Tércio Saccol

Sobre PIBs e polarização

Tércio Saccol
5 de março de 2018

Como toda temática – de Neymar à intervenção federal no Rio de Janeiro – uma grande polarização tomou redes sociais, fóruns mais e menos qualificados e alguns diálogos na última semana, quando foi divulgada a alta de 1% do Produto Interno Bruto, o PIB.

.

E a lógica média dessas discussões, só para variar, resvalou em análises desprovidas de sentido, percepções enviesadas e um esforço enorme para desqualificar ou catapultar a relevância desse número

.

Importante citar o contexto desse crescimento: 1% após uma recessão histórica, que alavancou o desemprego, fragilizou a indústria e abriu um campo de ação para reformas que, vestidas com a armadura da urgência, atropelaram discussões e consultas públicas.

Ministério da Agricultura/Divulgação

“Ah, mas no governo Dilma, quando cresceu 1%, o destaque foi negativo”, diz o fórum alinhado a ex-presidente derrubada em um processo de cunho político. É verdade. Mas também é verdade que, despida a nossa inocência para entender de onde vêm as fontes de informação, que um crescimento de 1 após um crescimento de 2 é diferente de um crescimento de 1 após uma queda.

“Mas então, você está defendendo…” Não. Não se trata de um respaldo a euforia de Henrique Meirelles, o possível candidato insípido de um governo marcado por rejeição massiva e coleções invejáveis de casos de corrupção. É importante lembrar que o crescimento dessa medida dos bens e serviços está ancorado em um desempenho extraordinário do setor agrícola, especialmente o milho e a soja.

Não menos importante destacar que uma das medidas para injeção de fôlego no poder de compra, a liberação do saque do FGTS, não poderá se repetir em 2018, e que o crescimento de consumo das famílias, também festejado, tem algum respaldo nessa medida.

Aliás, propõe-se perceber que o quarto trimestre de 2017 teve virtual estagnação da economia e que houve nova queda de investimentos, motor para reativação econômica. Soma-se a essa discussão inúmeras pesquisas recentes, como a Pesquisa Desigualdade Mundial 2018, de Thomas Piketty, o fato de que a concentração de renda está em processo de ascensão ou manutenção, mostrando que esse crescimento não está incidindo de forma direta na distribuição.

.

Há ainda quem associe a sustentação desse incremento a reformas e mudanças estruturais, embora essa discussão não mereça ser tratada de forma tão efêmera – como foi a trabalhista, decidida em meia dúzia de gabinetes em alguns meses

.

Mas esse PIB

E aí? E aí que é óbvio que ninguém está pedindo uma análise dissociada da economia política, mas não dissociada do bom senso. Claro, como defende Thomas Straubhaar, o PIB já não deveria ser a única métrica de geração de valor, já que não consegue mensurar com precisão dados digitais e economia compartilhada.

Acrescenta-se aí que ainda é bastante difícil dizer qual a base – se há uma – para confirmação ou não da continuidade do crescimento e da diminuição do desemprego. Mesmo assim, o dado não é desprezível (nem passível de celebração).

Reprodução

Quanto às manchetes? Aí que não há simplificação capaz de sintetizar a complexidade de um contexto econômico, e como tal, é ainda mais difícil traduzir isso em uma manchete, que aliás, já deve ser vista como parte de um contexto maior.

Há, dependendo dos elementos usados e da ótica do recorte, possibilidade de múltiplas perspectivas sobre o dado apresentado. Provavelmente, ainda é muito cedo para garantir alguma celebração, especialmente por um governo com graves problemas de legitimidade, mas antes tarde do que mais tarde para voltar ao patamar de 2011 na economia, o que se atingiu com o famigerado 1%.  

