Reporteando

Jornalismo e seus (ainda) tabus

Renata Colombo
25 de abril de 2017

 

* por Renata Colombo e Évelin Argenta

Noticiar um suicídio é um tabu no jornalismo. Via de regra, quase não se usa esta motivação ao noticiar casos de polícia ou mortes trágicas. A gente chega a dizer que a pessoa foi encontrada morta e pára por aí, sem muitos detalhes. Superficialmente explicando, evitamos falar que alguém se matou justamente para não dar a ideia a quem cogita esta possibilidade. É, inclusive, uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Mas o assunto precisa ser abordado. É preciso falar sobre isso. De forma diferente, de forma reflexiva, colaborativa. É também papel da imprensa alertar às pessoas e mostrar que existem organismos que trabalham para ajudar quem sofre com depressão.

E por que não dar notícias boas também? Fazendo um mea culpa, damos pouquíssima atenção para notícias boas. Elas geralmente perdem de goleada quando estão no páreo com as ruins.

O Centro de Valorização da Vida, o CVV, ganhou destaque nas últimas semanas pelo aumento no número de chamados de pessoas que pensavam em se suicidar. Os pedidos de ajuda dobraram. Neste meio tempo veio a série da Netflix que fala justamente do assunto.

A polêmica de “13 Reasons Why”

A produção aborda os problemas pelas quais uma jovem passa em determinado período da adolescência e mostra, em detalhes, como ela acaba com a própria vida. Na trama, ela reúne 13 motivos para o suicídio, descreve cada um em gravações e entrega às pessoas que considera culpadas pelo seu sofrimento.

A série gerou polêmica. Enquanto algumas pessoas consideram-na adequada por abordar um assunto tão abafado, desperta preocupação em outras pelo forte poder sugestivo – psiquiatras, inclusive. 

Entre as abordagens positivas, destaco a discussão sobre a depressão na adolescência, a falta de diálogo na escola sobre o assunto e os pequenos, bem pequenos sinais, que o jovem tenta mostrar quando está à beira de cometer algo tão drástico. Sem falar no fato de que evidencia o impacto que determinadas ações, aparentemente inofensivas, tem na vida de um adolescente.

A série peca, no entanto, ao justificar o suicídio da personagem. Algumas das 13 razões que levam a personagem ao suicídio são, de fato, gravíssimas. Outras, porém, por mais dolorosas que sejam, são dramas da juventude pelos quais qualquer pessoa passou ou ainda vai sofrer antes dos seus 20 anos. Algumas coisas são inerentes à idade. Não conheço jovem que não tenha sido “traído” pelo ficante ou pela amiga, que não foi chamado de apelido que odiava. Isso é horrível e as pessoas precisam saber que não é maneira de tratar ninguém, mas também não acredito que possa ser usado como motivo para justificar um suicídio em uma série de televisão. É perigoso demais.

O que mais vale nisso tudo é a discussão e o fato de que estamos falando sobre isso. Talvez, se não fosse a série, muita gente ainda estaria olhando para o telefone e pensando se vale mesmo a pena lutar pela vida. Vale sim.

Tira esse telefone do gancho. 

Reporteando

Documentário – onde as histórias ganham mais voz

Renata Colombo
28 de março de 2017

Sempre tive um sonho como repórter. Um só. Fazer um documentário.

Uma boa reportagem, ótima, daquelas de se orgulhar, pode chegar a uma grande reportagem, especial, de profundidade. E ela pode ser um documentário. Neste formato, as histórias reais, de gente de verdade, as coisas que impactam na vida das pessoas ganham uma plástica menos bruta, melhor editada.  Parece que dá ainda mais voz a quem tem o que contar, que não é o repórter, é a fonte, o personagem.

Um que adoro se chama Nascidos em Bordéis. É uma reportagem que qualquer jornalista baba. Sabe por quê? Porque como toda boa reportagem ela toma um rumo diferente, que não estava no script, nos surpreendendo com o que descobrimos pelo caminho. Tem frio na barriga melhor que esse para um repórter? Desconheço.

A fotógrafa inglesa Zana Briski ia somente retratar o cenário de prostituição do distrito de Linha Vermelha, em Calcutá, até resolver entregar uma câmera fotográfica nas mãos de crianças que viviam no lugarejo abandonado. Os resultados, obviamente, foram surpreendentes. As fotos revelaram histórias que as crianças não tinham coragem de contar. As imagens mostraram a realidade triste de um local em que o destino das meninas era a prostituição, que não tinha escola e onde as crianças viviam sem perspectiva de futuro.

