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Comissão aprova PL do Veneno – e alguns deputados não poderiam estar menos preocupados

Geórgia Santos
26 de junho de 2018

Os deputados da Comissão dos Agrotóxicos aprovaram, nesta segunda-feira, o parecer do relator Luiz Nishimori (PR-PR) sobre o Projeto de Lei 6299/02, que flexibiliza as regras para comercialização de agrotóxicos no Brasil. Em menos de dois meses de debates, o PL do Veneno avança em meio à Copa do Mundo e a portas fechadas.

Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados

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O tema mobilizou grupos de diferentes setores da sociedade. De um lado, representantes do agronegócio. De outro, ambientalistas e entidades ligadas ao meio ambiente e saúde

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Apesar de todo o interesse em torno do assunto, alguns deputados não estavam preocupados ou atentos ao debate. Ao que tudo indica, tinham coisas mais urgentes a resolver. Segundo reportagem do jornal O Globo, César Halum (PRB) foi flagrado enquanto se divertia e olhava a foto de uma mulher seminua no celular. Ao ser questionado, não só não assumiu a responsabilidade como respondeu com grosseria.

“É o seguinte: você abre o celular, aí os caras vão e colocam isso aí. Eu abro toda hora para ver mensagem e aí de vez em quanto vem isso aí. Também não vou olhar uma foto de macho com pau duro olhando pra mim”, respondeu à reportagem de O Globo.

Já o deputado Victório Galli (PSL-MT) se divertia acompanhando o jogo entre Portugal e Irã pela Copa do Mundo, também pelo celular. Neste caso, não houve resposta do parlamentar. Os dois votaram a favor do projeto que flexibiliza o uso de agrotóxicos. O PL do Veneno foi aprovado por 18 votos a 9 e agora segue para votação na Câmara dos Deputados. 

Os ruralistas afirmam que a proposta trata, apenas, da diminuição da burocracia no processo de certificação dos produtos. Garantem que não há risco para os consumidores. O Vós já se posicionou sobre esse assunto, que acreditamos ser um problema de saúde pública. O PL do Veneno afrouxa a regulação de agrotóxicos e pode trazer sérios riscos à saúde humana. A nossa posição não é uma questão de opinião, mas embasada nos comunicados oficiais da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e do Instituto Nacional do Câncer.

Se o projeto for aprovado no Congresso, o Ministério da Agricultura terá toda a autonomia para registrar novos agrotóxicos, sem a palavra das entidades de saúde e meio ambiente.

Confira aqui os riscos que a aprovação do PL do Veneno traz à saude.

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4 coisas que você precisa saber sobre o PL do Veneno

Geórgia Santos
20 de maio de 2018
Faz um exercício comigo. Imagina encher duas garrafas e meia com veneno. Falo dessas garrafas de 2L, garrafas PET de refrigerante. Agora imagina beber esses 5L de veneno. Impossível, né? Qualquer ser humano morreria. Mas e se fosse beber aos pouquinhos? Um golinho por dia? Não?
Lamento informar, mas todos os brasileiros fazem isso.

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Dados  Instituto Nacional do Câncer (INCA) mostram que os brasileiros consomem 5L de agrotóxicos por ano. Isso porque o Brasil é líder mundial no uso de pesticidas desde 2008. Aqui, é permitido o uso de determinadas substâncias que são proibidas em países desenvolvidos, por exemplo.

Mesmo assim, há quem queira flexibilizar o uso de agrotóxicos e fazer com que pareça algo bom. No site da Câmara dos Deputados, o PL 6299/02 é apresentado como um projeto de lei que regula Defensivos FitossanitáriosChique, né. Em propagandas redes sociais afora, há quem chame de Defensivos Agrícolas. Bonito.

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O nome é bonito, mas ainda estamos falando de agrotóxicos

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O projeto de lei em questão é o famoso PL do Veneno. Nome apropriado ao teor do texto que revoga a lei que controla o uso de agrotóxicos e flexibiliza o registro, controle e fiscalização desses produto no Brasil. Na gaveta há anos, a ideia volta com toda força. Foi reativada uma Comissão Especial na Câmara dos Deputados para acelerar a votação e a bancada ruralista não está para brincadeira. A saber, o autor do projeto é Blairo Maggi, ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do governo Michel Temer.

