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Todo Dia Oito #8 Aracy, a justa que adorava batom vermelho

Geórgia Santos
8 de outubro de 2021

Todo Dia Oito. Todo dia oito, uma história, todo dia oito, uma mulher

No oitavo episódio do podcast, Aracy, a justa que adorava batom vermelho. Ela conviveu com uma das grandes injustiças enfrentadas por mulheres casadas com homens notáveis. Viver à sombra do marido. Ser a “esposa de alguém”. Aracy Guimarães Rosa é a Ara a quem é dedicada uma das maiores obras da literatura brasileira. Mas como uma certa ironia do destino, para uma mulher que tanto enfrentou injustiças, depois de viúva, ela foi reconhecida como uma Justa Entre As Nações.

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Pesquisa: Flávia Cunha e Geórgia Santos

Roteiro: Geórgia Santos e Flávia Cunha

Locução: Raquel Grabauska, como Aracy Carvalho Guimarães Rosa

Apresentação e edição: Geórgia Santos

Trilha sonora original: Gustavo Finkler

Os áudios com a vozes de Eduardo Tess, Margarethe Levy e Bella Herson foram extraídos do documentário “Esse viver ninguém me tira”, de Caco Ciocler. Além dos livros citados ao longo do episódio e do documentário, para a pesquisa sobre a vida de Aracy foram consultados artigos de Daniel Reizinger Bonomo , Tânia Biazoli e Neuma Cavalcante, e reportagem da jornalista Eliane Brum publicada na revista Época em 2008. Além da trilha original, ouve-se trecho de Casinha Feliz, de Gilberto Gil, e o tema de abertura da minissérie da Globo, Grande Sertão: Veredas.

Pedro Henrique Gomes

Crítica – Imagens do Estado Novo 1937-45

Pedro Henrique Gomes
28 de abril de 2018

Imagens do Estado Novo 1937-1945 entra deliberadamente num vespeiro ao vasculhar materiais históricos, tais como imagens, canções populares, discursos radiofônicos, matérias em jornais, livros, filmes e, em essência, o diário mantido pelo próprio presidente Getúlio Vargas no intuito de oferecer sua narração sobre tudo isso.

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As imagens são mesmo abundantes e preenchem todo o filme.  E o off, narrado pelo próprio diretor Eduardo Escorel, acompanha, dando-lhes contexto e, claro, uma leitura particular (a do narrador) responsável por organizar, sistematicamente, todo o período do Estado Novo nas quatro horas de duração do filme.

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Getúlio Vargas, claro, é o personagem central, por onde se embaralham e percorrem todas as intrigas palacianas, tramas políticas, influências familiares, ameaças comunistas, comícios populares, oposições oligárquicas e toda sorte de relações que o seu governo produzia com o estrangeiro.

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Escorel começa, em fato, antes do Estado Novo (1937-45). Começa quando o movimento de 1930 (aka Revolução de 30) depôs Washington Luís da Presidência, dando fim a Primeira República. Ainda que breve, a narrativa inicia, nem que seja para fins contextuais, quando da chegada de Getúlio à presidência, em 1930, e vai terminar, após longos 34 anos, com o golpe de 1964 que depôs o então presidente João Goulart. A narração permite, no entanto, que a história se demonstre invariavelmente interconectada, comportando avanços e recuos no tempo da ação para indagar seja uma formação política, um gesto ou uma reviravolta na trama que conduz o filme. Os fatos não estão dados de antemão para o documentarista e pesquisador que é Escorel, ele irá percorrê-los, questioná-los, desconfiar das imagens que ele próprio mostra. Imagens do Estado Novo é resultado de uma pesquisa de muitos anos e que se traduz, como vemos, num panorama histórico ao qual podemos voltar várias e várias vezes, a depender das instâncias do nosso interesse.

De modo a não perder o movimento dos eventos, Escorel prefere o estilo clássico do documentário, como quem assume que a distinção de seus temas e não permite incorreções derivadas de leituras “emancipadas” da materialidade da história que narra. Apesar do eloquente racionalismo da narração, que busca se esquivar de subjetividades interpretativas, o filme propõe vários caminhos para nos aproximarmos do Brasil varguista e de todas as suas variadas formas e contradições. Seu objetivo, mais do que fazer memória com o processo histórico brasileiro que convulsionou a primeira metade século XX, consistiu precisamente em dar relevo a fragilização institucional do país, sua regular instabilidade política e seu baixo teor de participação democrática, tendo como nervo da ação o presidente Getúlio Vargas.

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Para contar essa história tendo Vargas como eixo é preciso ir longe sem sair do lugar

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As elites oligárquicas nacionais, saudosas do nacionalismo, estão aí desde a gênese do Brasil, maculadas nos sorrisos que desfilam nos banquetes palacianos, nas marchas autoritárias destituidoras e que provocam constantes abalos sísmicos na estrutura das instituições brasileiras. Ora, legitimidade para governar nunca foi permitida por muito tempo neste país que tanta vezes golpeou a si próprio e aos seus. Tomar o risco de buscar capturar as variações e dimensões da trama política nacional é, por si só, um desafio notável. Escorel acredita na força do documento. A natureza imponente da pesquisa contribui para que sua narrativa não disperse o interesse do espectador. A trama é complexa e recheada de contradições.

A simpatia de Vargas pelo nazi-fascismo é motivo de escrutínio por Escorel. A legislação trabalhista inaugurada pelo presidente e cujas fontes de inspiração são conhecidas ganham significativo destaque: tanto o malgrado populismo varguista quanto as suas reformas nos direitos sociais compõem diferentes faces de uma mesma moeda, basta vermos como a progressiva expansão dos direitos sociais não foi acompanhada pela expansão dos direitos políticos, antes pelo contrário. O nacionalismo econômico que sustentou o Estado Novo e rendeu ao governo o apoio dos integralistas liderados por Plínio Salgado – o anticomunismo os unia; da Alemanha hitlerista e de uma população majoritariamente católica, que decerto não podia ouvir falar em comunismo, Mao e União Soviética – foi possível através de uma bem difundida rede de censura da imprensa e das atividades políticas da oposição.

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O caráter autoritário do Estado Novo era evidente no modo paternalista com que tratava o povo (a ideia de povo, pelo menos).

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Filho do positivismo, não interessava ao governo do “pai dos pobres” ter o povo nas ruas senão como figurantes de seus desfiles e eventos propagandísticos. Ele queria a conciliação do patrão e do empregado. Mas como a política não comporta sentimentalismos, Vargas seria eleito pelo voto em 1950, mesmo após ter sido golpeado e apeado do poder pelos militares em 1945, quando se encerrava, tradicionalmente pela força, o Estado Novo.

Imagens do  Estado Novo conecta várias pontas dessa trama, deixa pontos de fuga e desafios reflexivos para o espectador realizar. Afora sua grandiosa empreitada intelectual, de estudo e pesquisa, há um caráter de exegese de certa sensação de democracia que o Brasil poucas vezes teve ou teve com baixa intensidade. A experiência de um golpe militar, tão recorrente na história brasileira, é ainda muito viva. Escorel faz jorrar a sangria para explorar, nos detalhes, as tensões do Estado Novo e o quanto ele ainda pode ser representativo para pensarmos os desdobramentos da política atual pela via da construção de discursos, tal como o seu próprio.