Igor Natusch

Governo Sartori levou surra na Assembleia – e a culpa não é da oposição

Igor Natusch
1 de fevereiro de 2018
PORTO ALEGRE, RS, BRASIL 31.01.2018: Acompanhado por integrantes do Secretariado, o governador José Ivo Sartori fez um pronunciamento a imprensa, nesta quarta-feira (31), no Palácio Piratini, logo após o encerramento da sessão extraordinária da Assembleia Legislativa. Foto: Dani Barcellos/Palácio Piratini

Que a convocação extraordinária da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul foi um fiasco, quase ninguém poderá negar. A ideia do governo de José Ivo Sartori era votar o regime de recuperação fiscal acordado com o governo federal, defendido como vital para tirar o Estado do atoleiro, e incluir no pacote o fim da necessidade de plebiscito para autorizar privatização de CEEE, CRM e Sulgás. Mas não se chegou nem perto disso: após três sessões, os projetos não foram sequer apreciados, que dirá postos em votação. E a tarefa da oposição, que parecia um tanto complexa antes da primeira sessão, acabou sendo facilitada por uma base governista desunida e desorganizada – chegando ao cúmulo de perder todo o trabalho da primeira sessão porque um parlamentar foi ao banheiro, uma trapalhada que eliminou o quórum necessário para dar prosseguimento.

Compreende-se, claro, que o governador estivesse irritado com a situação na coletiva que deu logo após ter o fracasso consumado na Assembleia. Mais difícil, porém, é concordar com o foco de sua revolta, totalmente direcionado à oposição. “A manobra não foi contra nosso governo, foi contra o Rio Grande do Sul”, reclamou. A oposição, segundo ele, é “radical”, e a população não suporta mais “essa pequenez e essas traquinagens políticas” vindas de quem “causou parte da crise”. “Esses setores políticos vão ser responsabilizados se o atraso nos salários aumentar”, ameaçou Sartori.

.

O que fez a oposição para deixar Sartori tão indignado, furibundo, cuspindo fogo pelas ventas? Terá feito uma manobra traiçoeira, descumprido um acordo no último instante, aplicado um golpe baixo do ponto de vista político?

.

Nada disso. Fez a oposição o que qualquer oposição faz diante de uma pauta da qual discorda: mobilizou-se contra ela. Revezaram-se os deputados na tribuna, atrasando o processo de votação. Pediram verificação de quórum quando perceberam que a base não tinha como garantir o mínimo de parlamentares em plenário. Com o regimento interno debaixo do braço, o presidente da Assembleia, deputado Edegar Pretto (PT) – que é de oposição, o que não é crime algum – indeferiu o pedido de inversão de pauta da bancada governista, bem como o ofício para mais duas sessões extraordinárias.

Discuta-se a conveniência dessas ações o quanto se desejar, dentro das visões políticas de cada um: o que não dá é para dizer que há alguma novidade nesses procedimentos. Não se trata de desonestidade, radicalismo, perfídia nem nada do tipo: é, pura e simplesmente, fazer oposição. E é algo que se faz em todos os parlamentos da face da Terra – à esquerda, à direita, ao centro, no céu ou no inferno do espectro político.

.

Por acaso tem a oposição – qualquer uma – obrigação de ser dócil à situação apenas porque se diz que alto lá, desta vez é importante de verdade, precisamos de um acordo porque agora a coisa é séria e acabou a brincadeira?

 

Evidente que não

.

Se ela discorda, ela vai derrubar; se não tem força para derrubar, fará de tudo para barrar o avanço. Uma obviedade quase simplória, verdadeiro beabá da política na esfera parlamentar.

Duvido muito que Sartori desconheça esses meandros, posto que ele mesmo já foi deputado e inclusive presidiu a Casa, em 1998. Está, isso sim, fazendo uma transferência de responsabilidade, jogando para o time adversário um fracasso que pertence, exclusivamente, a ele e seus aliados.

A convocação extraordinária foi um desastre estratégico. Faltando uma semana para o retorno normal dos trabalhos na Assembleia, não há sentido em mobilizar todo o aparato da Casa, com todos os custos envolvidos, se não houver certeza absoluta de que coisas serão votadas – certeza que só se pode ter com estratégia sólida e, acima de tudo, uma maioria consolidada e inabalável. Ao contrário: o que se viu foi uma bancada de situação dispersa e confusa, sem um plano de ação, atuando sempre de forma reativa e inapelavelmente incapaz de propor jogo.

.

A bancada oposicionista não precisou fazer mais que o básico para impedir a votação, por um motivo singelo: mesmo menor em número, estava muito mais coesa e determinada que o time adversário

.

