As pessoas mudam de opinião. É do jogo. Aliás, é saudável. Não há nada mais triste que um ser humano não disposto a aprender e evoluir. Convicção, por outro lado, é outra história. É uma opinião obstinada, uma crença embasada, ainda que não científicamente, em evidências ou motivos particulares. E o juiz Sérgio Moro tinha uma série dessas convicções a respeito da política brasileira e as expressava com a legitimidade de quem combatia a corrupção de forma vigorosa. Como nunca antes na história desse país, diziam alguns.
Como uma das figuras mais importante da Operação Lava Jato, Moro sempre foi firme em suas convicções. O então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba foi quem condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a nove anos e meio de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá.
Moro sempre foi firme em suas convicções. Inclusive quando alguém tentava minimizar ocorrências como o Caixa 2, o então juiz era taxativo quanto à gravidade dos danos provocados por políticos em campanhas eleitorais. Durante palestra na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, Moro disse que Caixa 2 é pior que a corrupção tradicional. Ou seja, que que a corrupção para financiamento de campanha era mais grave que o desvio de recursos para o enriquecimento ilícito.
– Temos que falar a verdade, a Caixa 2 nas eleições é trapaça, é um crime contra a democracia. Me causa espécie quando alguns sugerem fazer uma distinção entre a corrupção para fins de enriquecimento ilícito e a corrupção para fins de financiamento ilícito de campanha eleitoral. Para mim a corrupção para financiamento de campanha é pior que para o enriquecimento ilícito. Se eu peguei essa propina e coloquei em uma conta na suíça, isso é um crime, mas esse dinheiro está lá, não está mais fazendo mal a ninguém naquele momento. Agora, se eu utilizo para ganhar uma eleição, para trapacear uma eleição, isso para mim é terrível. Eu não estou me referindo a nenhuma campanha eleitoral específica, estou falando em geral.
A fala de Moro foi aplaudida em Harvard e a cruzada contra a corrupção transformou o juiz em uma espécie de herói nacional e o Super Moro estampava camisetas em manifestações populares coloridas de verde e amarelo. Como consequência, mesmo tendo afirmado em mais de uma ocasião que jamais entraria para a política, aceitou largar a toga para se tornar ministro no governo de Jair Bolsonaro. A contradição não incomodou aos fãs do paladino da Justiça. E assim que aceitou o convite, Moro deixou claro que o “Pacote anticorrupção” seria a base de sua gestão.
Mas, nem tudo saiu como grande parte da população esperava. Ao contrário do juiz, o ministro Sérgio Moro não parece tão firme assim em suas convicções. Ao apresentar o famoso pacote de medidas para combater a corrupção, Moro dividiu o planos em três e, pasmem, deixou de lado a proposta que criminaliza o Caixa 2. Não deixou de lado, propriamente. Deixou “em separado” porque houve reclamações dos políticos. “Alguns políticos se sentiram incomodados de isso ?o crime de caixa 2?ser tratado junto com corrupção e crime organizado. Fomos sensíveis”, disse o ministro. Foram sensíveis, disse o ministro.
Obviamente o pacote não seria aprovado pelos deputados, entre os quais a prática do Caixa 2 é, sabidamente, muito comum. Mas ao desmantelar o pacote anticorrupção, Moro flexibilizou ainda mais suas convicções e atenuou a gravidade da prática ao dizer que “Caixa 2 não é corrupção”.
“Não, caixa dois não é corrupção. Existe o crime de corrupção e existe o crime de caixa dois. Os dois crimes são graves. Aí é uma questão técnica”, disse Moro.
Em 2016, Caixa 2 era trapaça.
Em 2017, Caixa 2 era pior que o desvio de recursos para enriquecimento ilícito e crime contra a democracia.
Em 2018, diminuiu a gravidade do Caixa 2 praticado – e assumido – pelo então deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), hoje ministro. “Quanto a esse episódio do passado, ele mesmo admitiu seus erros e pediu desculpas e tomou as providências para repará-lo”, explicou Moro.
Em 2019, após reiterar que era trapaça, Moro disse que Caixa 2 não era tão grave quanto o enriquecimento ilícito.
Aparentemente, a involução da ética de Moro acontece de acordo com as funções e cargos que ocupa. As convicções do juiz com relação à corrupção não se sustentam diante das opiniões do ministro.


