O ano de 2017 começou de forma tenebrosa para a população LGBT. Tivemos a morte a facadas do jovem Itaberli Lozano, da cidade de Cravinhos, no interior de São Paulo. Com apenas 17 anos e uma vida inteira pela frente, foi assassinado pela mãe e pelo padrasto por ser gay. O enfermeiro Marcelo Correia foi atingido na cabeça com uma barra de concreto na cidade de Prado, na Bahia. O vendedor Divino Aparecido foi espancado em Uberlândia. Está no hospital, em coma induzido. Um grupo de drag queens foi barrado na entrada de um shopping na Zona Leste de São Paulo. O casal Júnior Santos e Maycon Aguiar recebeu uma carta com insultos homofóbicos e racistas de vizinhos no condomínio onde moram, no Rio de Janeiro.
Esses são apenas alguns casos. São apenas os que saem no noticiário. Certamente existem muitos outros. Neste momento, uma menina lésbica está sendo expulsa de casa. Uma travesti está apanhando nas ruas. Um homem transexual está sendo desrespeitado no sistema de saúde. As estatísticas são muito generosas com a população LGBT porque a subnotificação das agressões que sofremos todos os dias é a regra geral. A realidade é muito pior.
Mas nós viemos de muito longe. Viemos da rebelião de Stonewall, onde enfrentamos o autoritarismo da polícia com nossos corpos. Ao longo de muitas décadas, conseguimos sair da marginalidade para o orgulho. Sem nunca perder a rebeldia necessária a todas e todos que estão acostumados a observar a vida pelas beiradas. Viemos de uma longa tradição de resistência individual e coletiva. E não vamos abaixar a cabeça, ainda que este ano comece com tantas notícias ruins. Com tantas vidas golpeadas pelo preconceito.
Maria Bethânia diz em uma canção: “Não mexe comigo, que eu não ando só”. Nós não andamos sós. As multidões que saem às ruas nas paradas LGBTs de todo o país e do mundo inteiro comprovam isso. A juventude e as novas gerações são a prova viva de que a discriminação está condenada ao ostracismo. Nossas vidas, linguagens e afetos constroem verdadeiras fissuras em um sistema marcado pela opressão. De fenda em fenda, abrimos um rombo. Quando aqueles que propagam o ódio menos perceberem, estarão em um abismo.
No tempo em que vivemos, qualquer manifestação de otimismo pode ser facilmente confundida como um ato de loucura. Como uma demonstração de ingenuidade. O poeta uruguaio Mario Benedetti certa vez escreveu que precisamos defender a alegria como um direito. Acredito que também devemos ter direito ao otimismo. Podem dizer que vivo fora da realidade. Esfreguem todas as piores notícias na minha cara. Falem-me de conjuntura, me xinguem de imaturo. Não importa. Eu ainda acordo todos os dias pensando na frase da escritora indiana Arundhati Roy: “Um outro mundo não apenas é possível, como ela [sim, é uma outra munda] está a caminho. Em um dia tranquilo, eu consigo ouvir sua respiração”.
Crédito da foto: Fernanda Piccolo.
