Yo No Soy de Aquí

Drexler, um anfitrião exemplar

Alvaro Andrade
19 de outubro de 2017

Por trás da aparente tranquilidade montevideana, havia no átrio centenário do Teatro Solís uma bruma de contida expectativa. Era o frio na barriga característico de grandes amigos a espera de um reencontro: embora haja intimidade, nada permite o desleixo. Sendo assim, todos portavam-se no limite da ansiedade, aguardando com discrição e elegância.

O burburinho que emanava dos 1200 assentos diminuiu ao passo que escureceu a luz do palco. Sem cerimônias, percussão, baixo e violão tomaram seus assentos para só então o charme de um tímido Jorge Drexler romper da coxia para a primeira das muitas ovações que receberia naquela noite especial: após 13 anos, o montevideano que deixou a medicina para ser músico voltava a tocar no principal palco do seu país. Não vou me recordar da sequência das músicas, mas não há como esquecer a troca de gentilezas entre artista e público por 2h30 de espetáculo.

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Enquanto na plateia não se avistava sequer um telefone celular, no palco Drexler agia como um anfitrião exemplar, fazendo-nos sentir como se o Solís fosse nossa casa

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Mesmo tocado pelo natural nervosismo inerente à estreia de uma turnê internacional, Drexler deixou todos à vontade: não se furtou de pedir ‘respeito aos cinquentões’ após arrancar assovios enquanto tirava o casaco. Passada metade da apresentação, sem cerimônias incluiu no set, de improviso, a canção pedida por alguma fã na multidão. Com a intimidade permitida somente aos conterrâneos, cantou lendo as músicas do novo álbum na partitura. Quando errou, não titubeou em recomeçar e da plateia também veio o conforto: “No te preocupes, Jorge. Estás en casa”. Quando acabou, precisou voltar duas vezes para render-se aos aplausos intermináveis de quem, após aqueles momentos, sentia-se um pouco mais amigo de Jorge Drexler.

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Para nós, recém-chegados mas profundamente adeptos ao que Vitor Ramil cunhou de estética do frio, sentir-se tão confortável no ambiente proporcionado pelo artista foi um afago inesquecível

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Lanna e eu sentimo-nos um pouco mais em casa na noite de 4 de outubro.  Tão em casa que após dois dias pudemos dizer isso pessoalmente a Drexler, num daqueles encontros casuais que são possíveis apenas em um país de escalas tão reduzidas quanto a vaidade de seus maiores expoentes, fazendo valer o dito de que por aqui ‘naides és más que naides’.