Essa semana estreia nos cinemas um que retrata a nossa realidade de forma dura e despida. Tenho orgulho de dizer que ajudei a dar o pontapé inicial na produção, mas o mérito do resultado sensacional não é meu.  A partir de quinta-feira, dia 30, estará nos cinemas o documentário Central – O poder das facções no maior presídio do Brasil, dos meus corajosos amigos Tatiana Sager e Renato Dornelles.

É triste, porém enriquecedor, mergulhar em universos onde a gente enxerga que o ser humano pode ser ainda mais primitivo, escroto e desumano. Central nos leva a uma reflexão difícil. Uma mistura de desesperança, de medo, de nojo e por que não de compaixão.

Está feito o convite. Assistam. Eu, como repórter, devorei cada imagem inédita, cada cenário conhecido, cada depoimento revoltante, cada pensamento sobre a vida e o que fazemos dela. Acho que vocês vão gostar.

Prometo que quando fizer o meu convido também!

 

Reporteando

A dúvida é a humanidade da reportagem

Évelin Argenta
22 de março de 2017

A ideia fixa é a morte do jornalismo. Dar o passo e comprovar uma tese é o pior caminho para a reportagem. O exercício da dúvida, o permitir-se titubear é o que ainda nos mantém no rumo certo. É o exercício mais complexo a ser feito em momentos de ideias confortáveis. A dúvida é a humanidade da reportagem.

Depois de alguns anos contando histórias, encontrei uma que não queria contar. pelo menos não do jeito tradicional, desse jeito de rádio que aprendi a fazer quase automaticamente. Sei reconhecer a melhor sonora em poucos minutos. edito, falo no improviso, sei o ponto certo de engatar outra. Assim, em um minuto e meio, resumo o mundo.

Mas essa história não merecia uma sonora. Merecia horas do nosso mundo

Era o juri de um caso complexo, mas sem polêmicas. Não havia polêmica alguma, discordância alguma nas imagens que mostravam três policiais militares assassinando a tiros um homem rendido, sentado no chão, em uma área nobre de São Paulo. O homem era um jovem de 18 anos e tinha roubado uma moto minutos antes. Provavelmente nem estaria naquele bairro cheio de condomínios fechados se não fosse a circunstância. Foi perseguido, entregou-se e morreu. Assim, às duas da tarde de um feriado de independência. O caso veio à tona dias depois, quando as imagens das câmeras de segurança de uma dessas ilhas de sossego chegaram à imprensa. Nem o noticiário sangrento e gritado dos fins de tarde apedrejou “os bandidos” e, quase dois anos depois, veio o dia do veredicto.

O julgamento

No tribunal, os três Policiais em nada lembravam aqueles das imagens. Em suas fardas, tinham passos certos, quase ensaiados e um desfecho pronto. Em frente ao júri eram a imagem do achaque. “Sim senhor.” “Não senhor”. “Não fiz isso, não, senhor”. Eram jovens também. O mais velho não passava dos 30. Nossos olhares nunca se cruzaram. Eu olhava pra eles e eles olhavam pro chão.

Enquanto defesa e acusação se enfrentavam numa espécie de festival de atuação, eu olhava para eles e buscava a humanidade que eu não queria encontrar. Eu queria que fossem condenados. Que pagassem pelo crime que cometeram. Eles não deveriam despertar em mim qualquer traço de piedade. “Mataram um homem sem chance de defesa” era o que dizia o promotor. “A sonora perfeita”, meu espírito de rádio. Mas eles precisavam ser julgados. Precisavam ter a chance da defesa.

Os advogados

Ao lado deles, cinco dos melhores advogados de São Paulo. Um deles, conhecido por defender Policiais Militares e conseguir bons resultados. Uma das únicas derrotas foi o caso Carandiru, que teve o julgamento anulado recentemente. Não teve nenhuma grande derrota, então.

O júri

Os jurados, cinco homens e duas mulheres, olhavam atentamente para os gestos daquele homem que esvoaçava a toga preta aberta. Parecia um corvo, curvo. Gritava o mantra dos tempos obscuros. A cada “bandido bom é bandido morto”, me contorcia na cadeira, sempre sob o olhar de um policial militar que fazia a segurança do fórum. Levantei duas vezes durante as oito horas de debate para passar informações à redação. Do outro lado da linha, pouco importava o embate. Queriam a sentença. Aceitei a minha.

