Igor Natusch

As fake news apenas dizem o que você quer ouvir – e lucram bastante com isso

Igor Natusch
11 de outubro de 2017

A completa degradação do debate político no Brasil tem muitas camadas, como uma cebola que apodrece de fora para dentro e não o contrário. Uma delas, com certeza, é o descrédito dos atuais veículos de imprensa.

Semana passada comentei sobre o editorial do Estadão defendendo Michel Temer como talvez uma mãe amorosa não defendesse um filho, e tivemos recentemente casos de crítica que beiram o absurdo, como um protesto chamando a Rede Globo de esquerdista – algo que, convenhamos, só alguém completamente desligado dos últimos 30 ou 40 anos de noticiário pode considerar minimamente crível. Por outro lado, sites de “notícias” que publicam qualquer besteira como se fosse um fato “ignorado” pela mídia hegemônica proliferam como mato, direcionados a leitores de todos os espectros políticos – que, é claro, vão até eles de forma ávida, em busca da “verdade” que o jornalão e a emissora de tevê estão escondendo da população.

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As duas situações se alimentam da mesma tendência (uma das tantas que já existiam meio que desde sempre, mas que as redes sociais aparentemente ajudaram a multiplicar): a de enxergar a notícia como confirmação de ideias já existentes, ao invés de el

emento para a formação de opinião

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O jornal de grande circulação mente e/ou é desprezível apenas quando noticia algo do meu desagrado – afinal, se a notícia é prejudicial ao “outro lado”, lá vou eu compartilhá-la sem nenhum constrangimento. E tanto faz a credibilidade do “veículo” que sigo e/ou reproduzo, desde que a manchete reflita a suposta convicção que já carrego dentro de mim. Ou será possível acreditar que ninguém jamais percebe que está difundindo informações falsas ou, pelo menos, pouquíssimo confiáveis? Percebem sim, e muitas vezes – mas seguem dando likes e RTs, seguem postando em seus perfis, seguem compartilhando com os contatos do Whatsapp. Não importa se é real: o importante é que diga a coisa que desejamos ler ou ouvir.

O que nos leva à curiosíssima notícia, produzida pela Vice, dando conta de que o site JornaLivre (que é, basicamente, um espaço pseudo-jornalístico onde o MBL vende suas ideias e ataca seus desafetos) usa um script que lucra criptomoedas às custas dos leitores, usando o processador de máquinas alheias para tal. Todos os que visitavam o domínio acabavam sendo vampirizados, seja pelo MBL ou por pessoas nas sombras que sequestraram o site para tal fim. É um caso ilustrativo, pois leva às raias da caricatura algo que, para quem parar um pouco para pensar, já seria bem claro: esses sites não mentem e distorcem por prazer ou idealismo, mas para obtenção de poder – político, sim, mas acima de tudo econômico.

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Permita-me repetir: esse pessoal está se lixando para o que você acredita ou não

Eles querem se aproveitar de você para se dar bem

E para ganhar grana. Muita grana

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Como todas as coisas, a ignorância também é um negócio. E alimentar essa ignorância com uma ração diária de pseudo-fatos tornou-se um nicho bastante lucrativo. Para quem usa Google Ads e lucra horrores com acessos, para quem usa acessos para acumular bitcoins – e para quem, desvinculado de escrúpulos, vai usar e muito esse recurso para tentar se dar bem em 2018. O MBL, por exemplo, faz altas articulações com olhos voltados à eleição presidencial do ano que vem – e o JornaLivre, umbilicalmente ligado ao MBL, tem uma função um tanto óbvia nesse panorama.

O mais curioso é que esse pessoal traz, no próprio caráter de seu conteúdo, o antídoto para a perda de leitores. Afinal, as mais de 12 milhões de pessoas difundindo notícias falsas estão bem satisfeitas com o conteúdo que repassam, e vai devolver o rótulo de “fake news” a qualquer veículo que fale outra coisa, seja ele sério ou não. Os que criticam o JornaLivre são desonestos, estão contaminados pelo esquerdismo, e são eles que produz material falso para atacar quem revela a verdade pelo outro lado – é isso que o JornaLivre possivelmente diria diante de uma acusação, e é o que a multidão de pessoas que compartilha seu conteúdo vai aceitar, em questão de segundos, como a explicação mais aceitável.

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Como todas as coisas, a ignorância também é um acordo. E só encontrando um mecanismo que encoraje as pessoas a romper esse acordo em nome de um conhecimento mais pleno será possível a nós – os que acreditam no jornalismo e os que acreditam na política – combater essa tendência cada vez mais assustadora

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Imagem: Reprodução da página inicial do JornaLivre, mostrando a presença do script mineirador de criptomoedas. Publicado originalmente pelo site da Vice.