A oposição sabe muito bem que não quer o acordo com a União, tal como está posto; a situação, por sua vez, não tem tanta certeza assim do que quer ou não. E indecisão, no parlamento, é um pecado muitas vezes fatal. O governo, pelo jeito, não fez o dever de casa. São três anos de governo e conta-se nos dedos os momentos em que o governo andou todo junto, em bloco, na mesma direção. Aí não adianta apelar para o sentimentalismo, lamentando que o outro lado deveria ser mais compreensivo, esbravejando ameaças vãs ou lançando ao vento apelos frouxos por união.

Quanto mais frisa que “não existe plano B” caso a recuperação fiscal não aconteça, mais Sartori e seu governo reforçam publicamente uma aposta que (e agora está mais claro do que nunca) simplesmente não têm coesão e força política para cumprir. Mesmo com manifestações favoráveis na imprensa, mesmo martelando a suposta única saída por meses a fio, o governo não convence nem a própria bancada a abraçar o rojão, ao ponto de jogar pela janela três dias inteiros de convocação extraordinária. Perdeu, sim, e perdeu feio. Pode vencer nas próximas semanas, é claro: a tendência, contudo, é de acumular fracassos, caso limite seus esforços a uma tentativa pueril de criminalizar a oposição por agir como oposição. Não adianta jogar o desgaste para o outro lado do muro: o fiasco tem assinatura, e ela não foi feita em caneta vermelha.

Foto: Dani Barcellos/Palácio Piratini

Igor Natusch

Bolsonaro entrou na mira – e é melhor Jair se acostumando

Igor Natusch
10 de janeiro de 2018
Brasília - O deputado Jair Bolsonaro durante o adiamento da votação de processo contra Jean Wyllys (Wilson Dias/Agência Brasil)

Não tem sido uma semana boa para Jair Bolsonaro e seus defensores nas redes sociais. Já começou delicada, com reportagem sobre a rapidez inusitada com que a família do deputado federal somou imóveis a seu patrimônio, alguns em pechinchas sinceramente difíceis de acreditar. Continuou com a lista de perguntas não respondidas pelo parlamentar, além do recebimento mensal de auxílio-moradia quando é notório que Bolsonaro tem imóvel em Brasília para morar. Tentando neutralizar a maré negativa, tentou o presidenciável mencionar o dinheiro que devolveu à Câmara Federal – só para, logo em seguida, ver nas manchetes os mais de R$ 770 mil que ele diz ter entregue, mas que nunca efetivamente repassou. Agora, a Folha de S. Paulo manda um editorial que, digamos, longe está de ser conciliador em direção ao provável candidato presidencial.

Os protestos contra as “fake news” foram muitos, além de uma verdadeira corrente-para-frente de passadores de pano. Mas, parafraseando os próprios apoiadores de Bolsonaro, eu diria: é melhor Jair se acostumando. Porque não é nada difícil prever que a carga sobre ele está só começando, e tende a ficar ainda mais cerrada daqui para frente

 

Entre tantas outras coisas, política é questão de timing – e isso vale tanto para o momento de tomar posição no cenário quanto, eventualmente, para atacar. Desde o fim do ano passado já é claro que setor significativo do poder financeiro e da mídia não quer Bolsonaro, desenhando o pré-candidato como um dos extremos a combater (o outro sendo Lula). Manobra que, por óbvio, abre a trilha para um terceiro nome, supostamente mais conciliador que ambos e capaz de unir as duas pontas e pacificar o país. É algo que tende a ganhar contornos mais visíveis daqui para frente – especialmente porque ninguém que faça diferença parece, no momento, disposto a divergir dessa estratégia e endossar Bolsonaro em sua empreitada presidencial.

Temos um paradoxo, aqui. Bolsonaro é o segundo nas intenções de voto, segundo as mais recentes pesquisas; mesmo assim, nenhuma grande figura política se aproxima ou busca articulação. O único até agora foi Onyx Lorenzoni, cujo destaque é apenas regional e que há tempos briga (sem sucesso) por supremacia dentro da própria sigla, o DEM. Praticamente ninguém que leva sua carreira política a sério no Brasil quer tocar a candidatura Bolsonaro, por um singelo motivo: porque sente que, ao menos no atual momento, ele é uma figura tóxica.

