Samir Oliveira

Um campo de concentração para gays na Chechênia: onde fomos parar?

Samir Oliveira
13 de abril de 2017
Foto: Divulgação/Presidência da Rússia

O mundo foi assombrado esta semana por uma informação que nem os piores portais de fake news conseguiriam elaborar: a de que autoridades na Chechênia estariam levando homossexuais para um campo de concentração. Na era da pós-verdade e das notícias falsas, confesso que custei a acreditar. Até que garimpei em diversos sites confiáveis e verifiquei, para meu espanto, que a notícia era verdadeira.

Contudo, a dificuldade de acesso a informações no local, devido ao bloqueio proporcionado pelo poder público na Chechênia, borra ainda mais as fronteiras entre o que é real e o que são especulações.

Por exemplo: até o momento nenhum informe soube precisar onde ficaria este campo de concentração. Mas todos são unânimes em relatar que homossexuais estão sendo perseguidos e assassinados. A maior parte das informações vem de organizações em defesa dos direitos humanos. Tudo começou quando um movimento LGBT da Rússia passou a exigir das autoridades permissão para realização de paradas do orgulho LGBT em diversas cidades do país. A “ousadia” despertou a revolta de comunidades que já são extremamente preconceituosas, deslanchando uma caça às bruxas devastadora para a população LGBT na região – a imensa maioria, aliás, ainda dentro do armário, por motivos óbvios.

?Mas o que a Rússia tem a ver com isso?

Todas as notícias sobre o assunto falham em explicar exatamente o que é a Chechênia. É uma República, mas não é exatamente um país independente. Acontece que na Federação Russa existem vários níveis de autonomia concedidos a seus territórios. Existem 83 divisões territoriais na Rússia: 46 províncias, 21 repúblicas, 9 territórios, 4 regiões autônomas, 2 cidades federais e uma província autônoma.

As repúblicas gozam de uma ampla autonomia em relação ao Kremlin. Têm seus próprios presidentes e parlamentos. Mas isso não justifica a omissão de Vladmir Putin em relação ao que ocorre na República da Chechênia.

Os últimos anos já nos deram provas o suficiente de que a Rússia, como um todo, é uma sociedade bastante conservadora no que diz respeito à população LGBT. Não causa surpresa o fato de o governo central se omitir sobre a perseguição escrachada aos gays em seus territórios.

A República da Chechênia é governada por Ramzan Kadyrov, aliado de Putin e muçulmano sunita, assim como a maioria dos habitantes da região. Não que eu ache que a culpa pelo preconceito seja da religião, muitos países possuem maioria muçulmana, seja ela sunita ou xiita, e não constroem campos de concentração para LGBTs. O Brasil é um país de maioria católica e é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. Ou seja, a questão é muito mais profunda e complexa. Infelizmente visões ocidentalistas e mal intencionadas acabam manipulando os fatos para construir um discurso islamofóbico que sirva aos interesses das grandes potências ocidentais.

A própria resposta do governo local da Chechênia às acusações de que estaria perseguindo homossexuais é uma prova cabal de que algo muito obscuro ocorre na região: “Não podemos perseguir quem não existe”.

O autoritarismo de Kadyrov é notório – e não é de hoje. Em 2006, a jornalista russa Anna Politkovskaya foi assassinada em frente ao seu prédio em Moscou semanas após dar uma entrevista a uma rádio qualificando o governante chechênio como “um covarde escondido atrás de um exército”.

Resposta internacional

A comunidade internacional precisa se insurgir contra este absurdo. A construção de campos de concentração para homossexuais nos leva aos períodos mais sombrios da história da humanidade. Há relatos de que as autoridades policiais da Chechênia estariam usando o Facebook para “descobrir” quem é homossexual na região, marcando encontros com homens gays para então prendê-los.

Seria ingenuidade minha pensar que a ONU ou qualquer potência internacional adotariam medidas drásticas contra a Rússia, ela própria uma potência com assento no Conselho de Segurança. Mas é preciso, no mínimo, dar acesso aos grupos em defesa dos direitos humanos para que possam ingressar na Chechênia com plena liberdade para salvar as vidas ameaçadas pela intolerância. Para que possam oferecer aos homossexuais da região uma porta de saída daquele horror.

Foto: Presidente russo, Vladimir Putin, reunido com o presidente da Chechênia, Ramzan Kadyrov.
Crédito da Foto: Presidência da Rússia/Divulgação.