Geórgia Santos

A Copa do Mundo e a perspectiva das coisas

Geórgia Santos
27 de junho de 2018

Talvez a gente dê muita importância à Copa do Mundo. Não sei mensurar o valor adequado a se dispensar a esse tipo de evento.

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Para poucos, não significa absolutamente nada;

Para alguns, redenção;

Para tantos, é desafogo;

Para outros, paixão;

Para muitos, apenas entretenimento;

Para quem gosta muito de futebol, é tudo isso junto;

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Eu gosto muito de futebol. Eu adoro assistir à Copa do Mundo. Eu adoro ver o Brasil em campo. Eu adoro ver a seleção canarinho erguer a taça – estou com saudades, inclusive. Azar. Eu adoro assistir ao efeito que esse torneio causa nas pessoas.

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Especialmente porque tudo é uma questão de perspectiva

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Se, para um brasileiro pentacampeão, erguer a taça é um dever. Para um panamenho, a vitória é outra. É a primeira vez que o Panamá participa da Copa do Mundo e o seu torcedor soube aproveitar a honra como poucos. Tanto é assim que, no jogo contra a Inglaterra, o gol do zagueiro Baloy foi celebrado como se já não tivesse levado seis gols do adversário. O pé direito de Felipe Baloy foi a redenção do estreantes, que comemoraram o gol como se fosse um título.

Photo by Maja Hitij – FIFA/FIFA via Getty Images)

Baloy chorou, foi abraçado pelos companheiros, abraçado pela torcida, abraçado pela família e entrou para a história como o estreante mais velho a marcar em Copas – 37 anos e 120 dias.

Algo parecido aconteceu com o Peru, de volta à Copa depois de 36 anos. Já eliminado, venceu a Austrália por 2 a 0. O último gol dos peruanos em um Mundia foi marcado em 1982, na Espanha. A última vitória aconteceu quatro anos antes, na Argentina. Foi somente agora, em 2018, na Rússia, que o desafogo chegou nos pés de Carrillo e Guerrero.

E além da redenção e desafogo dos panamenhos e peruanos, temos a paixão dos argentinos, que comoveu até mesmo os maiores rivais; a alegria dos senegaleses; o contentamento dos islandeses; a esperança dos iranianos; o desolamento dos alemães; o conforto dos sul-coreanos; o temor dos mexicanos; o susto dos portugueses; a fé dos nigerianos; a tranquilidade dos belgas; a surpresa dos croatas; e a lista segue.

Mas daqui a pouco tem Brasil e, de minha parte, Brasil em campo é tudo isso junto. É uma questão de perspectiva.

(Photo by Jamie Squire – FIFA/FIFA via Getty Images)

Voos Literários

Uma seleção literária em clima de Copa do Mundo

Flávia Cunha
19 de junho de 2018

Sou completamente alheia à Copa do Mundo. Não por motivos políticos, mas por total falta de interesse e afinidade com o futebol como forma de entretenimento. Porém, ao pensar na cultura de cada país envolvido com essa competição esportiva, comecei uma pesquisa sobre escritores de diferentes nacionalidades.

Partindo do grupo de países do qual o Brasil faz parte nessa primeira fase da Copa, selecionei autores da Suíça, Sérvia e Costa Rica, além de um representante brasileiro pouco conhecido pelo público.

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Suíça

O senso comum coloca os suíços como imparciais, os isentões da Europa. Porém, para minha surpresa, um autor que não foge de polêmicas nasceu no país do chocolate, dos relógios e do paraíso fiscal preferido dos brazucas: o filósofo Alain de Botton. Uma de suas obras mais famosas aborda ateísmo e religião, demonstrando o quanto ele não foge de temas espinhosos:

“Tentar provar a não existência de Deus pode ser uma atividade divertida para ateus. Críticos pragmáticos da religião encontraram grande satisfação no desnudamento da idiotia de crentes com cruel minúcia, parando somente após sentirem ter revelado seus inimigos como absolutos tolos ou maníacos. Embora esse exercício tenha suas recompensas, a real questão não é se Deus existe ou não, mas para onde levar a discussão ao se concluir que ele evidentemente não existe. A premissa deste livro é que deve ser possível manter-se como um ateu resoluto e, não obstante, esporadicamente considerar as religiões úteis, interessantes e reconfortantes — e ter uma curiosidade quanto às possibilidades de trazer algumas de suas ideias e práticas para o campo secular.”

