Raquel Grabauska

Programa de família

Raquel Grabauska
17 de agosto de 2018

Sempre que viajamos priorizamos os programas que serão possíveis para os nossos filhos. Eles têm sorte por terem pais que não gostam de shopping. Brincadeiras à parte, gostamos de nos divertir vendo eles se divertirem. Agora que estão crescendo, temos conversado a respeito de vermos coisas diferentes, ter outras experiências, novas vivências.

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Uma das coisas que testamos foi levá-los nas férias que passamos em Montevidéu para uma visita guiada ao Teatro Solis

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Aproveitamos que meu irmão, minha cunhada e sua mãe estariam junto  – para caso precisássemos amordaçar os guris, digo, caso precisássemos de apoio. Confesso que entrei meio sem respirar. A guia falava em um espanhol mega rápido, estava bastante quente dentro do prédio, ocasionando um festival de tirar roupas.  Era muita explicação. Andamos por umas salas e tudo ia bem. Me emociono sempre que conheço um teatro novo. Ter essa experiência com meus queridos foi ainda mais emocionante.

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Quando entramos no majestoso teatro, desconfiança
O mais velho disse: não vai ter peça, né?
Eu disse que não, que iríamos só conhecer
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Estávamos ouvindo a explicação da guia quando alguém dá um grito no teatro. Um dos guris estava comigo e o meu marido e o outro mais atrás com os tios. Eu gelei, suei, tremi até perceber que não era da minha prole que tinha saído o som. Uma pequena apresentação surpresa para alegrar a visita ao teatro. A encenação percorreu a plateia.

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Claro que o ator parou ao lado do meu filho para o qual eu tinha dito que não teria peça
Claro que em dois segundos meu filho estava ao meu lado
Quase ao mesmo tempo ouvi o mais novo: é muita conversa! Porque eles não apresentam lá em cima? (Apontando para o palco)

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Tudo isso durou uns 5 anos (contagem de tempo de mãe em perigo) ou 3 minutos em contagem de tempo de pessoas em situações normais de pressão e temperatura. Quando saímos, todos que estavam na visita estavam parados no saguão e meu filho disse: eu prefiro o teatro da mamãe. Um oinnnnn coletivo e uma mãe com sorriso bobo feliz. Os guris estão crescendo.

Yo No Soy de Aquí

Drexler, um anfitrião exemplar

Alvaro Andrade
19 de outubro de 2017

Por trás da aparente tranquilidade montevideana, havia no átrio centenário do Teatro Solís uma bruma de contida expectativa. Era o frio na barriga característico de grandes amigos a espera de um reencontro: embora haja intimidade, nada permite o desleixo. Sendo assim, todos portavam-se no limite da ansiedade, aguardando com discrição e elegância.

O burburinho que emanava dos 1200 assentos diminuiu ao passo que escureceu a luz do palco. Sem cerimônias, percussão, baixo e violão tomaram seus assentos para só então o charme de um tímido Jorge Drexler romper da coxia para a primeira das muitas ovações que receberia naquela noite especial: após 13 anos, o montevideano que deixou a medicina para ser músico voltava a tocar no principal palco do seu país. Não vou me recordar da sequência das músicas, mas não há como esquecer a troca de gentilezas entre artista e público por 2h30 de espetáculo.

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Enquanto na plateia não se avistava sequer um telefone celular, no palco Drexler agia como um anfitrião exemplar, fazendo-nos sentir como se o Solís fosse nossa casa

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Mesmo tocado pelo natural nervosismo inerente à estreia de uma turnê internacional, Drexler deixou todos à vontade: não se furtou de pedir ‘respeito aos cinquentões’ após arrancar assovios enquanto tirava o casaco. Passada metade da apresentação, sem cerimônias incluiu no set, de improviso, a canção pedida por alguma fã na multidão. Com a intimidade permitida somente aos conterrâneos, cantou lendo as músicas do novo álbum na partitura. Quando errou, não titubeou em recomeçar e da plateia também veio o conforto: “No te preocupes, Jorge. Estás en casa”. Quando acabou, precisou voltar duas vezes para render-se aos aplausos intermináveis de quem, após aqueles momentos, sentia-se um pouco mais amigo de Jorge Drexler.

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Para nós, recém-chegados mas profundamente adeptos ao que Vitor Ramil cunhou de estética do frio, sentir-se tão confortável no ambiente proporcionado pelo artista foi um afago inesquecível

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Lanna e eu sentimo-nos um pouco mais em casa na noite de 4 de outubro.  Tão em casa que após dois dias pudemos dizer isso pessoalmente a Drexler, num daqueles encontros casuais que são possíveis apenas em um país de escalas tão reduzidas quanto a vaidade de seus maiores expoentes, fazendo valer o dito de que por aqui ‘naides és más que naides’.