Igor Natusch

De vez em quando, os fascistas não vão passar

Igor Natusch
12 de setembro de 2019

Na dura luta conta a escalada reacionária e fascista que ameaça transformar o Brasil em escombros, todas as vitórias devem ser comemoradas.

No último dia 7 de setembro, tivemos um triunfo significativo nesse sentido. Diante da censura homofóbica promovida pelo prefeito Marcelo Crivella contra a Bienal do Livro no Rio, uma reação (disparada, até certo ponto, pelo super-trunfo midiático Felipe Neto) forçou a ofensiva obscurantista a recuar, em uma sequência de acontecimentos que incluiu recordes de vendas, manifestações ruidosas e uma capa história da Folha de S. Paulo. A insensatez preconceituosa de Crivella (e do desembargador Cláudio de Mello Tavares, do TJ-RJ, que temporariamente autorizou o absurdo recolhimento de livros com temática LGBT) foi enfrentada e, no fim das contas, não triunfou.

Pela primeira vez em um tempo considerável, os fascistas não passaram.

Ainda assim, não foram poucos os que se mostraram, no mínimo, reticentes em comemorar. Afinal, argumentou-se, a ala mais radicalizada à direita estaria achando o máximo o posicionamento do prefeito carioca – e a reação estaria, na verdade, fidelizando e dando coesão às forças obscurantistas ao invés de enfraquecê-las. Ao falar do assunto, servimos à narrativa deles. Se continuarmos agindo assim, eles vão se reeleger, vão seguir no poder indefinidamente e nunca poderão ser derrotados etc e por aí vai.

Olha, sinceramente: está na hora de desapegar desse medo.

Não há qualquer sentido em disputar a mente dos apoiadores mais empedernidos de Bolsonaro, Crivella e de tudo que eles representam. Eles investiram muito de si nessa história, enormes quantidades de recalques e angústias, e simplesmente não vão saltar fora do barco ao primeiro sacolejo do mar revolto. Talvez desistam, em algum momento, desta trilha de destruição – mas dificilmente agora, e certamente não pelas palavras de ordem de um bando de petralhas esquerdopatas.

E, se converter os convertidos não está no horizonte, que sentido há em ficar temeroso pelo que eles pensam?

Quem propôs a briga foram Crivella e os seus. A reação veio porque, no caso, não tinha como não vir. Silenciar era inconcebível.

Ou permitir que os livros fossem recolhidos era, quem sabe, uma posição tática aceitável? Talvez, para evitar reforçar os reacionários, devamos aceitar que eles façam o que der na telha, sem qualquer tipo de contestação? Torcer para que, se ficarmos bem quietinhos, eles simplesmente desistam de nos importunar?

É possível acalmar a besta fingindo que não se escuta o que ela diz, que não se vê o que ela faz?

A fandom reacionária está, por assim dizer, perdida. Não temos que lutar por eles, mas sim enfrentar quem os usa como manobra. Agir de forma que, ao espectador ainda não posicionado, o lado do atraso, da destruição e do ódio a tudo que não seja espelho pareça tão inaceitável quanto de fato é. E, acima de tudo, temos que lutar pela nossa própria força. Temos que ser capazes não apenas de resistir, mas de confrontar. Se é preciso aprender a não dar fôlego a essa corrente-para-trás que nos consome, é igualmente importante tirar lições de nossas vitórias. Ser capaz de encontrar força, inspiração e estratégia em tudo que nos tira, mesmo que por poucos momentos, da defensiva.

Os fascistas não passaram, ao menos desta vez. E, se não passaram, é porque alguma coisa de certo a gente fez.

Foto: Ana Paula Rocha / Reprodução / Twitter

Voos Literários

Censura nunca mais!

Flávia Cunha
10 de setembro de 2019

Caros leitores, embarquem no túnel do tempo da política reacionária brasileira, em que a tentativa de censura a livros é vista como uma batalha a favor da moralidade em pleno século 21.

Refiro-me, claro, à atitude vergonhosa do prefeito Marcelo Crivella de tentar apreender, durante a Bienal do Rio de Janeiro, a HQ Vingadores, a Cruzada das Crianças pelo “perigo” de mostrar um beijo entre dois personagens masculinos. O caso teve repercussão internacional e, para pavor dos conservadores de plantão, alavancou a venda do livro e a comercialização e distribuição de outras obras com temática LGBT durante um dos eventos literários mais importantes do Brasil.

Mas por que me refiro ao túnel do tempo? Porque Crivella parece ter se inspirado em um decreto de 1970, quando o militar Médici estava no poder sem ter sido eleito pela via democrática. Aquele período histórico que muitos agora tentam dizer que não existiu, sabem?

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Observem alguns trechos do Decreto-lei nº1.077 e vejam como a atitude de Crivella não tem nada de original

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[…] não serão toleradas as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos costumes;

CONSIDERANDO que essa norma visa a proteger a instituição da família, preserva-lhe os valores éticos e assegurar a formação sadia e digna da mocidade;

CONSIDERANDO, todavia, que algumas revistas fazem publicações obscenas e canais de televisão executam programas contrários à moral e aos bons costumes;

CONSIDERANDO que se tem generalizado a divulgação de livros que ofendem frontalmente à moral comum;

CONSIDERANDO que tais publicações e exteriorizações estimulam a licença, insinuam o amor livre e ameaçam destruir os valores morais da sociedade Brasileira;

CONSIDERANDO que o emprego desses meios de comunicação obedece a um plano subversivo, que põe em risco a segurança nacional.

DECRETA:

Art. 1º Não serão toleradas as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes quaisquer que sejam os meios de comunicação.

[…]

Art. 3º Verificada a existência de matéria ofensiva à moral e aos bons costumes, o Ministro da Justiça proibirá a divulgação da publicação e determinará a busca e a apreensão de todos os seus exemplares.”

Sob o argumento desse decreto, muitos livros foram censurados durante a Ditadura Militar, mostrando que a sexualidade era uma das paranóias daquele período, juntamente com a ameaça comunista. Exemplo disso é a escritora Cassandra Rios, que foi campeã em obras censuradas (um total de 36 livros) não por abordar questões políticas mas por escrever literatura erótica, com muitas personagens lésbicas presentes em seus romances. Antes da censura ser implementada pelo regime militar, foi a primeira mulher a vender um milhão de exemplares no Brasil e foi uma das primeiras pessoas a assumir a escrita de livros como única profissão em um país conhecido por escritores precisarem de outros ofícios para sobreviverem.

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Para encerrar esse texto anti-censura, vamos a um trecho de um dos romances “proibidões” de Cassandra Rios (Copacabana Posto 6/ A Madrasta), vetado pelos censores em 1975
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“Vocês, como eu, já recalcaram todas as piores mágoas que um ser humano pode ter. Primeiro aquela surpresa de que nossos gostos são diferentes, contrários aos bons costumes sociais, que temos que ocultá-los. Segundo, a vergonha da palavra: lésbica! Homossexuais!”

Imagem: Reprodução/Instagram