Não atendi a alguns telefonemas que mostravam no visor “Estúdio do Ar”. Se era a sentença o interesse, não podia resumir o mundo todo naqueles “você tem quarenta segundos, flor!”. Como não podia usar o celular no tribunal, me dediquei como a uma aula de história. Maldita tecnologia que me tirou a mania de andar com cadernos e canetas marca texto!

O processo

Sem o peso da ansiedade das sonoras, resolvi ouvir com atenção a todos os argumentos dos advogados, que alegavam legítima defesa dos policiais. Sim, eles estavam se defendendo de um homem rendido, sentado no chão e sem camisa. E se estivessem? Me permiti fazer essa pergunta em silêncio. E se aqueles homens, que ganham pouco e não têm preparo algum para a rua tivessem, realmente, se assustado com um movimento brusco do suspeito (como dizia o advogado) e tivessem atirado por reflexo? Então talvez o réu devesse ser outro. Quem deveria responder pela morte do jovem?

O promotor também prendeu minha atenção quando perguntou o que diferenciava aqueles homens “da lei” dos homens “fora da lei”, que matam “por susto” em latrocínios? O que transformava os últimos em bandidos bons e mortos e os primeiros em heróis condecorados? Por que a vida de uns vale menos que uma moto?

A sentença

Foram mais de duas horas de sala secreta, quando os jurados se reúnem para determinar a sentença. Na sala de imprensa a opinião era quase unânime: “Vão ser absolvidos”. O que nos levava a tal conclusão era um vídeo exibido pela defesa nos 10 minutos finais, com imagens de policiais sendo rendidos e mortos por “bandidos maus e vivos”. Cada imagem era narrada aos gritos pelo advogado. Ex-policial, engasgou o pedido de absolvição num início de choro.

Na leitura da sentença, todos os textos prontos, com alguns espaços para trocar as palavras “absolvidos” por “condenados”. Lacunas vazias esperando os anos de pena, caso a segunda alternativa se comprovasse.

A juíza, terceira mulher no meio de tantos homens julgadores, decidiu que a diferença entre os policiais e o ladrão de moto é tudo o que separa os dois mundos. Os homens da lei não tinham aquele passo ensaiado por acaso. Ele era ensaiado, de fato. Sabiam usar as permissões da lei a seu favor. O ladrão de moto não tinha nada por si.

Homicídio simples para um dos PMs. Doze anos e cinco meses. Bem menos que os 26 que a acusação queria, com todos os agravantes. Absolvição para os outros dois.

Vitoria da defesa. Satisfação da promotoria.

Reporteando

Sobre ser mulher no jornalismo

Renata Colombo
7 de março de 2017

Não é fácil ser mulher no jornalismo, por mais que a gente queira acreditar que não há diferenças de tratamento, de salários e coisa e tal. Especialmente quando se chega ao assunto do assédio a que somos submetidas constantemente.

Qual de nós, repórteres, nunca ouviu uma daquelas piadas infames na redação?

“Que espetáculo, hein fulaninha”

Quem nunca teve que conviver com a preferência da fonte pela jornalista mulher?

“Se é pra ela, eu conto tudo”

Quem nunca levou cantada de entrevistado e teve que sair de uma saia justa?

“Da próxima vez, em vez de um café te levo para tomar um vinho”

Falemos um pouco, verdadeiramente, sobre como é ser mulher em mais um universo machista e masculino. E aí não me refiro só ao ambiente jornalístico, a redação em si, mas a todos por onde a profissão transita, com destaque para o político e policial.

“Tua missão passa a ser não somente acompanhar os flagrantes, entrevistar e gravar, mas também tentar ser invisível”

Não existe coisa mais constrangedora do que repórter chegando em operação policial ou delegacia. Tua missão passa a ser não somente acompanhar os flagrantes, entrevistar e gravar, mas também tentar ser invisível. Sério, a gente se sente das duas uma: um ET ou um bife daqueles bem suculentos. Não é nem um pouco confortável. E olha que cobrir operação, perseguição, pode ser bastante interessante, principalmente para quem está em início de carreira.

Mulheres e o poder

Mas vamos, neste dia da mulher, à situação “mais mais” dentre as constrangedoras: ser repórter em Brasília. Político em Brasília se acha Deus – ou melhor, tem certeza que é. E nesta condição, a maioria daqueles homens, com todo aquele poder, pensa que pode olhar ou falar o que quiser e da maneira que quiser para as repórteres que circulam pelos corredores do poder. Não é raro ministros, senadores e deputados convidarem jornalistas para sair. Não é raro agirem como quem tem a resposta que tu queres e, por isso, acreditam que podem pedir o que quiserem em troca.

