BSV Especial Coronavírus #49 Ministro novo, política velha
Geórgia Santos
17 de março de 2021
A primeira morte por coronavírus aconteceu há um ano, no Brasil. E agora chegamos à marca de 280 mil vidas perdidas em função da Covid-19 no país. E o que o governo federal e o presidente da República estão fazendo? Colocando um ministro novo e fazendo uma política velha.
Pouco, ou quase nada. Depois de dizer que máscaras não funcionam, que lockdown é inútil, que não vai se vacinar, depois de recusar milhões de doses de vacinas, depois de fazer absolutamente tudo para que o vírus continue circulando, Jair Bolsonaro resolveu trocar o Ministro da Saúde. De novo.
A primeira sondagem foi com a médica Ludhmilla Hajjar, que se mostrou favorável à necessidade do lockdown regionalizado e contrária ao tratamento precoce. Ela, que já poderia parecer suspeita a uma parte da população por aceitar conversar com Bolsonaro, virou alvo da outra metade. Bolsonaristas ameaçaram inclusive a integridade física da médica, segundo ela contou em entrevista à Globonews. E qual foi a resposta do presidente com relação a isso? Que faz parte.
Se isso não é situação extrema, não sabemos o que é. Para termos dimensão da gravidade do momento, conversamos com o Dr. Alexandre Zavascki, médico infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegree professor da UFRGS, que ressalta o papel fundamental do presidente na desinformação.
Participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, concede entrevista coletiva após anúncio do Plano Nacional de Operalização de Vacinação contra a Covid-19.
Pra que essa ansiedade, essa angústia?
A recente declaração do ministro da Saúde ocorreu em um delicado momento, no qual o Brasil registra 183 mil mortos – na contagem oficial – devido à pandemia de covid-19. Ao tentar adivinhar quais seriam as eventuais razões para ele ter falado essa frase infeliz, podemos imaginar que Eduardo Pazuello talvez seja um homem muito paciente. Ou, de repente, esteja levando sua vida de uma maneira tão normal que realmente não veja motivos para ansiedade ou angústia. O fato é que muitos aguardam que um cronograma efetivo de vacinação nacional seja (finalmente) apresentado à população e colocado em prática.
Mas há motivos ou não para sentirmos ansiedade e angústia?
De acordo com o dicionário Aurélio, o significado ligado à psicologia da palavra ansiedade é: “condição emocional de sofrimento, definida pela expectativa de que algo inesperado e perigoso aconteça, diante da qual o indivíduo se acha indefeso.”
De uma certa forma, Pazuello tem razão. Não há nada inesperado na falta de articulação do governo federal e nas falas cada vez mais caricatas do presidente Bolsonaro em relação ao suposto risco das vacinas (“Se virar jacaré, é problema seu!”).
O medo é justificável
Mas há, sim, um perigo no fato dessas pessoas estarem no governo federal durante a pior crise sanitária mundial dos últimos 100 anos. Por isso, a ansiedade. Que, conforme o dicionário Aurélio, também pode ter o significado figurado de “ausência de tranquilidade, medo, receio”.
Como ficaremos tranquilos ao ver as vacinas sendo aplicadas em habitantes de outros países enquanto aqui no Brasil o que vemos é esse festival de insanidades?
Inquietude diante da sensação de ameaça
Já a angústia citada pelo ministro é mais complexa e densa em seus diversos sentidos. Novamente recorrendo ao Aurélio, angústia é a “condição de quem está muito ansioso, inquieto”. O dicionário também cita uma das possibilidades filosóficas do termo. “Sentimento de ameaça que, para Kierkegaard (1813-1855), não se consegue determinar nem medir, sendo próprio da condição humana.”
E o que pode ser mais ameaçador do que a perspectiva de ficarmos à mercê de um governo displicente em plena pandemia? Voltando à fala do ministro, me parece que, além de ser descontextualizada no aspecto político e administrativo, também demonstra uma falta de noção na sua própria área de atuação. Saúde mental é coisa séria, Pazuello, e não deve ser menosprezada.
Dicas de Leitura
Mas, enquanto a vacinação não vem no Brasil, precisamos de boas leituras, que possam nos ajudar a lidar com a ansiedade.
Breve análise: A obra, da mesma autora de Mentes Perigosas, está na sua segunda edição, que foi atualizada e ampliada. No livro, a psiquiatra aborda o tema com uma linguagem acessível para o público em geral. A especialista também aponta possíveis maneiras de lidar com a ansiedade.
Indicação da bibliotecária Gislene Sapata Rodrigues
Breve comentário: Este é um livro bastante atual, já contendo referências à pandemia e como o atual momento pode desencadear crises de ansiedade. A psicóloga, especialista em psicologia clínica, tem consultório em Porto Alegre/RS.
Trecho da obra: “Segundo o DSM-5 (Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais) o Transtorno de Ansiedade compreende vários outros sintomas que se caracterizam principalmente pelo medo. Claro que o medo desencadeia algumas alterações comportamentais e até mesmo fisiológicas.
A pessoa acometida por um medo exacerbado, pode desenvolver uma crise de pânico, apresentando sintomas como taquicardia, dificuldade respiratória, sensação de sufocamento parando na emergência de um hospital. Geralmente, quem sofre da Síndrome do Pânico tem acompanhamento psicoterápico e psiquiátrico, portanto, nesse período de pandemia, no caso de uma crise, deve procurar ajuda junto aos profissionais que lhe acompanham, evitando uma emergência de hospital.”
Indicação da jornalista Katia Hoffmann
Sugestão 3 – Título: Livre de Ansiedade
Autor: Robert L. Leahy
Breve comentário: A obra contém uma abordagem cognitivo-comportamental a respeito do assunto, além de sugerir maneiras de tentar lidar com a ansiedade. O autor é considerado um dos mais respeitados terapeutas nessa área da psicologia e é professor titular do Instituto de Psicologia da USP. Aqui tem um artigo completo a respeito do livro.
Autores: Dennis Greenberger e Christine A. Padesky
Breve Comentário: Outra sugestão de livro com abordagem cognitivo- comportamental, a obra ensina técnicas para procurar conter pensamentos disfuncionais e controlar a mente. Conforme a sinopse, “A mente vencendo o humor ensina estratégias, métodos e habilidades que se mostraram úteis na abordagem de perturbações do humor como depressão, ansiedade, raiva, pânico, ciúme, culpa e vergonha. “
Indicação da jornalista Lu Thomé
2020: um desafio para a saúde mental
No fim das contas, temos muitas razões para estarmos com “essa ansiedade, essa angústia” citadas pelo ministro da Saúde. O ano de 2020 foi desafiador também para a saúde mental em uma escala global, mas especialmente no Brasil, onde vivemos uma verdadeira epidemia de ansiedade. No Vós, já tratamos sobre o assunto em uma reportagem especial. Clique aqui para ler.