Nós US

Inauguramos a decadência

Sacha
8 de fevereiro de 2017

(you can read this article in English here)

Já dissemos adeus a 2016 e chegamos à inauguração do nosso desestimado circus peanut como Presidente dos Estados Unidos da América. Se houvesse piada original a escrever desta que parece cena de filme, escreveria, mas não há. Já sabemos quem ele é e o que representa o novo “líder do mundo livre” (se bem que esta frase carrega polêmica em si). Vamos além, então.

O cenário deste início de 2017 é o triunfo de respostas singelas e nacionalistas às mudanças que a globalização traz. Não importa mais o que dizem os especialistas acerca das consequências em escala mundial deste fenômeno. Isso porque os experts são o bode expiatório mais fácil a quem atribuir o fracasso das economias, que já não são capazes de recolocarem e reinventarem as classes trabalhadoras perante forças sem fronteiras. Partimos desta base para chegar a Trump e ao Brexit. Através deste fenômeno, a ordem pré-existente do Ocidente ficou profundamente alterada.

A palavra mais acertada para este fenômeno seria decadência.

Não somente no sentido de declínio, mas também no enfrentamento da falha do sistema. Como é que vamos dizer ao trabalhador de fábrica—seja de Lincolnshire, seja do Michigan—que o seu trabalho de toda a vida não só nunca mais volta como foi substituído por completo por ganhos em produtividade graças a máquinas e tecnologias novas? Simples. Apela-se à vanglória, ignorando os fatos e a complicação da vida real, porque é o que quer ouvir. A decadência reside na reação às promessas vazias, à fumaça que comprou.

Mas, afinal, porque decadência, então? Chamo assim pela decaída do tal conhecido serviço público, que é o princípio de qualquer posição política. O discurso que tem surgido, tanto na personagem do Trump como no populismo crescente na Europa, é, no fundo, um apelo a uma imagem singela do funcionamento governamental. Governar não é uma tarefa simples. Apelar a uma fantasia de um governo sim que é simples. Governança não é capaz de satisfazer todo um povo de uma vez. Já o populismo tem como alvo dizer as palavras que satisfazem a ampla maioria de um tal povo. É decadente porque defrauda os princípios de política e de governança reais.

Muito se fala de “nós” no discurso populista, nos apelos à vanglória da pátria ou da nação, na nostalgia por tempos jamais existentes. O “nós” é mais conveniente quando a atração à divisão do povo é mais forte. Nós somos pessoas do bem, contra aqueles que não têm moral. Nós somos trabalhadores honestos, contra aqueles que já têm tudo e não sabem o que é um dia próprio de trabalho. Nós temos bom senso, compreendemos o mundo ao nosso redor, contra aqueles que passam o dia todo em laboratórios a fazer pesquisas. Nós somos cultos, contra aqueles brutos do outro lado. Há todo um universo de exemplos genéricos deste “nós” que simultaneamente representa toda a gente e ninguém. Este “nós” é simplório por defeito. O nós real é complexo, engloba até as partes da sociedade que menos estimamos, tem defeitos e precisa sempre de correções no seu sistema de ser.

Inauguramos a decadência.

Inauguramos Nós.