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Cedeu e retrocedeu – Governo reduz proteção de floresta na Amazônia

Geórgia Santos
16 de julho de 2017

Nesta semana eu ia dar algumas dicas sobre como começar a viver de maneira mais sustentável, motivada por uma conversa que tive com meus pais. Mas o governo federal não permitiu. Não, não fui censurada. Acontece que o presidente Michel Temer cedeu à pressão da bancada ruralista e enviou ao Congresso um projeto de lei propondo uma REDUÇÃO NA PROTEÇÃO de floresta na Amazônia.

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É isso mesmo, em meio a uma latente crise de negação da ciência – de dimensões apocalípticas, talvez – o governo brasileiro quer reduzir a proteção ao meio ambiente

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Há um mês, o Executivo vetou a Medida Provisória 756, que reduzia a Floresta Nacional de Jamanxim (Flona), no Pará. Apesar da sinalização positiva, o governo cedeu e retrocedeu: o novo texto prevê uma redução de 349.046 hectares nos limites da Flona.

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O PL propõe uma redução de 27% na área da Floresta Nacional

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Segundo comunicado do Ministério do Meio Ambiente, o projeto foi desenhado para diminuir os conflitos na região e estancar o desmatamento:

“A área onde se localiza a Floresta Nacional do Jamanxim tem sido palco de recorrentes conflitos fundiários e de atividades ilegais de extração de madeira e de garimpo associados a grilagem de terra e a ausência de regramento ambiental. Com reflexos na escalada da criminalidade e da violência contra agentes públicos, sendo necessária a implantação de políticas de governo adequadas para enfrentar essas questões”.

Deixa eu ver se entendi: para evitar o DESMATAMENTO ILEGAL, o governo resolve retirar a proteção que impede o desmatamento. Logo, o desmatamento passa a ser LEGAL e o conflito deixa de existir porque os proprietários das terras da região não vão mais atacar agentes do IBAMA (oito viaturas foram queimadas nas últimas semanas). É isso?

Eu não sou escolada nesse assunto, confesso. Apesar de me preocupar com o meio ambiente e tentar levar uma vida sustentável, não conheço a situação dos conflitos e desmatamentos na Amazônia a fundo. O que sei é que é um problema grande e em ascensão há muitos anos. Mesmo assim, me parece um paradoxo.

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Vamos abrir mão de proteger o meio ambiente para que ele deixe de ser destruído. Essa é a gênese da justificativa genial do PL

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Posso estar errada e estou aberta à discussão, mas me parece mais uma atrocidade contra o meio ambiente. Não só isso, nos mostra que a nossa liberdade termina onde começa o dinheiro do outro, afinal, alguém está enchendo os bolsos com o ar que a gente deveria respirar.

 

 

Geórgia Santos

Nosso muro particular – O fim do Ciência Sem Fronteiras

Geórgia Santos
4 de abril de 2017

Passamos horas debatendo o absurdo do muro que Donald Trump pretende construir para separar os Estados Unidos do México. É um tema quase querido, digamos assim, como se de estimação. Mas esquecemos do nosso pequeno muro particular. Não, Michel Temer não pretende empilhar tijolos para isolar o Brasil de qualquer vizinho que seja, mas ele está, sim, se empenhando em construir uma parede invisível que nos afasta do resto do mundo com o fim do Ciência Sem Fronteiras.

“A justificativa é falta de dinheiro, claro, como se fosse explicação para tudo”

No último final de semana foi confirmada a extinção do programa que financiava o intercâmbio de estudantes de graduação brasileiros em outros países. A justificativa é falta de dinheiro, claro, como se fosse explicação para tudo. O governo alega que o programa deixou dívidas (?) e que os alunos beneficiados não deixaram resultados expressivos em suas universidade – e aqui a vontade é de colocar um milhão de pontos de interrogação.

Há tantas perguntas que me faço ao ouvir essas pseudojustificativas. Que dívidas? Com quem? O que são resultados expressivos? Qual seria a resposta adequada dos alunos? Em quanto tempo esses resultados deveriam aparecer? Quais são esses resultados? Dinheiro? Pesquisa? Enfim. Eu passaria o dia todo fazendo perguntas. A questão é que o governo deixa claro que trata a educação como negocio e não como uma ferramenta transformadora de – preste atenção nisso – longo prazo.

Eu tenho relativa experiência com estudo no exterior. Fiz um mestrado em Portugal e agora estou como pesquisadora visitante nos Estados Unidos. Essa jornada começou em 2013, há quatro anos, quando fui uma das escolhidas pelo Instituto Ling para participar do programa Jornalista de Visão, que oferta bolsas de mestrado no exterior. Somente agora começo a devolver um pouco, muito pouco, do que me foi ofertado. Seja por meio da minha pesquisa sobre mídia, protestos e democracia no Brasil ou por meio deste que Vós fala.

O governo quer resultados imediatos? Quer retorno financeiro? Quer pesquisas que comecem e terminem em meses? Bom, isso não existe.

O muro invisível de Temer isola jovens ansiosos e brilhantes. Evita o crescimento que só o diferente pode nos ofertar. Impede que alunos curiosos evoluam fora de sua bolha a menos que tenham condições financeiras para tal – e sabemos que a maioria dos brasileiros não tem.