Quando falo em “tóxica”, não estou me referindo exatamente às ideias reacionárias e doentias, ao discurso odioso, ou mesmo à escancarada incompetência parlamentar do pré-candidato. Muito mais importante que isso é a falta absoluta de estofo no que de fato interessa. Bolsonaro é um ignorante total em economia – se duvida, basta assistir esse vídeo de uma entrevista com Mariana Godoy, onde a incapacidade dele fica impossível de contornar.

Suas tentativas de vender a si mesmo como alguém sintonizado com as necessidades dos investidores, aqui e lá fora, foram grandes fracassos. E não vai ser o raquítico fundo partidário do PSL, partido vampirizado da vez, que vai colocar na rua uma campanha eleitoral efetivamente capaz de vencer.

 

Aí está, em resumo, o ponto decisivo que faz a candidatura de Bolsonaro esfriar: ele não é, nunca foi e possivelmente não conseguirá ser o candidato do poder financeiro. E isso é mais que suficiente para inviabilizar todo o resto

 

Bolsonaro só tem a seu favor o potencial viral, o encanto do outsider. Não entende nada de um dos temas centrais do cenário brasileiro atual, e é intelectual e politicamente incapaz de articular com quem entende. Não deve ser menosprezado de forma alguma, mas tampouco deve ser alçado a um status de quase imbatível que ele, claramente, não foi capaz (ainda, pelo menos) de atingir. A pose que adota é a de um fenômeno irresistível, mas o fato é que Bolsonaro está bem menos forte do que gosta de dar a entender.

 

Não há como cravar coisa alguma no cenário atual, mas a tendência, hoje, é que candidatura chegue ao período eleitoral bem mais anêmica (política e financeiramente) do que precisaria, em um partido nanico e com setores significativos atuando concretamente para não oferecer a ela qualquer chance de sucesso

 

Pesquisas são importantes, mas não são apenas elas que decidem para onde a grana vai. São retrato de um momento, de possibilidades ainda não concretizadas; indicam, sim, mas não garantem nada. E se o homem que se destaca nelas é incapaz de garantir qualquer coisa a quem alavanca campanhas no Brasil, não é de se duvidar inclusive que sua corrida pelo Planalto acabe ficando só na promessa, trocada por um alvo mais fácil de atingir, como uma reeleição na Câmara ou um novo cargo no Senado. Afinal, sua pífia atuação parlamentar tem sido, há décadas, seu ganha-pão, e perder a Presidência não deve render muitas palestras e consultorias a alguém como Bolsonaro, se é que vocês me entendem.

Se o jogo é, como deduzo, delimitar dois radicais para surfar entre eles, Bolsonaro pode preparar o lombo. Lula já está emparedado; em poucas semanas, a tendência é de que se confirme sua condenação em segunda instância. Saindo o barbudo do combate, o radical a ser abatido passa a ser Bolsonaro. E suspeito que só a imagem de mito de redes sociais, sem qualquer suporte real e palpável por trás, pode ser insuficiente para segurar a onda.

Foto: Wilson Dias / Agência Brasil

Igor Natusch

O estranho caso do editorial que ama mais Temer do que a realidade

Igor Natusch
4 de outubro de 2017
Brasília - Presidente Michel Temer durante pronunciamento sobre a liberação do PIS-Pasep, no Palácio do Planalto (Valter Campanato/Agência Brasil)

Um dos principais memes da semana acabou tendo origem inesperada: o Estado de São Paulo, um dos mais tradicionais jornais do País. Diante de pesquisas que colocam Temer como míseros 5% de aprovação (o mais baixo índice de um presidente desde a redemocratização), um editorial do citado veículo partiu para uma defesa apaixonada de dar inveja ao casal mais inseparável, atribuindo os índices ora a pesquisas que “não encontram correspondência na realidade”, ora à desinformação que “campeia nestes tempos de fake news”. Contraditórias em si mesmas (afinal, a pesquisa identifica ou não a opinião supostamente desinformada das pessoas?), as duas alegações estão na mesma frase do citado editorial – sinal inequívoco de que o objetivo (proteger o presidente) chegou bem antes dos argumentos no texto em questão.

.

Hoje em dia, afirmar que Michel Temer é impopular é quase elogiá-lo: ele é, na verdade, execrado pela quase totalidade da população brasileira

.

