Reportagens Especiais

(Mais) protestos conservadores na era pré-pós-Trump: invadindo o Capitólio

Colaborador Vós
9 de janeiro de 2021

Por David S. Meyer*

O esforço caótico de insurreição no edifício do Capitólio mostrou que mais 14 dias é tempo demais para Donald Trump continuar a servir como presidente.

Como prometido, [em seis de janeiro] Trump apareceu cedo para falar em um comício organizado em apoio às suas acusações infundadas de que a eleição presidencial fora roubada. Na maior parte, o discurso reprisou a recitação de realizações imaginadas e inimigos acumulados, conhecidos de suas aparições de campanha. Mas a lista de inimigos ficou maior, agora incluindo o ex-procurador-geral William Barr; o vice-presidente Mike Pence; o líder da maioria no Senado, Mitch McConnell; e a congressista Liz Cheney. Seus pecados: não apoiar Trump agressivamente o suficiente e, então, apegar-se demais às normas da governança constitucional.

Trump (de novo, falsamente) alegou uma vitória eleitoral esmagadora, reclamou sobre ser enganado e exigiu que seus seguidores lutassem para mantê-lo no cargo. Ele proclamou que jamais reconheceria a derrota e anunciou que marcharia com eles até o prédio do Capitólio para impedir o Congresso de aceitar os resultados do Colégio Eleitoral. Então, Trump voltou para a Casa Branca.

Os apoiadores seguiram em frente e, de alguma maneira, formaram uma coluna que passou pelos bloqueios ao redor do Capitólio e invadiram o prédio. (Pelo menos um vídeo circulando parece mostrar a polícia removendo as barricadas para convidar os insurgentes a entrarem.) Você teria que voltar a 1814, quando os britânicos invadiram (sem guitarras) para encontrar algo remotamente semelhante. Ironias abundaram enquanto os caras que marchavam para apoiar vidas azuis lutavam com a polícia.

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Trumpianos subiram correndo os degraus do Capitólio e avançaram pelos corredores, reivindicando o plenário da Câmara e do Senado, ocupando o Statuary Hall, invadindo escritórios, vasculhando mesas, quebrando vidros e saqueando – tirando selfies por todo o caminho
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Embora seja provável que pelo menos alguns dos vândalos tenham planejado a incursão, parece que muitos dos insurgentes apenas se deixaram levar pelo momento. Houve pouca coordenação aparente depois que o pessoal da segurança evacuou os membros do Congresso, nem qualquer consideração de uma mensagem comum.

Havia manifestantes em trajes estranhos, uma variedade de bandeiras brandidas (veja a bandeira confederada abaixo, quase cobrindo o que tenho certeza que é um retrato de John C. Calhoun, o principal teórico político da secessão do sul para preservar a escravidão), bonés MAGA [Make America Great Again, algo como Faça a América Grande de Novo, em tradução livre], mas não muitas máscaras em deferência a uma pandemia global.

O acesso aparentemente fácil dos vândalos ao prédio e sua capacidade de interromper o funcionamento do governo nacional levantaram questões óbvias sobre o policiamento. Os tuiteiros foram rápidos em perceber que bloqueios, prisões, espancamentos e estrangulamentos, gás lacrimogêneo e tiros vieram muito mais lentamente para este grupo de manifestantes brancos do que para disciplinar os manifestantes do Black Lives Matter no verão passado, quem dirá para o ocasional motorista negro, ou corredor, consumidor ou dorminhoco.

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O esforço tardio de Trump para promover a ordem pública veio com um vídeo de um minuto no qual ele reiterou suas queixas insustentáveis ​​sobre a eleição e declarou seu amor pelos insurgentes antes de encorajá-los a voltar para casa
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A coordenação da segurança pública estava, na melhor das hipóteses, dispersa, em parte devido a uma administração disfuncional e desinteressada, em parte como resultado da estranha governança de Washington DC. Observe que foi o Pence quem chamou a Guarda Nacional, embora o vice-presidente não tenha autoridade para fazê-lo. Demorou horas para uma coleção de agências de segurança pública evacuar o prédio e, lentamente, as áreas do entorno.