Só sei que em tempos de empoderamento feminino vale sempre lembrar que podemos, sim, responder e dizer não.

E aproveitando o gancho, neste dia 8 de março vai rolar um tuitaço de um grupo muito legal de jornalistas que luta contra essas “gracinhas” ridículas da profissão. Procura lá #jornalistascontraoassedio que tu vai encontrar reflexões bem interessantes.

Na minha modesta opinião, o problema não é receber flores nesta data, mas elas não serem entregues diariamente.

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A fonte deve ser preservada

Renata Colombo
21 de fevereiro de 2017

Ao longo da carreira, jornalistas passam por maus bocados e situações que preferem não lembrar. Somos agredidos, ameaçados, chantageados. Nós, mulheres, frequentemente assediadas. Há algo em nosso trabalho que faz com que as pessoas pensem que somos propriedade delas, ou algo do tipo. Coisas de poder. Sem contar na pressão para divulgarmos nossas fontes. Parecem esquecer que a fonte deve ser preservada. E não sou eu que estou dizendo, é a Constituição Federal.

Mas em meio a tanta coisa desagradável, temos nossos momentos de diversão. E, sim, rimos muito também.

Eu era uma repórter iniciante, uma “foca”, como chamamos no linguajar jornalístico. Era meados de 2009 e eu produzia uma reportagem dessas de prestação de serviços na área da saúde. Não lembro se era sobre gripe, vacinação ou falta de leitos em hospitais – algo bastante comum em Porto Alegre, infelizmente. Mas lembro que era para ser uma matéria trivial, cotidiana da cidade. Como já trabalhava em rádio há um tempo, tinha muitas fontes em hospitais e de profissionais da área e não era difícil o acesso às pessoas, na maioria das vezes. Então liguei para um médico “bam-bam-bam” pedindo uma entrevista para aquela tarde mesmo. Tinha que fechar a reportagem até o fim do dia.

“Dei início a entrevista e tudo corria tudo muito bem até que o telefone captou um ruído estranho vindo de dentro do consultório silencioso do médico”

Estávamos preparados, o operador na mesa de áudio e eu, que já estava no estúdio. Tudo estava certo. Até a hora de a gravação começar.  Dei início a entrevista e tudo corria tudo muito bem até que o telefone captou um ruído estranho vindo de dentro do consultório silencioso do médico. O operador e eu fechamos todos os microfones e tivemos ataques de risos. Daqueles fiasquentos, mesmo, de encher o olho de lágrimas e coisa e tal. Foi difícil finalizar. A conclusão a que chegamos é de que também era para ser silencioso o pum que o doutor deixou escapar.

Sim, ele soltou um peido, mesmo. No meio da gravação. E tão alto que conseguimos ouvir.

Guardo a gravação até hoje, mas é claro que, como sempre no jornalismo, não revelo a fonte nem sob tortura. É muito importante preservar as fontes.

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Jornalista vende (?)

Renata Colombo
14 de fevereiro de 2017

Eu sou fã do jornalismo. A essa altura, penso que é alto que já  ficou bastante claro. Acho uma das profissões mais fantásticas e necessárias. E não somente porque é a minha, mas porque penso que cumpre um papel importante na vida em sociedade. Quando coloco algo aqui mais negativo ou reflexivo não é porque sou algum tipo de mensageira do apocalipse ou uma pessimista compulsiva.  Aliás, que fique claro, se tem algo que eu não faço é reclamar. Mas algumas curiosidades nesta vida reporteira chamam atenção. E às vezes não é algo positivo.

“Já vi jornalista vendendo marmita, brigadeiro, suco, salada de fruta, roupas, obras de arte, e por aí vai”

Que o glamour do jornalismo é totalmente  ilusório não se tem dúvidas, afinal, o colega homenageado ou premiado é o mesmo que pisou no barro, no cocô e voltou fedendo a fumaça. Mas uma coisa que tem crescido nas redações e vai além das agruras naturais da profissão é o famoso “bico”. Já vi jornalista vendendo marmita, brigadeiro, suco, salada de fruta, roupas, obras de arte, e por aí vai. Tudo para engordar o porquinho no final do mês, já que nosso salário não acompanha a inflação há muitos anos.