Já tivemos inclusive pesquisa onde, pela margem de erro, sua popularidade poderia ser abaixo de zero entre jovens até 24 anos; a mais recente, do Datafolha, é quase positiva em comparação. Valendo lembrar que, quando Dilma Rousseff bateu nos 7%, o próprio Michel Temer disse a empresários que era “difícil” para qualquer presidente concluir o mandato em semelhantes condições.

De fato, difícil é. O próprio Temer, praticamente escorraçado pela população que governa, ainda tem uma segunda denúncia contra si, que exigirá ainda mais articulação (troca de favores?) no Congresso para não avançar – a primeira, como já sabemos, foi uma farra daquelas. Ainda assim, não é nada impossível, tanto que os prognósticos são, no momento, mais favoráveis à permanência de Temer no trono do que à sua destituição. E a impopularidade, longe de travar suas ações, não impediu que medidas notoriamente impopulares avançassem serelepes pelo Congresso, prontas para dificultar ainda mais a vida de todos nós.

.

Não precisa ser o sábio da montanha para entender que a voz das ruas, mesmo que estivesse pulsando de indignação, não seria suficiente para liquidar o governo Temer – da mesma forma que não é necessário um doutorado em ciência política para concluir que não foram as ruas que apertaram o botão que ejetou Dilma da cadeira

.

Tanto na época quanto agora, são outros elementos que atuam no sentido de forçar ou inviabilizar uma decisão – e boa parte deles são compreensíveis ao ler o cômico editorial do Estadão, que faz parecer que estamos diante de um estadista revolucionário, não de um governante soterrado em denúncias graves e que precisa abrir a guaiaca para garantir que não será processado.

.

Há um sentimento de wishful thinking que perpassa todas as frases do citado editorial. Mais do que demonstrar a suposta injustiça dos índices, o Estadão parece ansioso para legitimar os próprios dados que utiliza, como se fosse preciso tornar os próprios argumentos convincentes antes de elencá-los

.

Ou seja, para ser convencido pelo texto, é preciso acreditar que os dados econômicos fornecidos pelo próprio governo são verdades gravadas em pedra, que os escândalos de corrupção são menos graves e não guardam relação direta com os dos governos petistas (ignorando, claro, que Michel Temer foi duas vezes vice de Dilma Rousseff), que a leitura de que o país é contra o presidente, mesmo alicerçada em numerosas pesquisas, é “simplista” e um “óbvio despautério” e por aí vai. Mais que apreço à lógica e à leitura da realidade, é preciso ter fé, acreditar que o governo não fracassa, que a economia toma fôlego para disparar, que o Brasil não mergulha em um abismo de ilegitimidade política poucas vezes vislumbrado em sua história.

.

Para um pequeno núcleo (produtores e exportadores de matéria-prima bruta, sistema financeiro, as multinacionais favorecidas com generosas isenções e perdões de dívida) o governo não fracassa. Mas também não dá para dizer que triunfa amplamente, já que parte fundamental da tarefa era trazer alguma estabilidade ao País, e ninguém poderá dizer que isso está acontecendo

.

E a ojeriza a Temer é um sinal de que o povo não está na rua, mas que essa ausência não reflete de forma alguma em aprovação ou mesmo indiferença útil. Se não está tudo bem (e parece claro que não está), é preciso gritar aos ventos que está tudo bem, que estamos na trilha certa, e nada disso precisa ser verdade: basta que seja gritado mais alto que o resto, que seja capaz de deixar a verdade inconveniente um pouco menos audível, visível e incômoda.

.

Quem acha que o editorial do Estadão está tentando convencer o conjunto da sociedade está, bem provavelmente, errando o foco

.

Talvez caibam nos dedos das mãos os leitores que efetivamente interessam ao donos do jornal, claramente engajado que estão em vender a leitura mais interessante ao governo que ora ocupa o trono em Brasília. Não sou eu ou você que precisamos acreditar que as pesquisas, antes tão importantes para derrubar Dilma, agora não valem nada: são os que estão gostando de alguns aspectos do governo, e que precisam continuar gostando, para que os patos não voltem às avenidas e as mesmas pesquisas, por um passe de mágica, voltem a ser importantíssimas.

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil