Nós US

3 coisas que o escândalo da United nos ensina sobre a nossa cultura

Sacha
12 de abril de 2017
(you can read this article in English here)

É inevitável ter que enfrentar o que aconteceu com aquele passageiro naquele voo da United Airlines quando falamos de Estados Unidos. O episódio mostra algo sobre onde temos chegado enquanto cultura que, certamente, incomoda.

1. Não conseguimos controlar a nossa indignação

É praticamente possível cronometrar a sequência de acontecimentos cada vez que uma notícia destas aparece, tal é a situação do novo mundo de redes sociais. O caso da United não foi diferente. O nosso mundo tem câmeras disponíveis em qualquer dispositivo portátil e regras novas que permitem o uso delas mesmo no ar. Logo, as imagens do homem sendo arrastado do avião não demoraram em aparecer. E nem tampouco a indignação coletiva.

O que ocorreu é horrível e a reação da empresa só deixou as coisas piores, indiscutivelmente. Mas a sequência trágica já se tornou previsível—cada ataque à humanidade, à dignidade, segue a mesma linha. Virou fórmula para sensacionalizar, sem tratar do Sensacionalista. Indignamo-nos por causa de manchetes e vídeos curtos e perdemos o contexto e um entendimento mais completo do que acontece nestas situações. Não é difícil perceber porque isto não ajuda a melhorar o mal que é a causa delas.

2. As empresas já aprenderam a comercializar essa indignação—mas não são isoladas dela, nem a United

Depois dos acontecimentos em Chicago, a United perdeu em torno de U$ 900 milhões. É uma soma impressionante, mas não é uma reação única. Justo antes, a Pepsi lançou uma propaganda comercializando imagens de luta popular e foi escoriada nas redes sociais por isso. As empresas já veem a nossa indignação como fonte de lucro e aplicam-na em campanhas com vários graus de êxito. Só que, às vezes, o grande lucro desejado pode ser mesmo ao contrário. O poder da indignação não é controlado pelas empresas, por mais que tentem.

3. Temos um problema de brutalidade policial

No fundo, o problema real não foi culpa da United, mas da unidade policial que tratou de remover o passageiro que se recusou a sair do avião. Assim que a companhia aérea se viu obrigada a chamar a polícia para tratar de uma situação de beligerância aparente, passou a responsabilidade pelo acontecido aos policiais. E na tradição da polícia de Chicago, não foi com calma e gentileza, como se vê nos múltiplos vídeos. Eis o problema.

Desde a morte em 2014 do jovem negro Michael Brown pelas mãos de um policial depois exonerado, a brutalidade policial e a injustiça têm surgido como tema na política americana. Os casos já são inúmeros e a cada semana temos mais algum, mais um exemplo deste desserviço à população. E nestes cinco anos, pouco ou nada se tem feito para encarar a agressão policial, a militarização de polícia civil ou as injustiças, claramente documentadas, cometidas pela polícia. Temos um problema de brutalidade policial que se agrava com os avanços na tecnologia e incrementos nos orçamentos. Sem confrontar este problema, haverá mais polémicas ao estilo United.

Imagem: Juha Martikainen