Raquel Grabauska

O Dia dos Pais e o dia em que me senti a pior mãe do mundo (e arredores)

Raquel Grabauska
10 de agosto de 2018

Estávamos fazendo uma viagem em família. Passeio gostoso, com tempo, caminhadas sem pressa ou destino. Parávamos para contemplar o que queríamos, crianças correndo atrás dos pombos. Éramos o próprio comercial de margarina (se é que existe comercial de margarina ao ar livre).

Só uma coisa, antes de continuar a história: sou o tipo de pessoa que perde o amigo, mas não perde a piada. Sempre. Já me meti em cada fria, cada constrangimento. Mas não aprendo. Quando vi, a bobagem já saiu.

Voltando ao passeio. Eu estava andando de noite com minha querida cunhada. Vimos uma faixa com um pitoresco desenho que era IGUAL ao meu marido. Na manhã seguinte, repetimos o caminho com a família toda e eu estava ansiosa pela piada. Quando chegamos, apontei para a faixa, bem feliz mostrando aos meus filhos.

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Olhem só, uma foto do papai!!!!!

Os dois me olharam incrédulos. O menor logo mudou o foco. O maior ficou paralisado: “esse não é o meu pai!!!!!” Eu achei estranha tamanha veemência. Ele tem bastante senso de humor. Fazemos muitas piadas juntos.  Olhei pra ele, olhei pra faixa, olhei pra ele e olhei pra faixa de novo. Olhei de novo e gritei!

A pintura da faixa tinha uma grande faca cravada nas costas
Eu só não tinha percebido esse pequeno detalhe

Depois disso, haja pombos, passeios e brincadeiras pra extrair a culpa das minhas costas! Um feliz Dia dos Pais para todos os pais. Especialmente para o pai dos meus filhos, que além de ter me dado os nossos dois gurizinhos, ainda segue comigo há 15 anos. Com todas as minhas piadinhas.

Voos Literários

O Admirador de Monet . uma homenagem aos pais que já partiram

Flávia Cunha
7 de agosto de 2018

O admirador de Monet

– Quem é o pintor daquele quadro?

A pergunta, feita de repente, me pegou desprevenida. Nem havia reparado que o quarto do hospital tinha alguma pintura em suas paredes, imersa que eu estava na preocupação de perder a presença física de quem me questionava agora com certa veemência.

Olhei para trás e observei a tela. Era uma gravura bonita, com barcos à vela. Cheguei mais perto, à procura da identificação do autor. Não havia. Dei essa resposta ao meu pai, que não conformou-se.

– Mas é só procurar na Internet que tu descobre. Usa o teu celular – exigiu, com sua autoridade natural e mansa.

Argumentei que não era fácil sem ter alguma informação a mais sobre ao quadro. Ele rebateu com calma, analisando que devia ser uma obra de um artista impressionista. Foi explicando o palpite de forma bem simples e direta, sem ser pedante, como costumava fazer em todas as exposições de arte que o acompanhei ao longo da minha vida.

Ele interrompeu minhas reminiscências, falando, meio exaltado:

– É Monet, pesquisa aí, só pode ser ele!!

O tom animado contrastava com o que ele usava nos últimos meses, após seu diagnóstico de câncer terminal. Além da fragilidade física, meu pai, normalmente alegre e despreocupado, havia assumido uma postura meio blasé, fingindo não estar ciente da proximidade da morte. Evitava o assunto e permanecia silencioso e um pouco rabugento, longe do seu comportamento habitual. Ao ser informado que teria que ir para um hospital, resmungou que não gostaria mas sabia que não tinha mais direito a tomar as próprias decisões.

Mas, então, surgiu Monet e ele pareceu iluminar-se como antigamente.

–  O que tu tá esperando? Pesquisa qual é o quadro. Eu quero saber o nome e a cidade que aparece ali.

Obedeci, e após poucos minutos, descobri e mostrei para ele.

– Regatas em Argenteuil – respondi, aliviada por conseguir obter a resposta.

Ficamos um tempo nesse jogo, eu encostada na grade da cama hospitalar mostrando a ele informações, como o fato da tela ter sido pintada dentro do barco ateliê do artista, ancorado às margens do Sena.

Ele foi dormir radiante. Nos dias que se seguiram, a arte invadiu aquele quarto branco de uma forma constante. Filmes, música e, volta e meia, um bate-papo sobre Monet.

Passado algum tempo, fui surpreendida pelo anúncio de que faríamos um passeio pelo hospital. Eu estranhei e houve a confissão de ter pressionado um enfermeiro mais gentil com o argumento de que se podia ser deslocado para exames, também seria permitido para uma atividade de lazer.

Eu ainda não havia entendido qual a era a intenção dele, quando meu pai revelou, triunfante:

– Têm vários outros quadros espalhados por esse andar, vai ser como ir em uma exposição!

Sorri e entrei na brincadeira, demonstrando igual euforia pela oportunidade de ouvir suas observações pelo que provavelmente seria a última vez.

E assim fomos pelos corredores. Eu conduzindo a enorme cadeira de rodas com aquele paciente muito magro, com o corpo envolto em uma camisola branca que o deixava com a aparência ainda mais esquelética.

Quando eu parava para observar alguma pintura, conseguia ver seus olhos brilhando de admiração. Meu amor por ele transbordava naquele momento e eu segurava valentemente as lágrimas para não estragar aquele instante de felicidade.

Pouco tempo depois, ele se foi. Enquanto eu via a família chorando, fui arrumando roupas e juntando objetos de forma meio mecânica, evitando desabar antes de resolver todas as necessidades práticas e burocráticas que envolvem a morte.

Mas antes de sair do quarto para assinar documentos, eu olhei para aquele quadro especial pela última vez e pensei:

–  Monet perdeu um admirador.

Uma singela homenagem escrita em memória ao meu pai, um engenheiro com alma que apreciava Arte, Literatura e Música. E soube enxergar a beleza da Vida como poucos… 

Para quem quer conhecer mais sobre Claude Monet, sugiro esse livro aqui.