Voos Literários

A Revolução dos Bichos

Flávia Cunha
30 de maio de 2017

Estamos vivendo tempos estranhos no Brasil (e também em outros lugares do mundo), isso todos sabemos. Nesse contexto, é bom recorrermos a um clássico literário sobre política e poder. O romance satírico A Revolução dos Bichos, de George Orwell, é uma fábula que aborda uma verdadeira rebelião dos animais de uma fazenda contra seus donos.  O que poderia ser uma história com final feliz (“e os bichinhos viveram em harmonia para sempre”) degenera para uma tirania por parte de uma das espécies, que resolve agir como se fosse mais especial que as outras.

Sabemos que Orwell, o mesmo autor de 1984 – livro que comentei nesse post aqui – escreveu Animal Farm pensando especificamente em criticar o regime comunista da União Soviética que, para ele, era a degeneração do socialismo real, no qual ele acreditava. Porém, o que torna A Revolução dos Bichos um livro universal e atemporal é tratar de manipulações que, infelizmente, acabam ocorrendo em qualquer época e sistema político.

Na história, as ovelhas são retratadas como os animais com menos capacidade intelectual e, por isso, são sempre mostradas como as primeiras a concordarem com as mudanças impostas nas propostas de governar a granja, sem nem ao menos darem-se conta do conteúdo das modificações. Apenas são levadas a concordarem, no melhor estilo maria-vai-com-as-outras. (Como muitos internautas e eleitores que vemos por aí, no mundo real.)

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Um dos exemplos de manipulação mostradas na história são os mandamentos dos bichos, que, originalmente, eram 7

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  1. 1. qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo
  2. 2. qualquer coisa que ande sobre quatro pernas, ou tenha asas, é amigo
  3. 3. nenhum animal usará roupas
  4. 4. nenhum animal dormirá em cama
  5. 5. nenhum animal beberá álcool
  6. 6. nenhum animal matará outro animal
  7. 7. todos os animais são iguais

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Ao longo da história, são modificados

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  1. 4. nenhum animal dormirá em cama com lençol
  2. 5. nenhum animal beberá álcool em excesso
  3. 6. nenhum animal matará outro animal sem justo motivo

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Com a opressão sendo institucionalizada na fazenda, resta apenas um mandamento:

Todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais que os outros.

Para quem interessou-se por saber mais detalhes e curiosidades sobre esse clássico literário, publicado pela primeira vez em 1945, pode dar uma conferida nessa matéria da revista Galileu. E, nesse link aqui, é possível conferir, na íntegra, uma animação baseada no livro e datada de 1954, além de um filme para a TV lançado em 1999.

Voos Literários

Que País É Esse? (Na Literatura)

Flávia Cunha
23 de maio de 2017

Imaginem o Brasil com um governo com representantes interessados apenas em vantagens pessoais. Não estou falando de um livro-reportagem abordando os dias atuais em território brasileiro, mas de uma obra escrita no início da década de 1980 por Ignacio de Loyola Brandão. Sendo Não Haverá País Nenhum uma distopia, evidentemente mostra um Brasil com ainda mais problemas do que enfrentamos no momento. Entre eles, a Amazônia transformada em um deserto, a cidade de São Paulo rodeada por toneladas de lixo que formam colinas imensas, sol tão forte que corrói a pele em poucas horas…

Porém, pelo menos dois fatores nos remetem a inconvenientes semelhanças com o país real. O período histórico relatado no livro é a Época da Grande Locupletação, referindo-se ao enriquecimento ilícito dos governantes. Além disso, o narrador da história está completamente desorientado em relação à política e não entende de uma forma clara o que se passa a seu redor. Que é, pelo menos para mim, a sensação que tenho ao assistir aos noticiários nos últimos dias. Meu palpite é que tem algo a mais por trás de todo o escarcéu com as gravações feitas pelos empresários falcatruas da JBS. Mas o que existe mesmo? Quais são os interesses financeiros e políticos em retirar Michel Temer do poder? E qual seria o sentido de denunciar Aécio Neves antes das eleições presidenciais de 2018?

Enquanto eu e o restante dos brasileiros que não recebemos malas com dinheiro de propina ficamos desorientados em relação ao sentido de tudo isso, recomendo leituras que nos façam refletir e não ser feitos de bobo por discursos políticos vazios. O livro de Ignacio de Loyola Brandão pode ser encontrado facilmente nas grandes livrarias, como por exemplo, aqui.

E, em se tratando de distopias e momentos políticos e governos questionáveis, não podemos deixar de citar 1984, de George Orwell. O protagonista desse romance tem um trabalho que é basicamente reescrever notícias, de acordo com as mudanças de posicionamento do governo totalitário que domina seu país. Esse clássico literário é de onde provém a expressão Big Brother, que é o olho que tudo vê.   

Já em Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, a sociedade é desprovida de núcleos familiares e as pessoas são divididas por castas. Qualquer questionamento ao sistema é impedido através da ‘soma’, uma substância que impede o surgimento de emoções ou possíveis revoltas.

Para concluir, vale conferir esse artigo, bem didático, sobre a distopia na literatura, do qual destaco esse trecho:

“A literatura distópica também pode representar um regime utópico que na prática destoa da teoria. As comunidades regidas pela distopia normalmente apresentam governos totalitários, ditatoriais, os quais exercem um poder tirânico e um domínio ilimitado sobre o grupo social.

Nestes estados impera a corrupção e as regras instituídas em nome do bem-estar coletivo revelam-se elásticas. As conquistas tecnológicas são utilizadas também como instrumentos de monitoramento dos indivíduos, da Nação ou de grupos empresariais.”