Os líderes do Congresso anunciaram que se reuniriam novamente e aceitariam os resultados assim que o prédio fosse limpo e, presumivelmente, quando o gás lacrimogêneo também fosse removido. Eles estavam determinados a não dar aos insurgentes nem mesmo o sopro de uma vitória para reivindicar. Parece que pelo menos alguns dos membros abandonaram seus planos de contestar os votos de alguns dos estados indecisos.

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As reportagens, nesta fase, não importa o quão sérias e bem-intencionadas, provavelmente não são totalmente fidedignas, então estamos esperando para obter uma história mais completa e esclarecer as implicações, mas aqui estão alguns palpites:

A insurgência vai desafiar ainda mais a fé de pelo menos alguns políticos republicanos no presidente, exacerbando uma divisão crescente no partido;

A presidente da Câmara, Nancy Pelosi, e os líderes do Senado McConnell e (agora!) Schumer tentarão coordenar alguma forma de remover – ou pelo menos calar – Trump para evitar mais danos. (O Twitter congelou temporariamente sua conta);

O Congresso – e as legislaturas estaduais – vão reforçar barricadas e aparelhar as forças policiais e de segurança, tornando mais difícil para as pessoas confrontarem – ou mesmo entrarem em contato com – seus representantes;

Talvez haja um apoio mais urgente para a criação de um estado em Washington DC – um governador poderia fazer coisas para proteger a ordem pública que o prefeito não poderia;

Talvez haja um pouco mais de suporte para uma modesta regulamentação de armas – dependendo do que acontecer a seguir;

Estamos vivendo um capítulo estranho e perturbador da história Americana. Eu ficaria bem em pular as últimas páginas e chegar a algo diferente.


Originalmente publicado no site Politics of Protest, sob o título (More) conservative protest in the pre-post-Trump era: storming the Capitol.

*David S. Meyer
Autor de The Politics of Protest: Social Movements in America
Professor de Sociologia e Ciência Política na Universidade da Califórnia, Irvine

 

Voos Literários

Os desastres de Cristiane

Flávia Cunha
30 de janeiro de 2018

Os desastres de Sofia é o título de um livro infantojuvenil escrito ainda no século 19 mas que faz até hoje muito sucesso no mundo inteiro, inclusive no Brasil. Escrito pela Condessa de Ségur, a obra tinha como protagonista uma menina mimada e bagunceira, que só se metia em confusão.

Na literatura, especialmente para crianças, parece divertido haver uma anti-heroína atrapalhada e que não obedece regras. Mas, se pensarmos que uma pessoa com essas características poderá ocupar um cargo no primeiro escalão do governo brasileiro, a ideia perde toda a graça. A minha singela analogia refere-se à deputada federal Cristiane Brasil, impedida pela Justiça de assumir o cargo de ministra do Trabalho, por ter sido condenada judicialmente na área em questão.

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Pois a nossa desastrada Cristiane, assim como a Sofia da ficção, achou por bem aprontar mais uma travessura. Gravou um vídeo, acompanhada de amigos sem camisa em uma lancha, defendendo-se das acusações.  O tom é jocoso, com os amigos da deputada minimizando o fato dela ter processos trabalhistas

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O vídeo viralizou na Internet, passou a ser notícia em todos os meios de comunicação, com uma avaliação negativa. Ou seja, se a situação da não-empossada ministra do Trabalho que já era ruim, ficou ainda pior. Aqui está o vídeo para quem ainda não viu e para quem deseja rever:

Essa é a nota oficial da deputada sobre o assunto:

“A deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) afirma que a gravação e a divulgação do vídeo foram manifestações espontâneas de um amigo, editadas fora do contexto. A deputada reitera ainda o seu respeito à Justiça do Trabalho e à prerrogativa do trabalhador reivindicar seus direitos.”

No twitter, o pai de Cristiane, Roberto Jefferson, se posicionou assim sobre o ocorrido:

“Sobre o vídeo, a repercussão fala por si. Também teve muita deturpação. Eram famílias no barco, havia crianças passando. Dito isso, penso que uma figura pública deve se portar como uma figura pública, e usar ferramentas como Facebook e Instagram apenas em caráter institucional.”

“Aliás, como tem troglodita nas redes, hein? Menos moralismo e menos machismo, por favor.”

 

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Vale lembrar que no livro da Condessa de Ségur, Sofia nunca se dá bem. Seria esse também o destino das pessoas mimadas no mundo real? Torço fortemente que sim.