corpo. Eu não consegui não chorar

Porque ser diferente do padrão é difícil mesmo quando a gente está em um ambiente com companhia acolhedora e também fora do padrão

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Mas foram muito mais dias segurando meu peso todo numa barra; muitos dias de respira e puxa; de força e alongamento; de mostrar para as amigas como eu fazia aquilo. Foram todinhos esses dias olhando nos olhinhos da Lolô e tendo certeza que ela acredita em mim, que ela me segura e me coloca pra cima. Quero que todo mundo encontre uma relação de amor e confiança como a que eu encontrei na Eloísa, que vocês encontrem um lugar sagrado  como eu achei o Maravilhosas (não tem nada mais legal que um lugar colorido, com música e mina andando pra cima e pra baixo quase pelada).  E mais, que vocês se encontrem em alguma atividade (se for física, melhor) que te prove todo dia que sim, tu podes! Gracias, Graziela Meyer, por ter criado essa loucura toda. Tu transformas vidas.

Amigos todos que se espantam e incentivam, continuem me chamando de maravilhosa. Quando eu deixo de acreditar, eu penso “Ah, fulano não ia se dar ao trabalho de mentir isso, né?”. Aí volto e seguimos el baile!