Voos Literários

O Velho e o Mar, uma inspiração para a resistência

Flávia Cunha
31 de outubro de 2017

Há duas semanas, escrevi esse texto fazendo algumas reflexões sobre a onda conservadora que resolveu usar o termo comunista como ofensa. Desde então, entre outros absurdos cometidos por aí, houve uma ameaça à aula sobre Revolução Russa em uma universidade do Rio de Janeiro.

A Revolução Russa completa 100 anos em 2017. Sendo assim, parece-me bastante natural seja analisada com certa deferência em cursos de história. O que chama atenção, no entanto, é a incoerência desse tipo de comportamento que prefere o silêncio ao debate. A pessoa  bradar contra a “ditadura comunista” que supostamente teria sido implantada pelo PT no Brasil mas fazer uso de truculência e exigência de silenciamento de assuntos que consideram contrários a seus interesses.

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Afinal, a falta de liberdade não é uma das críticas dessas mesmas pessoas ao regime implementado na ex-União Soviética e, até hoje, em Cuba?

É difícil de entender

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Mas voltemos ao xingamento que recebi, que motivou meu primeiro texto: um dos chavões do momento “Comunista, vai pra Cuba”. A verdade é que o mundo mudou muito desde 1959, quando ocorreu a Revolução Cubana, até os dias atuais, com o irmão de Fidel Castro no comando da ilha. Existem muitas controvérsias sobre se é bom ou ruim morar em Cuba.

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Porém, o que proponho agora é uma volta no tempo, antes de Fidel e Che Guevara tirarem do poder o ditador Fulgencio Batista, que tinha o apoio dos Estados Unidos

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Foi a partir de 1939 que o escritor norte-americano Ernest Hemingway escolheu Cuba como seu lar. Viveu lá por cerca de 20 anos. Os relatos são de que Hemingway gostava muito de morar naquele país e foi onde escreveu uma das suas obras mais famosas: O Velho e o Mar. Poderia ser simplória a narrativa do pescador Santiago, um idoso que fica 84 dias sem conseguir fisgar nada até entrar numa brava luta para conseguir chegar à costa com um enorme peixe.

Porém, o livro é uma grande metáfora da solidão e da velhice, no meu ponto de vista. Além de remeter à ideia de que nunca é tarde para sonhar e tentar alcançar nossos objetivos. Uma das minhas frases preferidas dessa grande obra é:

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“ – Mas o homem não foi feito para a derrota – disse em voz alta. – Um homem pode ser destruído, mas nunca derrotado.”

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Acho que essa pode ser uma boa inspiração para os dias atuais. Sejamos como o velho Santiago, que não se deu por derrotado mesmo em meio a grandes adversidades.

Sobre Hemingway, é importante ressaltar que ele ganhou um Pulitzer e o Nobel de Literatura após a publicação de O Velho e o Mar, em uma época em que o autor já estava um pouco desacreditado pela crítica.

A respeito de Cuba, ainda resta dizer que ele viveu por lá até 1959. Com a Guerra Fria e o rompimento de relação com os Estados Unidos, precisou voltar para seu país de origem, onde suicidou-se alguns anos depois. Aqui tem uma matéria a respeito com detalhes interessantes sobre o assunto.

Agora, uma última provocação. Acho que Hemingway também não se importaria de ser mandado para Cuba pelos conservadores da atualidade. Ainda mais ele, que (dizem) simpatizou com a causa comunista na Guerra Civil da Espanha, na década de 1930.

Voos Literários

O reizinho mandão veio parar no Brasil de 2017

Flávia Cunha
19 de setembro de 2017

A cada dia, aparecem mais notícias desalentadoras para os de espírito crítico e libertário no Brasil. Uma onda conservadora tomou conta do país, em um verdadeiro tsunami de chorume. É exposição de arte sendo fechada por pressão da moral e dos bons costumes, psicólogo defendendo a cura gay com aval judicial e governante sendo autorizado pela Justiça a impedir protestos no seu entorno.

A verdade é que O Reizinho Mandão, personagem do clássico infantil de Ruth Rocha, parece ter invadido o Brasil contemporâneo. Pode assumir a forma de um movimento com jovens inflexíveis e cerceadores da liberdade alheia, pode ser o hater das páginas a favor das causas negra, LGBTQ e feminista, também é possível que seja aquele colega de trabalho que tira sarro dos outros e depois reclama que o mundo tá muito chato.

Para quem não conhece o livro, o enredo aborda a história de um jovem rei que é a mais perfeita encarnação do absolutismo, (a exemplo de Luis XIV, que ilustra esse texto). Ele assume o trono após a morte de seu pai e impõe ao seu país imaginário uma série de leis absurdas e não quer ser contrariado por ninguém, nem por seus conselheiros.

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Eles explicavam que um rei tem de fazer leis importantes, para tornar o povo mais feliz.

Mas o reizinho não queria saber de nada. Era só um conselheiro qualquer abrir a boca para dar um conselho e ele ficava vermelhinho de raiva, batia o pé no chão e gritava de maus modos:

– Cala a boca! Eu é que sou o rei. Eu é que mando!

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A história prossegue com o reino todo desaprendendo a falar, em uma analogia com a ditadura existente no Brasil da época, já que Ruth Rocha lançou esse enredo em 1978. Mesmo ano em que Geisel estava no poder, em meio a um processo de abertura política que durou longos anos até chegar-se à promulgação da constituição de 1988.

Ainda, assim, recentemente teve cantor sertanejo dizendo por aí que a ditadura não existiu. Tristes tempos esses nossos…

A solução para acabar com a ignorância em massa que assola o país pode estar na literatura. E isso quem está dizendo é o historiador Dante Gallian, com seu livro A Literatura como Remédio. A obra destaca como a leitura de grandes clássicos pode ser proporcionar a cura para doenças da alma e proporcionar transformações humanizadores e terapêuticas, ao conseguir levar as pessoas a exercitarem a empatia.

Fortemente recomendado para pessoas com dificuldade de alteridade. Quem sabe não é um bom presente para aquela tia conservadora, que atormenta os almoços de família?