Cansei de ouvir pessoas que queriam “ter vivido nos tempos da Ditadura.” Não porque apoiassem, mas porque queriam ter tido a chance de lutar contra o regime, de protestar contra a Guerra do Vietnã, de ter ido à Woodstock, de entrar pra uma guerrilha. E não foram poucos os relatos desse tipo. Na faculdade, pipocavam sempre que se tocava no assunto. Muito romântico. Muito ridículo (desculpem-me, mas é).
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Pois talvez os “saudosistas” tenham uma chance
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Sempre tive fascínio pelas aulas de História. Sem saber das palavras de Heródoto, desde pequena acreditava que era importante conhecermos o passado para compreender o presente e idealizar o futuro. Sem saber da existência de Marx, acreditava que o passado poderia ser um instrumento de combate às injustiças e desigualdades. Mas nunca quis viver dentro dos livros de História que carregava.
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Estava perfeitamente confortável com o sentimento de distância do passado de autoritarismo
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Verdade que não conseguia conter as lágrimas ao ler sobre o Holocausto. Derretia por dentro ao ler sobre a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos e a batalha para acabar com a segregação racial. Ficava hipnotizada com a história da Ditadura Militar brasileira, apesar de não compreender como parte da população fora a favor do golpe – apenas mais tarde soube que era a maioria, muito mais tarde.
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Mas tudo parecia distante, como se tivesse acontecido há séculos
E cá tínhamos a história para evitar que
repetíssemos os mesmos erros
Eu me sentia segura fora dos meus livros de História
Ledo engano. Estamos em 2017 e há um grupo de pessoas que acredita que a TERRA É PLANA. Uma exposição de ARTE FOI FECHADA por atentar contra a MORAL E OS BONS COSTUMES. Candidatos à presidência reforçam preconceitos raciais e EXALTAM A TORTURA. Grupos negam a ciência e DUVIDAM DO AQUECIMENTO GLOBAL. RACISMO é justificado. XENOFOBIA é justificada. Homossexualidade é tratada como DOENÇA. Nacionalistas alemães são eleitos para o parlamento com bandeira ANTI-IMIGRAÇÃO. No Brasil, clamam por intervenção militar.
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Qualquer semelhança não é coincidência
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Neste ritmo, talvez estejamos mais perto de um regime de exceção do que nossa vã imaginação pudesse imaginar até pouco tempo. Estamos retrocedendo a uma velocidade tão assustadora que me sinto puxada para dentro de meus livros de História, como em um redemoinho sombrio de erros do passado, e ali deparo com o preconceito, com o ódio, com a intolerância, com a ignorância. Não quero ficar aqui dentro.
