O primeiro episódio da segunda temporada do Bendita Sois Vós trata do mais recente escândalo da política brasileira. No domingo nove de junho, o Brasil foi surpreendido pelo que agora conhecemos por Vazajato. O The Intercept Brasil publicou uma série de reportagens que desnudam a Operação Lava Jato e mostram uma colaboração não permitida entre procuradores do Ministério Público Federal (MPF) e o então juiz Sérgio Moro. A operação baseada na Mãos Limpas se mostrou suja.
Além do debate entre os jornalistas Geórgia Santos, Igor Natusch e Tércio Saccol, o depoimento do jornalista Alexandre de Santi, um dos editores do The Intercept Brasil.
No Sobre Nós, Raquel Grabauska dirige a tradução de um trecho da famosa entrevista que o jornalista britânico David Frost realizou com o ex-presidente dos Estados Unidos Richard Nixon. Uma forma de lembrar a importância do bom jornalismo – que pode derrubar presidentes.
As pessoas mudam de opinião. É do jogo. Aliás, é saudável. Não há nada mais triste que um ser humano não disposto a aprender e evoluir. Convicção, por outro lado, é outra história. É uma opinião obstinada, uma crença embasada, ainda que não científicamente, em evidências ou motivos particulares. E o juiz Sérgio Moro tinha uma série dessas convicções a respeito da política brasileira e as expressava com a legitimidade de quem combatia a corrupção de forma vigorosa. Como nunca antes na história desse país, diziam alguns.
Como uma das figuras mais importante da Operação Lava Jato, Moro sempre foi firme em suas convicções. O então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba foi quem condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a nove anos e meio de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá.
Moro sempre foi firme em suas convicções. Inclusive quando alguém tentava minimizar ocorrências como o Caixa 2, o então juiz era taxativo quanto à gravidade dos danos provocados por políticos em campanhas eleitorais. Durante palestra na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, Moro disse que Caixa 2 é pior que a corrupção tradicional. Ou seja, que que a corrupção para financiamento de campanha era mais grave que o desvio de recursos para o enriquecimento ilícito.
– Temos que falar a verdade, a Caixa 2 nas eleições é trapaça, é um crime contra a democracia. Me causa espécie quando alguns sugerem fazer uma distinção entre a corrupção para fins de enriquecimento ilícito e a corrupção para fins de financiamento ilícito de campanha eleitoral. Para mim a corrupção para financiamento de campanha é pior que para o enriquecimento ilícito. Se eu peguei essa propina e coloquei em uma conta na suíça, isso é um crime, mas esse dinheiro está lá, não está mais fazendo mal a ninguém naquele momento. Agora, se eu utilizo para ganhar uma eleição, para trapacear uma eleição, isso para mim é terrível. Eu não estou me referindo a nenhuma campanha eleitoral específica, estou falando em geral.
A fala de Moro foi aplaudida em Harvard e a cruzada contra a corrupção transformou o juiz em uma espécie de herói nacional e o Super Moro estampava camisetas em manifestações populares coloridas de verde e amarelo. Como consequência, mesmo tendo afirmado em mais de uma ocasião que jamais entraria para a política, aceitou largar a toga para se tornar ministro no governo de Jair Bolsonaro. A contradição não incomodou aos fãs do paladino da Justiça. E assim que aceitou o convite, Moro deixou claro que o “Pacote anticorrupção” seria a base de sua gestão.
Obviamente o pacote não seria aprovado pelos deputados, entre os quais a prática do Caixa 2 é, sabidamente, muito comum. Mas ao desmantelar o pacote anticorrupção, Moro flexibilizou ainda mais suas convicções e atenuou a gravidade da prática ao dizer que “Caixa 2 não é corrupção”.
“Não, caixa dois não é corrupção. Existe o crime de corrupção e existe o crime de caixa dois. Os dois crimes são graves. Aí é uma questão técnica”, disse Moro.
Em 2016, Caixa 2 era trapaça.
Em 2017, Caixa 2 era pior que o desvio de recursos para enriquecimento ilícito e crime contra a democracia.
Em 2018, diminuiu a gravidade do Caixa 2 praticado – e assumido – pelo então deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), hoje ministro. “Quanto a esse episódio do passado, ele mesmo admitiu seus erros e pediu desculpas e tomou as providências para repará-lo”, explicou Moro.
Em 2019, após reiterar que era trapaça, Moro disse que Caixa 2 não era tão grave quanto o enriquecimento ilícito.
Aparentemente, a involução da ética de Moro acontece de acordo com as funções e cargos que ocupa. As convicções do juiz com relação à corrupção não se sustentam diante das opiniões do ministro.
OUÇA Bendita Sois Vós #11 Quais os efeitos do discurso de Bolsonaro na segurança?
Geórgia Santos
3 de dezembro de 2018
No episódio 11 do podcast Bendita Sois Vós, o tema é segurança. Provavelmente, um dos temas que mais aflige os brasileiros e que mais foi debatido ao longo das eleições – e depois dela. O presidente eleito, Jair Bolsonaro, soube usar isso muito bem, com um discurso enérgico de endurecimento das leis. E para completar, nomeou uma estrela para o ministério, o agora ex-juiz Sérgio Moro.
Com essa premissa, os jornalistas Geórgia Santos, Igor Natusch e Tércio Saccol perguntam: o discurso da segurança pública de Bolsonaro pode ser implementado na prática?
O sociólogo e pesquisador Rodrigo Azevedo, especialista em Segurança Pública, explica as nuances do problema no Brasil e alerta para as medidas de populismo punitivo do novo governo, que podem piorar o problema. Evelin Argenta ainda conversa com o promotor Lincoln Gakiya, especialista em Primeiro Comando da Capital, o PCC.
No quadro Sobre Nós, com Raquel Grabauska e Angelo Primon, o medo paralisante do Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago.