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Há todo um mundo de comparações entre o Brexit e Trump. São considerados fenômenos-irmãos, uma onda que se está a espalhar pelo Ocidente. Só que, apesar das aparências, não são tão parecidos assim.
Semelhanças
É verdade, sim, que o populismo ocidental segue uma tendência conservadora. É também verdade que a xenofobia está em alta, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. Nessa mesma linha, é um fato que a demografia do ocidente está a mudar para lados cada vez menos brancos e cristãos. Também parece verdade, de momento, que o Partido Conservador do Reino Unido e o Partido Republicano dos Estados Unidos não têm planos tão bem definidos quanto faziam parecer para os próximos passos depois dos êxitos eleitorais. Em ambos os casos, a grande imprensa ajudou a construir e participou de um espetáculo mediático, abusando de falsas premissas e fatos fabricados para levar a cabo um resultado mais dramático e lucrativo. Até aqui, só semelhanças entre os dois casos.
Onde os caminhos se separam
O ponto de divergência entre o Brexit e Trump reside, em parte, na diferença fundamental dos respectivos cenários políticos. A convocatória de um plebiscito para determinar a permanência na União Europeia por parte de um governo britânico com uma maioria ampla no Parlamento não corresponde, de fato, com a ocorrência regular de eleições para o líder de outro país. David Cameron convocou o plebiscito na busca de consolidação política em casa e legitimação em Bruxelas, onde a sua posição de barganha se viu bastante reduzida por erros políticos na escala europeia.
O grande erro de Clinton foi de subestimar a importância do mapa eleitoral
O grande erro de Cameron foi subestimar a apatia e fricção com a União Europeia que têm os ingleses mais velhos. Esses mesmos que mais tendem a votar e que viveram todo o trajeto do encaixe difícil do Reino Unido na União Europeia. Comparamos isso com o fato de Donald Trump perder em torno de 3 milhões de votos contra Hillary Clinton no voto popular, deixando dúvidas sobre a legitimidade do seu mandato—senão em boa parte do sistema eleitoral que o permitiu ganhar apesar da discrepância. O grande erro de Clinton foi de subestimar a importância do mapa eleitoral.
A fricção entre o Reino Unido e a União Europeia sempre foi bem conhecida e levou a UE a ceder vários estatutos privilegiados para a nação com respeito à contribuição orçamental, à pertinência na zona da moeda única e mais. Já Trump representa a culminação de anos de retórico extremo normalizado por fações do Partido Republicano e a imprensa conservadora dos Estados Unidos, principalmente no seu jogo de obstinação contra tudo que tinha a ver com o presidente Barack Obama.
O motivo principal de votar pela saída do Reino Unido da União Europeia era uma nostalgia por tempos de maior relevância na escala mundial, acertado por uma margem ampla. O motivo principal de votar em Trump era uma crença na sua vangloriosa retórica xenófoba, racista, misógina e nacionalista como solução fácil para problemas locais que nada têm a ver—um elixir acertado por margens estreitíssimas nos lugares certos.
As coincidências entre eles são muitas, mas melhor evitarmos tratá-las como se fossem exatamente o mesmo fenômeno.
