Igor Natusch

Marchezan segue a trilha do conflito, e abre caminho para coisa pior

Igor Natusch
2 de agosto de 2017
Foto: Luciano Lanes / PMPA

Entrando em seu oitavo mês de mandato, Nelson Marchezan Jr. tem deixado bem clara a disposição de seguir uma trilha de conflito, com poucas margens para conciliação. E o faz de uma forma não necessariamente truculenta, jogando com o imaginário de seu eleitorado cativo e consolidando, ao invés de enfraquecer, a imagem de pessoa dinâmica e dedicada a soluções, sem concessões e sem desperdício de tempo. Não é o único a adotar tal fórmula, nem o mais destacado, muito menos um inovador – mas seu exemplo é útil para entender alguns aspectos (bastante preocupantes, creio eu) da política atual.

Na última semana, a prefeitura de Porto Alegre lançou uma série de projetos e ideias que mudam radicalmente aspectos importantes da relação da população com a cidade.

Eliminar a gratuidade da segunda passagem de ônibus, propor que idosos e estudantes paguem mais do que hoje pagam para se deslocar, legalizar a deplorável prática do parcelamento de salários, aumentar os valores do IPTU, entregar à iniciativa privada serviços de água e esgoto – tudo isso proposto com pouca ou nenhuma discussão prévia com a sociedade.

Algumas dessas mudanças contradizem declarações dos tempos de campanha, outras sequer haviam sido ventiladas antes de virarem projetos de lei. E tudo que as sustenta é um slogan simplificador, muito mais vago do que parece: a afirmação de que estamos em grave crise financeira e é preciso agir rápido para que as coisas não fiquem ainda piores. É uma agenda que nunca foi exposta às claras, nem mesmo aos vereadores da base aliada, que periga virar lei sem que se conheça suas implicações e sem que haja certeza que a cidade concorda com ela. Ilegal não é, por certo, mas não é nada transparente.

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Diante de críticas que, certas ou erradas, nada têm de desonestas ou ilegítimas, a resposta de Marchezan e de sua gestão tem sido fomentar um confronto permanente, ainda que edulcorado com toques de populismo de internet

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Ao fazer vídeos dançando e editar decretos fictícios que, em meio ao pretenso bom humor, trazem críticas pouco veladas aos oponentes políticos, o prefeito opta por angariar simpatia ao invés de convencer no embate de ideias. Não se dirige à população, mas sim ao grupo que o elegeu, reforçando os elementos de aproximação entre eles – em especial os que remetem à antipatia contra os inimigos de esquerda.

Todo questionamento à atual gestão é imediatamente arremessado aos pecados de gestões anteriores e/ou de inimigos comuns, quando não atribuído diretamente a uma desonestidade, política ou intelectual, de quem traz as questões. Em certo sentido, a campanha eleitoral não acaba nunca – e se a necessidade de escolher um lado está sempre presente, anula-se a ideia de governar para todos, já que a oposição nunca abandona o cenário político.

Repito: Marchezan não é o criador dessas coisas, tampouco um inovador nesse sentido. É, para o bem e para o mal, só mais um. Ou é muito diferente o que João Dória tem feito sistematicamente em São Paulo, parecendo mais preocupado com Lula e o PT do que com a cidade que governa? É muito diferente do que José Ivo Sartori faz no Rio Grande do Sul, propondo extinção de fundações sem jamais explicar o benefício que tal medida traria e tentando arrancar da população o direito de decidir, em plebiscito, se topa ou não vender suas principais estatais? Diferencia-se tanto assim das medidas de Michel Temer na esfera federal, promovendo a toque de caixa e sem debate prévio drásticas mudanças na legislação sob a alegação de que é preciso “modernizar” para “retomar o desenvolvimento”?

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No coração da dita democracia brasileira crescem práticas que são pouquíssimo democráticas. E elas se multiplicam na medida em que há uma falência de princípios importantes para a democracia: a transparência, o debate, a coletividade

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Na medida em que o processo eleitoral deixa de ser uma escolha coletiva e passa a ser uma mera legitimação de grupo, andamos rumo à exceção. E dizer isso não é dizer que Marchezan, ou Dória, ou Temer (ou mesmo Lula, por exemplo, que andou por trilhas semelhantes em vários momentos e parece seduzido pela ideia de fazê-lo uma vez mais) são fascistas ou autocratas. Eles apenas estão, desejosos ou não, conscientemente ou não, pavimentando o terreno. Entenderam, de forma consciente ou instintiva, o caldo de cisões do nosso tempo, e o usam a favor de suas agendas. Se não temos certeza de como agir diante disso tudo, que ao menos não nos falte o alerta: isso pode nos criar problemas bem maiores do que um prefeito querendo governar sozinho.

Foto: Luciano Lanes / PMPA

Geórgia Santos

Eu quero Porto Alegre de volta (mas tenho medo de ser baleada dentro de casa)

Geórgia Santos
20 de fevereiro de 2017
Porto Alegre, RS - 15/01/2017 Domingo na Redenção Local: Parque Farroupilha (Redenção) Foto: Joel Vargas/PMPA

Eu quero Porto Alegre de volta. Vivo em Porto Alegre há 12 anos e vivo bem. Foi a cidade que escolhi e que me acolheu. Sempre me senti à vontade na capital gaúcha, provavelmente por ser uma espécie de híbrido entre uma cidade pequena e uma cidade grande. É uma metrópole, claro, com milhões de habitantes, trânsito intenso e uma cena cultural bastante importante. Mas também é aquele tipo de cidade em que a gente vive encontrando conhecidos pelas ruas, em que nada é segredo, igualzinho ao que acontece no interior.

A adaptação não foi fácil, mas também não foi o bicho. Eu saí de um município de 7 mil habitantes, tateando, mas me senti em casa quando cheguei à cidade grande. Eu não tinha medo. Porto Alegre me tem, eu pensei. Hoje, isso mudou.

“Um carro entra na contramão, dois homens armados saem do veículo apontando duas pistolas na direção de dois caras que estavam na calçada. Meu instinto treinado por um pai delegado não teve dúvidas: “gurias, pro chão””

É meu aniversário e eu estava a celebrar com duas amigas. Bebíamos um bom vinho branco argentino, um torrontés, e conversávamos sobre coisas boas e ruins enquanto destilávamos no calor que nem o ar condicionado era capaz de aplacar. Nesse meio tempo, eu olho pela janela, que estava aberta na altura dos meus olhos, e vejo uma cena que já não é mais inusitada. Um carro entra na contramão, dois homens armados saem do veículo apontando duas pistolas na direção de dois caras que estavam na calçada. Meu instinto treinado por um pai delegado não teve dúvidas: “gurias, pro chão”.

Perdendo Porto Alegre

Estávamos ali, nós três, jogadas no chão durante a celebração do meu aniversário. Com medo de sermos baleadas dentro de casa. Porto Alegre não me tem mais

Como disse, já se vão 12 anos da minha relação com essa capital e eu sou muito feliz aqui. Mas sim, agora eu tenho medo. Muito medo. Porto Alegre foi abandonada por quem tinha que cuidar dela e a consequência é que a estamos entregando a quem não merece. Somente neste final de semana, 40 pessoas foram assassinadas no Estado, 12 somente na capital.  A situação é insustentável. Não se trata de uma sensação de insegurança, ela é real.

Eu quero Porto Alegre de alegre de volta.