Nesta semana marcada pelo Dia Internacional da Mulher, o assunto desta coluna não poderia ser outro que não o machismo perpetuado por homens gays. Trata-se de algo tão intrínseco em nossa própria sociabilidade que pode ser difícil para alguns identificar determinados comportamentos e discursos como integrantes de uma cultura machista. Façamos, então, um esforço radical de compreensão.
Eu aprendi muito com minhas amigas. Especialmente com minhas amigas lésbicas. À medida em que passei a conviver mais com as outras letras da população LGBT, fui percebendo o quanto o segmento “G”, ao qual pertenço, está na vanguarda do atraso quando olhamos para o conjunto de nossa comunidade. Não me refiro apenas ao movimento gay enquanto um corpo político – justamente apontado como centralizador de toda causa LGBT, valendo-se de privilégios que lésbicas, bissexuais e transexuais não possuem. Refiro-me aos indivíduos gays enquanto sujeitos, suas dinâmicas internas de convivência e linguagem.
Ao deixar de me relacionar apenas com amigos heterossexuais passei a me libertar de diversas formas ao estabelecer vínculos com outros sujeitos como eu. Outros homens gays. Mas hoje percebo que, no que diz respeito ao machismo, apenas transitei do convívio com comportamentos machistas heterossexuais para o convívio com comportamentos machistas vindos de homossexuais.
Ainda é muito comum, em círculos de amizade formados por homens gays, ouvir absurdos misóginos
Ouvir expressões que humilham mulheres, que expressam a ideia de que homens gays possuem nojo da genitália feminina. Também não são raras as vezes em que homens gays se apropriam de elementos socialmente tidos como “femininos” como forma de rebaixamento, ecoando a noção de que tudo que é associado a uma ideia de “feminino” é inferior. Esses comportamentos, muitas vezes, não são reproduzidos de maneira a constituir conscientemente uma ação machista. Mas oprimem da mesma forma. Não me custa nada entender por que minhas amigas lésbicas preferem sair com meninas lésbicas, interagir com outras mulheres. Elas se sentem mais seguras e acolhidas, a salvo de comentários de seus amigos gays que, mesmo de forma inconsciente, reproduzem machismo e até mesmo lesbofobia.
Isso para não falar das mulheres transexuais e travestis. Estas estão sujeitas a toda forma duvidosa e opressora de humor por parte de homens gays. O tempo inteiro.
Ainda hoje é preciso repetir o óbvio: que ser gay não significa portar um passe livre para a reprodução de outras opressões. Que ser gay não te impede de ser machista. A força da luta das mulheres despertou em mim um alerta permanente a este tipo de conduta. Eu preciso do feminismo para ser viado. Porque homofobia e machismo andam de mãos dadas, massacrando juntas tudo que é associado a conceitos socialmente construídos de “feminilidade”. Porque durante toda a minha infância eu fui ensinado a entender que ser “mulherzinha” era ser inferior. Que não havia “xingamento” pior para um menino do que ser chamado de menina. Que eu não podia usar canetas coloridas na escola, porque isso “era coisa de bichinha”. Que eu não podia lavar louça em casa, porque “isso é coisa de mulher”. Que se eu não “andasse como um homem” poderia ser insultado nas ruas. A maioria dos ataques e insultos homofóbicos tem suas raízes cravadas no ódio a qualquer ideia socialmente associada ao feminino. É inaceitável que homens gays, vítimas desses mecanismos perversos de opressão sistêmica, também reproduzam a lógica das engrenagens que os sufocam.
Foto: Adria Meira
