Voos Literários

Casamento de Lula e Janja x elitismo à brasileira

Flávia Cunha
23 de maio de 2022

Desde o anúncio da festa de casamento do ex-presidente Lula com a sociológa Rosângela Silva, a Janja, realizado no dia 18 de maio, o noticiário político ganhou contornos de fofoca. Leo Dias, um colunista conhecido por expor a intimidade de celebridades, foi o responsável por disseminar os detalhes da cerimônia. De entre elas, a de que espumantes que custam 90 reais seriam oferecidos aos convidados, entre outros detalhes.

Esquerdista não pode ter luxo!

Foi o suficiente para que uma onda de ódio e críticas ganhassem força nas redes sociais e em parte da grande mídia brasileira. Afinal, Lula, um ex-presidente da República e candidato ao cargo mais importante do país, deveria ou não ter feito uma festa de casamento “luxuosa”? 

“É imoral neste momento em que tantos passam fome!”

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“Um esquerdista-comunista-petralha não pode ostentar!”

Pois me pergunto se os questionamentos a respeito de uma festa que não foi realizada com dinheiro público são pertinentes do ponto de vista político. Seria incoerência Lula pregar a redução da desigualdade social ao mesmo tempo em que se dá ao direito de ter uma festa de casamento com bebida (boa) liberada?

Elitismo à brasileira

Por trás da falaciosa polêmica, parece estar o elitismo que costuma acompanhar as críticas a representantes da esquerda brasileira. Que não podem usar Iphone nem comprar nada nos Estados Unidos por lá ser o berço do capitalismo, por exemplo. Que a esquerda caviar (ou cirandeira) é distante do povo pelo simples fato de ter mais dinheiro e por aí vai.

Os defensores dessa visão enxergam a esquerda como condenada a um compulsório voto de pobreza em nome de uma suposta coerência ideológica. Mas digamos que Lula resolvesse seguir essa linha de raciocínio…

O casamento versão “esquerdalha”

Receberia os convidados trajando camiseta puída, uma bermuda gasta e chinelos, com um corote em punho. Janja deveria abrir mão do vestido de noiva, esse símbolo da burguesia. Poderia usar um vestido simples, sem adornos. Afinal, esquerdistas não precisam ter vaidades! No convite de casamento, um alerta: traga sua bebida e 1 kg de carne para o churrasco.

No dia seguinte, certamente circulariam “notícias” a respeito da pobreza da celebração, de como era uma falta de respeito com a instituição do casamento, etc. Afinal, os adeptos do elitismo e do falso moralismo parecem se incomodar é com um ex-metalúrgico que ocupou um cargo tão importante e, ao que tudo indica, ocupará novamente. 

Os antipetistas preferem não enxergar que de comunista Lula não tem nada, já que durante seus dois mandatos buscou mais a conciliação de classes do que a revolução do proletariado. O moderado Geraldo Alckmin, atual candidato a vice, que o diga…

Sugestão de leitura para ampliar o debate

Subcidadania brasileira – Jessé Souza – Editora Leya

Trecho destacado pela coluna Voos Literários:

“Essa visão absurda e servil do brasileiro como lixo do mundo, que retira a autoestima e a autoconfiança de todo um povo, só logrou se tornar a ideia hegemônica entre nós porque se traduz em dinheiro e hegemonia política para a ínfima elite do dinheiro que nos domina há séculos. Essa ideia possibilita a união do desprezo das elites internacionais em relação à periferia do capitalismo, com o desprezo das elites nacionais pelo seu próprio povo. É apenas porque a sociologia do vira-lata serve como uma luva para a legitimação dos interesses econômicos e políticos dessas elites, o que explica que ela tenha se tornado a interpretação dominante da sociedade brasileira para si mesma até hoje.”

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Imagem: Ricardo Stuckert / Reprodução redes sociais

 

 

 

 

PodCasts

BSV Especial Coronavírus #18 “Você sabe com quem está falando?”

Geórgia Santos
27 de julho de 2020

Nós estamos preocupados com os rumos do Brasil e da pandemia do novo coronavírus. Mas nem todo mundo está. Há quem esteja mais preocupado em manter o status, seja lá o que isso significa. O brasileiro sem conviveu com o famigerado, “Você sabe com quem está falando?” Mas agora essa estupidez elitista foi transplantada para a pandemia. Inclusive oficialmente. Élcio Franco Filho, secretário executivo do Ministério da Saúde, não se constrangeu em destratar um garçom que seria água durante uma reunião. 

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E a coisa continua nas ruas
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No Rio de Janeiro, um homem disse que pagava o salário dos fiscais sanitário e sua companheira foi rápida em dizer aos servidores que ele não era um cidadão, mas um engenheiro civil, “muito melhor do que você”. Em Santos, São Paulo, desde o dia primeiro de maio é obrigatório o uso de máscaras na cidade. Mas o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Eduardo Siqueira resolveu não usar. E ainda agrediu verbalmente os guardas municipais que estavam cumprindo sua função, chamando-os de analfabetos.

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Esse país é construído sobre a percepção do status. E isso é doente
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E por mais ridículo que seja, esse elitismo aparece em todos os cantos. Até na reportagem em que uma mulher que não usava máscara aparece dizendo que não usaria a proteção e que era advogada, “meu amor”. Em Porto Alegre, empresários decidem se haverá lockdown ou não, uma questão de saúde pública. Enfim, há muitas pessoas que se acham acima da pandemia. Ricos, doutores, professores, jornalistas, intelectuais que querem acabar com o novo coronavírus por decreto. 

Para falar sobre a cultura do “você sabe com quem está falando?” e as diversas formas em que isso afeta a pandemia, participam do programa os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no SpotifyItunes e Castbox

 

Vós Pessoas no Plural · BSV Especial Coronavírus #18 “Você sabe com quem está falando?”