Do livro Religião para Ateus

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Sérvia

Estabelecida formalmente como país apenas em 2006, a Sérvia tem um representante literário ilustre: Ivo Andri?, que ganhou o Nobel em 1961, na época da antiga Iugoslávia. Porém, como a maior parte das suas obras foram escritas em sérvio, é reconhecido como um escritor dessa nacionalidade.

Selecionei um trecho de um de seus poucos romances traduzidos para a língua portuguesa, que fala sobre um religioso preso por engano:

Se quiseres saber o que vale um Estado e o seu governo, e qual é o seu futuro, é só ver quantos homens honestos e inocentes há nas prisões desse país e quantos criminosos e delinquentes em liberdade.”

Do livro O Pátio Maldito

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Costa Rica

A escritora Carmen Lyra era uma daquelas mulheres à frente de seu tempo. Além de escritora, meteu-se com política. Era comunista, o que lhe rendeu a expulsão de seu país de origem na década de 40. Morreu no exílio cerca de um ano depois. Somente por volta de 1980 foi resgatada a sua importância para a literatura costa-riquenha, em especial seus textos escritos para o público infantil.

Cuentos de mi tía Panchita, publicados em 1920, é uma reunião de pequenas histórias conhecidas mundialmente e recontadas dentro do imaginário do país.

Um dos contos mais curiosos é La Suegra del Diablo (sem tradução para o português) que relata a história do demônio que consegue ser vencido pela mãe de sua esposa humana, que conseguiu prendê-lo utilizando-se de sua astúcia. Quando é solto por um lenhador, o diabo foge de volta ao inferno ao saber que a sogra está em seu encalço.

En vez de contestar, el Diablo preguntó: –Hombre, ¿qué es ese alboroto? El otro respondió: –Aguardate, voy a ver qué es.  Inmediatamente volvió y dijo: –¡Que Dios te ayude! Es tu suegra que ha averiguado que estás aquí y ha venido con la botijuela para meterte en ella de nuevo. 

¿Quién le iría con la cavilosada a la vieja de mi suegra? –dijo el Diablo. ¿Y patas para qué las quiero? Salió corriendo y no paró sino en el infierno.”

 

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Brasil

Meu representante brasileiro dessa seleção literária é o maranhense Sousândrade. Um verdadeiro poeta maldito, ele é considerado parte do movimento do Romantismo.

Mas seus versos fragmentados e meio doidos não fizeram sucesso na época de seu lançamento, no fim do século XIX. Também pudera, Sousândrade flertava com a mistura do português com o inglês, em uma época em que a literatura brasileira só fazia referências (e reverências) à França. O escritor morou um período em Nova York, de onde tirou ideias para seu projeto mais grandioso: O Guesa ou O Guesa Errante.

A história de um guerreiro latino-americano que é sacrificado pelos corretores da Bolsa de Valores de NY, devotos de Mammon, deus do dinheiro e da especulação, não fez sucesso e só teve seu reconhecimento anos depois, com o redescobrimento de sua obra efetuado por escritores do movimento concretista.

O Inferno de Wall Street é o canto mais famoso desse livro difícil de ser compreendido até hoje. A Bolsa de Valores (no poema chamada apenas de stock) é o símbolo de uma sociedade baseada no dinheiro:

A Bíblia da família à noite é lida;

Aos sons do piano os hinos entoados,

E a paz e o chefe da nação querida

São na prosperidade abençoados.

— Mas no outro dia cedo a praça, o stock,

Sempre acesas crateras do negócio.

O assassínio, o audaz roubo, o divórcio,

Ao smart Yankee astuto, abre New York.”

Ao longo da Copa do Mundo farei mais seleções literárias, com azarões e craques da escrita. Também aguardo sugestões de leitura para entrar no clima futebolístico ou fugir dele.