Também estão em análise outras 17 propostas, entre elas o PL 3200/15, que substitui o nome AGROTÓXICO por defensivos fitossanitários e produtos de controle ambiental.  No Twitter, o perfil @LeiDoAlimento advoga pelo que chama de Lei do Alimento Mais Seguro. Há uma página também, em que se garante que a nova legislação fará com que os alimentos cheguem à mesa com mais segurança para todos. Afirma-se que o texto do projeto prevê a proteção dos consumidores e do meio ambiente.

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Não sou ingênua sobre a necessidade do uso de agrotóxicos em produções de grande escala. O problema é que ao invés de caminharmos na direção de uma alimentação cada vez mais limpa, corremos para abraçar uma substância que está nos matando.

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A ideia de que agrotóxicos fazem mal à saúde é amplamente aceita e comprovada, tanto que o consumo de alimentos orgânicos aumenta no Brasil e no mundo. Mesmo assim, parlamentares colocam interesses econômicos acima da saúde de gerações de brasileiros, afinal, agrotóxico não se tira com água. Porém, entre o PL do Veneno e a Lei do Alimento Mais Seguro, fica difícil saber do que se trata o projeto e de que forma ele pode afetar nossa vida de fato. Por isso, vamos listas algumas questões importantes.

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1 Mudança de Nome

O projeto prevê a mudança do nome agrotóxicos para defensivos fitossanitários. Além disso, altera o nome pesticida para enfermidade endêmica que mata. O relator do projeto, Luiz Nishimori (PR-PR) disse à Agência Brasil  que o termo agrotóxico é depreciativo e que não é usado em outros países.

Quem se opõe ao projeto afirma que o risco de mudar o nome está no fato de que as pessoas podem ser enganadas com uma falsa sensação de segurança que a palavra defensivos pode oferecer.  Tanto que entidades como o Instituto Nacional do Câncer (INCA), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e o Ministério Público Federal (MPF) publicaram notas em que demonstram grande preocupação com a aprovação do projeto. 
A Anvisa informou que a proposta não contribui com a disponibilidade de alimentos mais seguros. Portanto, “não atendendo, dessa forma, a quem deveria ser o foco da legislação: a população brasileira”. Já o MPF afirmou que a proposta é inconstitucional.
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2 Controle de Registro

A proposta exclui os ministérios da Saúde e o do Meio Ambiente do processo de análise e registro dos produtos sob o argumento de que demora de três a oito anos, o que faz com a tecnologia fique defasada. Isso significa que as atribuições ficam sob responsabilidade exclusiva do Ministério da Agricultura – eu mencionei que  autor do projeto é o atual ministro da Agricultura?

Hoje, o registro só é concedido depois de  passar também pelo Ibama e Anvisa, que analisam os possíveis danos para o meio ambiente e saúde. Ou seja, se apenas o Ministério da Agricultura analisar o produto, não há garantias de que seja seguro para o ambiente e para a saúde das pessoas que vão ingerir a substância.

Obviamente há um problema com relação à morosidade do poder público brasileiro, mas a saúde das pessoas precisa ser prioridade.

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3 Flexibilização

Hoje, a Lei dos Agrotóxicos proíbe o registro de pesticidas  mutagênicos, carcinogênicos teratogênicos. Ou seja, é proibido utilizar qual substância que cause câncer, que prejudique o desenvolvimento do feto, que gere mutações ou danos ao aparelhos reprodutor, além de danos ao meio ambiente e à saúde pública.

A nova proposta torna o conceito mais genérico, o que flexibiliza o uso de substâncias altamente perigosas.

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4 Registro temporário

O projeto advoga que se depois de 12 meses o parecer de um produto não for concedido, pode haver um registro temporário de um pesticida desde que ele tenha sido usado em, ao menos, três países. Basicamente, se as autoridades brasileiras não autorizarem o uso de uma substância, os agricultores podem usar mesmo assim, desde que tenha sido utilizado em outros lugares.

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Dados da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) mostram que quatro mil pessoas por ano sofrem com intoxicação por agrotóxicos – isso só em 2017. Sem contar os inúmeros danos a longo prazo que essas substâncias podem causar ao organismo humano e ao meio ambiente. Apesar disso, nossos parlamentares pretendem flexibilizar o uso de veneno na nossa comida. Tudo para atender ao lobby de gigantes do setor agroquímico como Bayer, Monsanto, Syngenta, Bunge, entre outras. Tudo para atender às demandas de muralistas fichados por crimes ambientais e acusações de trabalho análogo ao escravo.