Digo isso, no entanto: tenha certeza, senhor Doutor Michel Temer, que os “resultados expressivos” aparecerão em alguns anos. O conhecimento daqueles que foram o senhor não pode extinguir.

 

 

 

Igor Natusch

Alexandre de Moraes e o Judiciário contaminado

Igor Natusch
8 de fevereiro de 2017
Brasília - Michel Temer coordena primeira reunião com sua equipe após tomar posse na Presidência da República do Brasil. À direita, o ministro da Justiça e Cidadania, Alexandre de Moraes (Valter Campanato/Agência Brasil)

A indicação do atual ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal é desastrosa em vários níveis. Não apenas porque o indicado coleciona fracassos e eventos questionáveis em sua gestão, que vão desde uma pretensão absurda de erradicar a maconha em todo o continente (algo que ele, noves fora o delírio, ele não tem alcance legal para fazer) até uma mentira descarada sobre a presença de tropas federais em Roraima, passando por uma gestão desastrada do Fundo Penitenciário – tudo em meio a uma situação caótica e sangrenta em vários presídios do país. Também não é pelo seu histórico desastroso na Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, onde comprovadamente mascarou dados de homicídios para fingir que a situação não era tão grave quanto sabemos que é. Tudo isso, claro, causa consternação – mas poderia ser rebatido a partir do notório saber jurídico e da produtiva carreira acadêmica do ministro, considerado uma das mentes mais promissoras do Direito brasileiro antes de transformar-se em (mau) gestor. Um exercício difícil, mas que não estaria proibido, de forma alguma.

O problema maior, porém, não está na incompetência do indicado. Incompetentes, no STF, têm sido mais comuns do que deveriam, inclusive. O intolerável está nas notórias, e jamais disfarçadas, afinidades políticas de Alexandre de Moraes. Filiado ao PSDB desde 2015 até pouco depois da indicação, ele é facilmente a mais politiqueira das indicações ao STF em muito tempo, superando com folga a presença de gente como Dias Tóffoli – que já era, convenhamos, mais do que suficiente nesse sentido. Já na pasta da Justiça a postura de Moraes era pouco republicana, repassando informações sigilosas ao núcleo de Michel Temer e antecipando ações da Lava-Jato contra o PT para contar vantagem em pleno palanque eleitoral, algo tão insólito e grave que motivou até um editorial no Estadão pedindo que ele renunciasse. Um alinhamento político que sempre rendeu frutos, fazendo dele um dos poucos nomes com trânsito irrestrito entre os tucanos e garantindo a blindagem de Temer, que jamais cogitou retirá-lo do posto, mesmo no auge da crise na segurança pública do país.

A independência entre os poderes não é apenas um conceito bonito: é algo fundamental para uma democracia minimamente saudável, pelo qual vale a pena (e muito) lutar. Só sendo muito #teamTemer ou #foraPT para ignorar o cheiro nauseante que emana dessa indicação – o mesmo fedor, aliás, que sentimos diante de Moreira Franco alçado a ministro, cargo que dá a ele o mesmo foro privilegiado que Gilmar Mendes negou a Lula no ministério de Dilma Rousseff. O mesmo Gilmar Mendes, aliás, que não se constrange em visitar e até pegar carona no avião de Michel Temer, a quem pode julgar enquanto presidente do TSE… Bem, acho que dá para entender onde quero chegar.

A indicação de Alexandre de Moraes – que inclusive nega e ridiculariza o que ele próprio disse em sua tese de doutorado – coloca como revisor da Lava-Jato alguém que estava até ontem no coração do governo que convulsiona por causa desta mesma investigação, sob a suspeita indisfarçável de que será um soldado do governo, e não da sociedade brasileira, durante sua longa estada na mais alta corte do Brasil. Nesse cenário, como não lembrar de Romero Jucá falando, na gravação agora famosa, de “estancar a sangria” com um “grande acordo, com STF, com tudo” – um spoiler tão eficiente que é quase o pré-roteiro de tudo que andamos vendo atualmente? Se o dito aparelhamento do Estado pelos governos petistas preocupava ao ponto de motivar protestos pedindo impeachment, como podem esses escandalosos sinais atuais de aparelhamento serem vistos com indiferença ou, pior ainda, relativizados?

Um dos sinais mais claros de um ambiente democrático se esfarelando é o desinteresse por princípios que se erguem acima das conveniências partidárias ou das raivinhas de ocasião. Qualquer um que deseja uma democracia sadia no Brasil, independente de alinhamento ideológico, deveria estar no mínimo assustado com a perspectiva de Alexandre de Moraes no STF. Porque ele escolheu virar um gestor incompetente ao invés de se aprofundar na doutrina, porque ele mente e dissimula informações de interesse público, porque já demonstrou destempero e falta de isenção em inúmeros momentos – mas, acima de tudo, porque é fortíssima a suspeita de que estará lá apenas para fazer o serviço do grupo político que está no poder. São sombrias as perspectivas para um país que aceite essa barbaridade sem espernear.