Piso salarial do jornalista

Para se ter uma ideia, o piso de jornalista no Rio Grande do Sul (entre os mais baixos do país) é de R$ 2.231,69 em Porto Alegre e R$ 1.900,34 no interior do Estado. Diria que é a média do país. No Brasil, nos estados em que o piso é definidos, os valores variam de R$ R$ 1.115,44 para jornalistas do interior do Rio de Janeiro (sim, acredite) a R$ 3.254,92 no Paraná.

Nem sei dizer se é simplesmente um direito do jornalista ganhar salários melhores de maneira geral, porque, afinal, precisamos nos sustentar como qualquer outra classe trabalhadora, ou se passa um merecimento por tanta dedicação e sacrifício a que somos submetidos diariamente, por ser da natureza da profissão. Afinal, não existe jornalista mais ou menos, este não se cria. Nessa profissão o mergulho é de cabeça.

E precisamos é garantir o plano de saúde em caso de afogamento.

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Sobre jornalismo diário, o poder público e as redes sociais

Renata Colombo
7 de fevereiro de 2017

Hoje em dia qualquer pessoa pública que se preza, seja político, artista, atleta, grande empresário, precisa saber fazer bom uso das redes sociais. No caso do poder público, o bom desempenho do cara nos perfis de facebook, instagram, e por aí vai, pode até mesmo derrubar, ou no bom e velho jargão jornalístico, furar a cobertura.

É um desafio diário imenso não cair no lugar comum. Aquele grande anúncio tão aguardado de verbas para hospitais dificilmente vai esperar o repórter chegar na coletiva e ter acesso aos números fresquinhos. Ele será feito nas redes sociais pela assessoria de imprensa ou quem sabe pelo próprio gestor público. Aquele plantão da equipe da fotografia para flagrar um encontro inesperado provavelmente será atropelado por uma foto oficial no perfil pessoal da fonte.
 
Em São Paulo a imprensa vive um bom exemplo disso. O prefeito João Doria (PSDB) sabe usar, e muito bem, as novas mídias a seu favor. Ele vem arrecadando milhões de visualizações e seguidores com esta estratégia. Não significa que as pautas são sempre válidas, muitas vezes são marketing, mas significa que ele movimenta a imprensa o tempo todo com aquilo que quer que seja divulgado. O desafio é conseguir trazer à tona os assuntos que os jornalistas querem discutir e não os que a fonte acredita que devem ser discutidos.
 
Trazendo essa situação para um mercado em recessão e cada vez mais enxuto, esbarramos em outro problema: optar pela cobertura factual do assunto escolhido pelo órgão público ou ignorá-lo e apostar naquele levantamento próprio em que um repórter ficou semanas debruçado.
 
Eu, particularmente, defendo sempre a apuração exclusiva, o olhar maldoso a coleta de dados, o aprofundamento do tema, mas também sei que está cada vez se afastando mais das nossas redações.   
Reporteando

O adorável risco de recomeçar

Renata Colombo
12 de setembro de 2016

Quando digo a mim mesma que não seria outra coisa na vida que não jornalista, o frio na barriga é um dos motivos. Nem tudo na profissão são flores, quase nada na verdade. A gente ganha mal na maioria das vezes, sofre boicotes, se frustra, ouve mais nãos do que sins. Mas tem sensações que compensam e nos levam à realização pessoal e profissional tão grandes, de desafiar a si mesmo, de provocar uma mudança real no mundo, que a balança equilibra. O que é ruim já não é mais tão péssimo. O que é bom fica ainda mais ótimo. E não, isso não é um texto de autoajuda. É o relato de alguém que virou a vida de cabeça para baixo pra descer de novo a montanha russa e faria de novo e de novo.

Quando falo em desafio, falo em risco, em ter coragem, em ir até o fim, em não sossegar até conseguir, em provar, contestar, não se contentar, não se acomodar, se orgulhar. Isso não se aplica somente no dia-a-dia ou em uma apuração. Este comportamento vale para a vida, afinal vida de repórter passa da porta da redação, é na verdade do lado de fora dela. 
Quando falo que vale para a vida é porque a profissão e a vida neste caso se misturam. O jornalismo anda ao lado, a notícia assopra num ouvido, a desconfiança sussurra no outro. Mas ele anda descuidado. Os reporteiros andam apressados, ansiosos, preguiçosos, desovam tudo antes de sentir aquele frio na barriga que falei lá em cima. Sabe quando parece que borboletas dançam lindamente no estômago? É isso. Poucas coisas na vida da gente fazem sentir isso. Temos que cuidar disso. Estamos aqui pra falar e cuidar disso.